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quarta-feira, 24 de julho de 2013

As asas do desejo - Parte 4/5


 
- Começas tu ou começo eu? – A descoberta assumia contornos mais íntimos, definitivamente mais interessantes, mas o receio aumentava com a inevitabilidade do próximo encontro, desapontamento ou paixão, qual deles o mais embaraçante?
E ela começou.
Nem sequer pestanejara! Não sentia qualquer arrepio, incerteza ou vontade de me perder na irracionalidade permitida por uma flácida ânsia sexual!
Chegava de comodidade, de não repudiar a idolatria patética e repugnante daquele forcado que me feria de morte, tédio e repetição, os copos e as bebedeiras, os amigos e as não conversas, enfim nada de novo, nem mesmo sexo!
- Não havia portanto pontos fortes para explorar a chantagem ou o temor!
E ele lambia-me as feridas sem eu lhe pedir, e eu confortava-me de que dali, não haveria nunca surpresas, era socialmente aceite…enfim a nossa filha, não sendo desinteressante era tão pouco social, tão interior e introvertida, uma intelectualidade que sobrevoava as pessoas, a gente e os interesses comuns, que talvez tivesse tido sorte com este jovem, nada de brilhante, mas muito apresentável.
- Estás mesmo a contar-me a história do teu exílio? Creio que uma das características dos introvertidos não é decididamente telefonar à noite para casa de desconhecidos a meter conversa.
– Pedro protestava e começava a considerar que, ao telefone, a aparência engana mesmo, e a sua preocupação tornava-se exponencial!
- Estás a precipitar-te! Ainda não cheguei á parte da história onde me emancipo!
No final daquele dia, apenas desejara que o comboio se apressasse, que o anúncio não tivesse sido retardado aqueles intermináveis minutos.
- No dia da emancipação…
- Sim!
Sentia-me loucamente longe destes trajectos, que sabia serem derradeiros, mas sempre repetidos como os silêncios que povoavam as nossas tardes de Sábado, nos pontões da linha de Cascais.
De manhã, havia-me esforçado por perder todos os comboios que me conduziam à verde certeza de uma recepção amarga.
Mas nem os acidentes na Linha, nem a chuva de pedra que entardecia a manhã, me impediram de partir!
A minha partida para Paris estava decidida, comunicada á família, preparada e o destino já esperava por mim…seria hoje no comboio das seis!
Só ao meu desapontamento amoroso, ainda hoje não encontrei a palavra certa para lhe chamar, nada tinha dito.
Ele representava tudo aquilo que decidira, um mês antes, repudiar e negar.
Por isso aceitei aquela Bolsa de Estudo. Queria adiar o retorno a professora de uma qualquer escola da província triste e desconsolada, destino mais que sagrado para quem se enfia em Letras.
Tinha a certeza que a centralidade (aquela que tu tanto gostas) seria o melhor remédio para a minha emancipação e provável solidão.
Não lhe dissera antes, não por vingança, sobretudo por irrelevância. Quantas feridas procuraria ele lamber? Durante quanto tempo? Não, preferi não lhe dizer!
Como lhe poderia explicar que a nossa relação não tinha futuro, porque nunca tinha tido passado?
Tinha-lhe mentido?
Cristina tinha desligado Pedro desta confissão e assumia, sem rodeios nem pudor, o discurso directo, na segunda (e abandonada) pessoa.
Não. Apenas abanara a cabeça, ignorara as interrupções, como eu sabia prolongar as tuas ausências sociais com uma infinidade de coincidências da minha vida cultural, estudos e exames, família e descanso!
Quis partir porque não há o direito de perpetuar a infelicidade!
- Quantos anos?
- Alguns…
Porque não telefonaste?
O teu apartamento de luxo recebeu-me com o receio de quem é acordado sem aviso, esta é a resposta possível de uma relação não assumida, e eu que ainda não me apercebera porquê tanta fascinação da tua parte, seria o intelecto?
Senti-me tão insensível quanto esperava, aos jarros de sangria que nos apresentaram, á primeira noite que simulámos fazer amor na tua carpete da sala, às defesas por mim erigidas…
E como em todas despedidas, as palavras e os retratos de um dia a dia intermitente, já na primeira pessoa, soavam a falso, como se fosse importante falar-te do meu novo projecto, enquanto insistias em chumbar, em protelar tudo o que vagamente te lembrasse as palavras crescer e mudar, ludicamente perdido nos teus vinte e quatro anos, deslocados num mundo de adolescentes fantasistas.
- Afinal tudo se resumiu a um desapontamento de amor!
- Não estou convencida disso!
- Despediste-te assim, sem mais nem menos, á porta do apartamento do tipo, adormecido e atordoado num pijama de cornudo, já de mala às costas?
- (risos) Mais ou menos!
- E…
- Não reagiu, não acreditou, convidou-me para almoçar e jurou que esperaria por mim… e esperou!
E eu parti de táxi, e apercebi-me na altura que, de forma tão veloz e decidida como sempre, quando o visitara e precipitadamente saltava dos lençóis mornos, fugia de uma vila e de um homem que me atrofiava a vontade.
- Não partirias se encontrasses paixão.
- Insistes…Será assim tão simples?
- Não. Acredito que não há amor que resista á procura do nosso espaço próprio, pelo menos no médio prazo…
- Não há amor que resista ao nosso egocentrismo…quando o ego nos submerge!
O que não é linear que aconteça sempre e a toda a gente!
- Mas terias tu percebido isso, se não fosse o enfado?
- E será assim tão complicado e absoluto?
- Não sei! E quando foi tudo isto?
- Há dois meses. Finalmente o comboio chegara. Depois da despedida recusada, saltei para a carruagem 21, libertei-me fisicamente daquele Sábado de Verão chuvoso e embrulhei-me no Sud Express, destino Paris!
- Carruagem 21?
- Coincidências?
- Tu juraste que éramos espelhos…
E ele não precisou de começar.
Primeiro esquecemos os cheiros, depois a voz e os apelidos…só nos resta os nomes próprios, a imaginação do que teria sido mas nunca foi e, subitamente, um rosto!
Era definitivamente A Cristina que a sua mente inquieta e emocionalmente tremida o tinha impedido, três anos antes, de seduzir no concerto da Aula Magna, mesmo quando ela lhe tinha sugerido que os espelhos nunca se quebram.

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