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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Alexanderplatz - o espelho do não espaço








Ícone é uma palavra demasiado definitiva para caracterizar uma praça tão vulnerável aos ventos de leste, tão intemporal por falta de referências arquitectónicas,
É uma praça que se quis tão aberta que lhe faltam cantos e sobram esquinas e falta o centro, não é a fonte nem o relógio, os transeuntes divergem em vez de convergirem, hesitam na melhor trajectória de atravessamento, então não se pretendia que fosse espacial, o centro de um determinado cosmos?
Queria ser o centro, com o seu fanfarrão, pretensioso e psicadélico relógio que não se dispôs a ser o centro da praça, sequer!
Mas de repente pareceu que a fotogenia encheu a praça. Os lugares são pessoas e a diversidade da fauna prevalecente (os feios, porcos e maus que se reservam todo o dia debaixo da arcada) e passante – turistas na sua própria terra - equilibra de forma quase poética as luminosidade intensa do Kaufhof, das fontes e do reintroduzido néon da era digital.
Se ousarmos parar na praça, entendemos que se pode estar, circulando, rodeando-a pelas traseiras, entrando triunfalmente pela arcada principal, ziguezagueando entre feéricos eléctricos e aéreos comboios suburbanos, encostando-nos à sombra da grande torre de TV, um anticristo com reflexos de cruz em dias de um Sol especial!
Se insistirmos em não parar, apercebemo-nos da falta de cerimónia deste local, ninguém pede licença para entrar ou sair, porque ela é um não espaço, com uma completa ausência de convenções (Estará a gare de comboios suburbanos na praça ou nas suas traseiras? E ela não é a sua entrada principal? Mas não é elegante entrarmos de rompante, desta forma tão motorizada numa praça que se digne de tal! E a torre?)
Surpreendente é a forma serena como os peões da cidade partilham o mesmo espaço com os eléctricos, não existe exclusividade nem espaços próprios
Reconheço que, não sendo um ícone, é uma espécie de monumento vivo a uma época, a uma utopia.
Por isso a estudam, pequenos retoques aqui e aí, à procura de uma meticulosa restauração de uma humanidade ocidental sem ofuscar o brilho da identidade própria que é uma marca que se pretende impagável das várias cidades de Berlim que convivem num mesmo espaço geográfico, com uma marca comum mas tão ciosas quanto sempre de uma plena autonomia regional.
Convenço-me que Alexanderplatz é o espelho dessa (por vezes desconcertante) diversidade de microcosmos que a torna única e que deixa pouco entusiasmados os puristas (uma cidade deve ter uma identidade clara, um estilo próprio e único, um centro e dezenas de praças que se rodeiem de História – a verdadeira História, sempre com pelo menos algumas centenas de anos -)
Pois, mas não a deixaram, e na cidade das múltiplas faces (será insultuoso falar em tentáculos?) o século vinte teve centenas de anos.
E é a partir daí que se está a construir (meu Deus que fúria alucinante de (re) construção) a cidade mais futurista da terra.
Por isso Alexanderplatz sobrevive e, apesar de muito lentamente, pode mesmo reinventar-se porque encaixa nesta nova Berlim tão experimental quanto transformista!

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Hrvatska


























Zagreb, sexta-feira à noite.
A cidade saiu à rua numa movida cheia de energias positivas.
A música nasce das calçadas numa alegria contagiante de país recente, e os croatas vivem este Verão escaldante na rua, nas esplanadas, durante a noite, a manhã…sempre!
É uma realidade folclórica mas serena, uma ambição de promenade permanente, música e cinema ao ar livre, uma mescla de tradição e vanguarda, algo só vivido em momentos de grande afirmação colectiva.
Na zona alta, a cidade velha é a serenidade em oposição ao alegre folclore da cidade nova. A bandeira croata namora ostensivamente o azul comunitário e estrelado e os soldadinhos de chumbo ensaiam um render da guarda que acabou sem novos guardas no templo.
A aprendizagem de um país novo!
Lembramos a velhinha que canta com vozeirão em cima do coreto, à frente de um conjunto de aldeia, os noivos que se casam na rua e se atravessam à frente do eléctrico na rua central.
Recuperamos um local de fervoroso culto católico, no interior da porta da fortaleza, uma serenidade profunda, quase mística!
O museu das relações destruídas é uma invenção croata que expõe objectos deixados por relações terminadas e deixa um desafio terapêutico, baseada na exposição pública na expiação pública e conjunta dos cacos amorosos.
Folclore ou serenidade?
O cemitério de Mirogoj é um retrato da história de uma nação – fosse ela qual fosse, Jugoslávia ou Croácia – como o mercado central de Dolac, também.
Em Miragoj, o último monumento de granito tem uma porta orgulhosamente nacional e milhares de nomes gravados na pedra.
Advinha-se que se tratam dos mártires do renascimento croata!

sábado, 10 de setembro de 2011

Hotel Nostalgia









São três e meia da tarde no lago Balatón, o mar dos Húngaros e do centro da Europa.
O comboio expresso Budapeste – Zagreb detém-se em Balatonfoldvar, sem aviso prévio.
Uma estância balnear de um mar interior, rodeado de vegetação densa, ambiente fim de século, uma paz exterior que contagia o próprio trem que insiste em parar em todas as estações à volta do lago.
Um local não repetível, numa encruzilhada de caminhos, linhas férias e sem algum (visível) apelo cosmopolita.
Do outro lado da estação, isolado na paisagem por uma cerca branca, tão recortada que escondia a relva verde (de vergonha) vivia o rosa Hotel Nostalgia.
A mesma estação, provavelmente o mesmo hotel e as mesmas lembranças de fim de século: miúdos a chapinhar na água rasa e ligeiramente lodosa de um mar menor, a nossa surpresa perante o gozo supremo das famílias diante deste universo líquido sem ondas, os piqueniques e as esplanadas, as longas extensões verdes e relvadas das praias húngaras…
Diluía-se aquela nossa dicotomia juvenil de campo ou praia, porque aqui tudo era a mesma coisa e aprendemos com os locais que Verão era Balatão.
Foi no Verão de 82 que viemos a banhos a Balatonfoldvar e o meu relógio de pulso deixou de funcionar, como que por impulso ou comoção (sei lá)
Tanto tempo depois tinha regressado a um local irrepetível e estava lá, igual, a erva, a paz celestial de lugar de férias em meia estação de Setembro, os casebres afundados em jardins, relva, bancos de jardim plantados à beira dos caminhos, uma esplanada aqui e ali, um Sol envergonhado que se misturava entre as nuvens e lago…
Absolutamente entre cidades, a mesma nostalgia da praça dos heróis, um memorial muito próprio de estrelas de rock à beira da reforma.

De Buda a Peste – uma ciclo via improvisada














Acelerar pela Andrassy abaixo em direcção à Ópera e à Basílica de Stº Estêvão, transporta-nos para o circuito dos grandes monumentos, à velocidade de filme super 8, com a nitidez encardida de um realizador muito amador, porque o trânsito estorva mais do que devia, porque os edifícios monumentais fim de século não se deslocam connosco, à nossa velocidade, recusando mesmo a atravessar o passeio e a mostrar o seu esplendor.
Mas a basílica lá perdeu a timidez com o Sol a despertar das nuvens, o edifício mais fotografado do mundo e logo voltámos à pista à procura da porta principal do Parlamento mais bonito do mundo – expressões panfletárias, entenda-se – mas não encontrámos, tão grande é a Nação húngara – parlamento, primeiro-ministro e presidente, todos juntos no símbolo do máximo poder nacional - e tão largo é o cinto de segurança à volta deste castelo rendilhado (esta não vem nos panfletos, é minha)!
Mais largo que as saias das beldades húngaras que se nos atravessam à frente, e se cruzam connosco na ciclo via,
Margarita, não é um nome de beldade em cima de uma bicicleta rosa, vestida para o baile finalistas, mas a ilha é mais um refúgio para as fontes e igrejas, ginásios e piscinas…os verdadeiros atletas de competição encontram-se aqui.
Buda ergue-se nas colinas frontais à Peste do parlamento, da basílica, da praça dos heróis.
A subida em bicicleta é tão dura quanto o selim da mesma, a vista é suada no monumento aos pescadores – imaginem sem mar, como podem ter um monumento daqueles.
Do planalto sente-se Buda sentado (trocadilho) à porta do hotel Hilton, uma igreja que fecha cedo de mais e as personalidades que chegam, em carros diplomáticos, engalanados de bandeiras, a portuguesa também.
No palácio Real, o folclore dos petiscos e do artesanato local tem cheiro a arraial de Verão e o funicular sobe e desce sem parar, a ponte das correntes é na Budapeste neo moderna a origem e o destino de todas procissões (romarias), as bênçãos do rio Danúbio (para o Ganges de Buda)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

À procura do escritor fantasma


















A praça dos heróis é um lugar de culto: espaços abertos, uma monumentalidade capaz de fazer renascer as almas patriotas do fundo de um poço de opressão estrangeira, um espírito guerreiro que não se dissolve no ar (ouvem-se os cavalos a relinchar e os cascos a rasgar a calçada)
É uma praça de fervor nacionalista, um daqueles locais em que apetece marchar, mesmo que seja necessário inventar causas, provocá-las, desafiá-las.
Escondidos atrás da grande alma húngara, procurámos – entre banhos magiares, castelos encantados, arte contemporânea que emerge das águas do lago – a estátua do escritor fantasma.
Ela estava lá, entre a estátua de George Washington, Olaf Palme, outros húngaros honoríficos, de nomes indecifráveis mas certamente homens de grandes feitos.
Não fosse Budapeste a cidade das estátuas e os parques os seus principais locais de meditação.
Ela estava lá, garantem-nos os entendidos, mas escondeu-se da nossa procura, da nossa vista.
Encapotada, porque representa o fantasma que habita em todos os nós, ter-se-á esquivado porque não queria retirar o protagonismo a quem a procurava.
Típico de escritor fantasma, que vive da notoriedade de terceiros, capaz de transformar uma alma pobre e curvada perante o destino numa personalidade honorária, num herói nacional, capaz de abraçar as causas nobres do mundo moderno!

Por isso vive, de forma esquiva, na sombra da praça dos heróis.

Memento – Magyar retro









Acordámos ao som da Internacional, cantos revolucionários ( ou de exaltação ao socialismo planetário) que estoicamente procurava libertar-se de roufenho rádio dos anos sessenta, uma visão arrepiante da tecnologia soviética.
Engano? O comunismo acabou na Europa há vinte anos, e não deixou vestígios?
Comunism Tours é um must em todo o Leste: visitam-se relíquias, as estátuas que não foram destruídas, exposições planas de retórica (hoje praticamente anedótica) vêem-se filmes arqueológicos sobre informadores e espiões…enfim, transformaram a revolução do proletariado em chacota museológica…e, nalguns casos, em profundo ressentimento!
Em Budapeste chama-se Memento, um parque chutado para os subúrbios, cheio de referências retro em que a velhota da bilheteira da sua loja de souvenirs parece saída do mesmo firme.
E o filme chamava-se good bye Lenin!

A leste tudo de novo










A leste tudo de novo – bem podia ser o título do novo romance de Buarque, depois do inspirado Budapeste que, em filme retratava uma cidade plena de subtilezas, insinuações (nuances é a palavra), tons de amarelo e estátuas.
É portanto uma cidade feminina, por um lado uma capital assumidamente moderna e europeia mas povoada de centenas de recantos obscuros e quase indecifráveis, pátios que se escondem na saudosa decadência dos prédios escuros (herança de uma qualquer educação severa?), uma imensidão de parques e jardins em que estátuas solitárias abrigam seres em meditação, mendigos que dormitam nos bancos de madeira corroída pelo tempo, seres que se perderam no furacão da mudança de ciclo (político, mental, sistema ou uma preciosa palavra, mind set).
Mas a cidade (mulher) moderna renova-se a uma velocidade tão galáctica que as correntes do Danúbio parecem estáticas, presas na ponte das correntes, também ela uma obra do último período de fúria criativa vivida pelos húngaros: a secessão austríaca da segunda metade do século dezanove.
Esta urbe, que sempre se habituou a copiosas destruições, recupera o esplendor da arte nova, mistura-o com marcas de extrema modernidade do novo século (procurando camuflar o século passado das trevas) e veste-se de gala ocidental.
Só teria pena (que) se nada restasse da sensual decadência, mais misteriosa que obscura e que torna Budapeste tão apelativa e distante dos ícones do oeste, agora como há vinte e nove anos atrás

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Bratislava existe














Bratislava também tem uma atmosfera especial – G. está a segredar-me em alta voz que Budapeste é a Paris de Leste e eu respondo E depois? Se é Paris não é original! – e própria, reconheço que menos sofisticada que outros sucessores do Império, mais despovoada de seres (a chuva terá varrido as pessoas?), talvez porque, algures no século dezanove a cidade foi inundada por (imaginem) icebergues que não derreteram quando deviam, no fim de um inverno sobre o Danúbio…
Ou então porque a sua nacionalidade não é muito levada a sério pelos vizinhos (até os húngaros já fizeram dela capital, hoje mal digerida humilhação) … ou então (muito mais verosímil) porque não são mais de quinhentos mil habitantes.
Poucos mas persistentes na vontade de preservar cada pedaço da História, pedra a pedra, numa estóica e poliglota vontade de ser universal.
Daí ser o único país destas bandas que aderiu ao Euro, reminiscências austríacas?
Mas consta que Bratislava não é a Eslováquia, exemplo desta diferença criativa, a jóia de arte nova (igreja azul), comparável às obras de Gaudi.
No país real voltamos nós à periferia, localizada bem no centro da Europa.
Em Budapeste, grande capital imperial de largas avenida e construções monumentais, voltámos a montar a bicicleta: seguem-se imagens de uma fita de cinema em super 8!

Destinos de um país pequeno











Eslováquia é uma verdadeira História de paixões não correspondidas, traições de sangue e alianças equívocas.
Comecemos pelo temperamento eslovaco (ou de quem povoava o local): os otomanos barraram em Bratislava depois de entrarem triunfantes em Budapeste; Napoleão destruiu a cidade mas não entrou no castelo! Basicamente os eslovacos são duros de roer e essa característica de personalidade pode explicar todo o resto, ou talvez não!
Apoiaram os austríacos na disputa pelo poder com os húngaros e perderam!
Os húngaros ganharam a revolta e passaram a dominar os eslovacos.
Quando os checos, depois da primeira grande guerra, criaram um estado independente, os eslovacos foram nele integrados – apesar de não entenderem porquê e não quererem de todo.
Hitler decidiu que, ou passaram a ser independentes dos checos e tornavam-se num estado alinhado ou eram integrados na Hungria.
Escolheram a independência e apostaram mais uma vez num cavalo, a prazo condenado.
No fim da guerra ninguém os reconhecia – apesar da rebelião eslovaca tardia contra os alemães no final da guerra que virou banho de sangue e abriu as portas aos russos – e foram automaticamente integrados num novo país unificado, agora comunista por opção dos checos e (novamente) opção dos eslovacos.
Fado de país pequeno: católicos por contraditório com os ateus checos, os eslovacos foram perseguidos no seu credo. Rebelaram-se em 1968 em conjunto com os checos e começaram a revolução de veludo em 89, um dia antes de Praga.
E o mundo jamais reconheceu.
No meio dos anos setenta, os insensíveis comunistas arrasaram setenta por cento da cidade velha ( o bairro judeu por completo ), construíram milhares de blocos de apartamentos pré-fabricados (com duração prevista quase em fora de prazo) junto ao Danúbio e uma via rápida encostada à Catedral onde haviam sido coroados os imperadores austro-húngaros.
Haviam guardado a sua reduzida sensibilidade artística para a bela Praga e utilizaram a católica Bratislava como tubo de ensaio das políticas expansionistas quinquenais comunistas
Triste destino de um país pequeno!