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domingo, 29 de julho de 2012

Roma em três atos - Ato II - Via Appia Antica e o triunfo de uma Nova Ordem


Nas bermas da grande estrada do Império conspiravam os cristãos nos túneis suburbanos da grande Roma.
Nas catacumbas de S. Calisto, construídas em camadas, não apenas como um repositório de defuntos, mas como um templo vivo da nova fé, sentem-se os primórdios de uma nova era, feita de simplicidade, uma devota militância num mundo e numa nova crença, despojada e plena de aspirações, igualitária e cristã
Nas catacumbas sente-se o peso histórico da ascensão de uma nova ordem (como em nenhum outro lado em Roma) que, tal como o frio subterrâneo, arrepia quem sente!
Ao lado, a Via Appia Antica, simboliza o êxodo dos antigos senhores e relembra-nos com é ténue a linha de fronteira entre dois mundos.
Soberba a incapacidade de prever (e aceitar) os ventos de mudança que deslocam o império para leste, lançam a antiga capital no caos e no retorno às trevas, que a ascensão do papado ressuscita, (ressurreição de fénix) lentamente ao longo de séculos de uma transição, feita de alianças improváveis, em direção ao renascimento e à modernidade.
Ciclo de vida em mil anos de uma história desordenada, uma idade média que viveu muitos anos nos escombros da Antiguidade e que utiliza os restos do Império, sem critério nem pudor, para a construção dos novos templos de um deus só!


É uma descoberta sensorial única que nos confunde à vista desarmada e nos obriga a escavar fundo, ao lado dos novos arquitetos seguidistas que, para além de tudo o resto, contribuíram para a preservação de alguma da grandeza da antiguidade imperial.
É o verdadeiro ato II da atual Roma turística: identificar, edifício a edifício, as sobre (justa) posições de épocas, de estilos e de necessidades construídas, de forma intencional (ou não), na longa idade média romana.
Longa vida para os novos messias do império que prosperam desde os túneis da lama à cripta da basílica de constantino e de pedro.
O ato II ½ (portanto entre o II e o III) é uma demonstração de que a natureza humana não se altera significativamente com a mudança de ordem prevalecente e de que, tudo em Roma, acaba por desembocar no vaticano profundo
Trata-se da adoração celestial das relíquias terrenas, acumuladas pela nova ordem romana e ocidental ao longo de séculos missionários.
Mais do que uma fé, os museus do vaticano, são uma demonstração de poder, uma acumulação insaciável de relíquias de todas as civilizações imperiais defuntas, repositório de tudo o que foi escavada nas inúmeras terras de Roma.
Enquanto cambaleava entre multidões em fila cerrada, pelas maiores exposições de esculturas (definitivamente pagãs e absolutamente bélicas) egípcias e romanas do mundo, repetia que nem um tonto; fé ou demonstração do novo poder romano que só a unificação italiana confinou aos territórios do vaticano?
Não é fé com certeza!

Roma em três atos - Ato I - O triunfo dos feios, porcos e maus / A decadência do Império


Esmagados pelas pedras e pelo calor.
O calor absurdo evapora as poeiras milenares que povoam as ruínas e faz desvanecer o azul do céu e, apesar das multidões fumegantes e famintas de triunfos e vestígios dos Imperadores, dos guerreiros, dos gladiadores, o cortejo triunfal deu lugar ao caminho das pedras no Fórum Imperial e nas antecâmaras deste estádio da antiguidade.
O esqueleto do Coliseu clama por justiça (sim, dois mil anos de pé, apesar dos saques bárbaros e dos aproveitamentos católicos) porque a barbárie e a violência não diminuem a virtualidade da engenharia romana.


Apesar do elevado teor sanguinário deste local – a areia absorvia o sangue na arena – consta que não se mataram cristãos por aqui (afinal já havia mitos urbanos na Antiguidade).
Mas as setenta e cinco mil almas que aqui se sentavam, desfrutavam de atividades lúdicas de teor selvático elevado, devidamente ratificadas por todos os poderes imperiais.
Alienação das massas?
Quando já não havia gladiadores ou escravos e o Império já tomara o veneno que liquidaria de vez a cidade, os restos de poder organizavam combates entre animais selvagens, tendo conduzido à quase extinção de algumas espécies – é o que se diz!
Manter as massas entretidas com sangue, mesmo que as novas crenças dispensem o sacrifício humano!
As reproduções virtuais da cidade imperial revelam um estádio avassalador
Encostamos os ouvidos aos arcos, aos templos e ao fórum procurando escutar murmúrios (que sejam) de triunfos e glórias, de uma cidade vibrante de um milhão de almas que conheciam os segredos da água, mas só ouvimos cigarras e uma lengalenga de contadores de histórias a multidões ofegantes e crédulas, mas com uma grande dificuldade em compreender o todo!
Uma forma diferente de sentir a fábula!
Perguntamos à nossa alma dual (a inteligência racional) como se deu a ascensão e a queda do império mais óbvio do mundo.
Cento e cinquenta anos, foi o tempo suficiente para transformar o reino do céu na terra, num campo de pasto para vacas e menos de vinte mil almas residentes.
590 D.C.,
A superioridade rendida às trevas e à barbárie dos básicos do Norte.
Nem sempre triunfam os mais fortes
A única resposta da alma dual que refrescava as interrogações sem pudor numa fonte de água gelada, assombrada pelo Templo de Rómulo.


Roma em três atos – Como qualquer outra simplificação grosseira


Decidimos formatar a Roma turística numa cidade a três atos – A decadência do Império, a ascensão do poder católico e o esplendor renascentista e e da contra reforma.
Porque é fascinante alimentar a ideia de que a cidade se (re) constrói permanentemente sobre ela própria, por camadas de História, reaproveitando os materiais, as técnicas de construção, o significado mitológico/religioso ou pagão do espaço arquitetónico ocupado.
Consta que Miguel (o Ângelo) se perdia por entre as basílicas e os templos romanos em ruínas a estudar os prodígios arquitetónicos (e de engenharia, sem dicotomias nem pontas soltas) dos primeiros romanos e, mesmo na decadência, relançou as bases do modernismo (vide ato III)
Nascido na moderna Florença, emigrado para a velha e ruína romana.
 (A atribulada história dos pós império impede-nos de narrar o verdadeiro e definitivo primeiro ato – A expansão do Império - a não ser pela imaginação dos historiadores, e pelas tecnológicas reconstruções em maquetes de 3D)


(A falta de tempo – Roma é uma cidade que se devora – impede-nos de conceber um quarto ato “ A unificação italiana e o século vinte e a Roma contemporânea”, sobretudo porque resumir a Roma contemporânea ao mais que visível – seja qual for o prisma, o itinerário ou a visão panorâmica – “mausoléu” a Vitorio Emanuel seria descriminar positivamente o Benito)
(Sem ofensa)

quinta-feira, 26 de julho de 2012

A ira de Nero (e outros equívocos históricos)


Um povo deve cansar-se de fadiga a sério.
Nero teria ordenado que pegassem fogo a este enxame de invasores barulhentos e multiculturais que devassam os tesouros do Império (eles e as máquinas fotográficas que banalizam os tesouros, revolta (tardia) dos povos romanizados.
Estação ferroviária de Santa Maria Novella, cinco da tarde!
Abre-se um corredor, um intermezzo de silêncio e conforto entre a agitação e o ruído que enxameia a arte e a história.
A experiência ferroviária é um mommentum: Florença vs. Roma em hora e meia, uma linha nova que se esconde da paisagem em (tantos) túneis que fazem doer os ouvidos e tira-nos todas as referências geográficas (Toscânia, umbria, quem se interessa ou quem sabe?)
Absolutamente novo e inesperado. Não era esta a memória confusa e extenuante que tinha dos morosos combates ferroviários italianos por um lugar sentado.
Hoje importa chegar sem tremores e sem demoras. Uma espécie de combavião!
Provavelmente se o génio Miguel (Ângelo) tivesse sido contemporâneo destas modernidades, não teria demorado tantos anos para fugir de Florença para Roma! Ou apenas mais uma possível causa para o deficit galopante de um Estado descuidado, que todos, em Itália, preferem que não atrapalhe?
Roma ao fim da tarde, e as gaivotas sobrevoam o Quirinale.
Felizmente o Presidente não deve estar porque é Domingo e porque as gaivotas têm o mau hábito de arrancar os olhos aos moribundos.
Gaivotas a trinta quilômetros do mar, tempestade certa!
Em Trevi, uma multidão nunca vista abafava a fonte e evaporava-lhe a água só com o respirar
Vamos daqui embora antes que chegue o (tal) Nero.

domingo, 22 de julho de 2012

Firenze - Pura Magia!


Tudo se passa na imagem desfocada que desfila por detrás do teu close-up.
(Sim, a máquina fotográfica adquiriu vontade própria com o pôr-do-sol de Florença na esplanada da Piazza, e eu distraí-me com as imagens de fundo, tão levemente desfocadas como inesperadas na cidade de todos os visitantes)

Piazza Santo Spirito, um não destino em Oltrano, o outro lado do rio.
Finalmente houve tempo para descansar a vista sobre a vida dos outros, os florentinos a passear os cães na praça em horas de conversa imaginada com as bicicletas na mão e o banco de jardim sob as pernas em particular, e o corpo em geral, os copos que baloiçam ao ar, gargalhadas súbitas ou amenos sussurros, conforme os figurantes e a atenção (dispersa) do nosso olhar.
Oito da noite e o vento é uma bênção continental (apenina ou mediterrânica), antagónica do infernal vento atlântico do nosso julho.
Os 37 graus à sombra sufocavam a tarde, que vagueou por entre os tesouros de uma época em que os Homens sonharam para além do que esperavam deles, planeando catedrais e palácios, decorando abóbodas com frescos magníficos, construindo uma cidade, um museu e uma montra de arte humana que se revela hoje absolutamente intemporal.
Uma cidade à escala humana, onde coexistem os ofícios, os cheiros e o espírito mercantilista dos seus habitantes.

(E a cidade resiste a uma prole de invasores que não para de crescer. Antes eram só os europeus, os japoneses e os americanos. Hoje são também os outros europeus, os russos, os chineses e os indianos, atrás do fascínio da história e da arte do coração cultural da renascença europeia)


E a magia ficou, paira no ar quente de verão, sentem-se os espíritos (fantasmas) benignos de quem a criou (a cidade) nas ruas amarelas e nos edifícios castanhos (sim, em Florença dominam as cores torradas), nos inesperados torreões e nas óbvias fontes de água fria, na ponte, na praça e no palácio, símbolos de uma capital, que já foi!
Os espíritos sabem que não há igual, por isso sobrevoam (ano após ano) as calçadas desta urbe, numa atmosfera que aquece à noite, inspirando todos os que se sentem artistas e se instalam neste palco permanente lançando fogo no ar, mesclando a arte moderna e a música contemporânea com os cenários imaginados pelos coreógrafos do segundo milénio, atentos a todos os pormenores, em sucessivas sintonias e ângulos vivos, apenas ao alcance de mentes e mãos visionárias.
Florença não se devora, aspira-se, aproveitando as correntes de ar quente que atravessam as varandas medievais que a renascença tornou imortais, os focos de luz que podiam ser archotes e que realçam as sombras (as nossas ou dos fantasmas criadores) que agora pululam entre os visitantes aturdidos pelo som, pelas luzes e pelos cheiros que emanam das pedras coçadas que nos envolvem.
Sim, Florença aspira-se e ela (de forma ardilosa) nos envolve, fazendo sair os génios em catadupa da lâmpada de Aladino.
Da sua, da nossa e da deles!

(A música e as vozes dos sopranos elevam-se (abraçam) no torreão do palácio Vecchio)

Um festival de sentidos!
Em trinta anos de existência errante e curiosa apenas os rostos mudaram mas os olhares, embevecidos pela noite quente, são os mesmos.
Provavelmente os rostos (como o meu) também são os mesmos, envelhecidos pelo tempo, desesperadamente à procura de uma cura duradoura de rejuvenescimento.
Êxtase e admiração, um espaço de encontro de (cada vez mais) culturas, abençoado pelo génio dos mestres!


terça-feira, 3 de julho de 2012

Feira do Amor Cigano


Cheira intensamente a farturas e coiratos que assam ao vento, numa brisa que percorre o vale e atiça as cinzas.
Este é o ambiente da feira, popular mas urbana, um retorno à charanga e ao fado que desafina na rusticidade que se entranha nos tempos modernos e a desvanece.
Salomão enlouquece com a dialética faduncho que exala do coreto, ziguezagueia entre um povo derretido pelas origens, ignora os roufenhos anúncios que exalam dos megafones saudosistas, intemporais de tão velhos
“Vulcanizadora Trovão, Oculista Caixinhas, uma caixa de óculos que relampeja nas noites de tempestade”
e procura desesperadamente a Deusa do Amor cigano, entre a barraca dos matraquilhos e as estacas da barraca dos sapatos e o carrossel do dragão – sim e o cheiro a farturas e o sabor a coiratos –
Amores vagamente clandestinos!
Salomão, como Sandosh ou Faisal apaixonou-se por uma intocável, uma nómada irreversível que apregoa por toalhões sem origem nem destino, a cavalo de uma Transit de 1978, num despudor confuso entre a sensualidade agressiva e os objetivos (a sobrevivência) de venda.
É uma paixão de acne e de Verão, seduziu-o a voz quase grosseira, o turbante que enfeitava os adereços prateados que lhe faziam brilhar os generosos peitos e, quem sabe especialmente, os olhos penetrantes e pretos, perfurantes como o céu estrelado, tão profundos como uma teia envelhecida…e o Salomão, Sandosh ou Faisal sentia-se um inseto insignificante e impotente.
Já não se lembrava do quando!
Mas não podia ter sido há muito tempo; a feira instalara arraiais há apenas três dias!
Ou terá sido noutro local, noutra festa e noutro Santo?
Ele corria avenida abaixo, vielas acima, praça à volta, atrás de um boato, de uma sensação (de um anúncio enrolado pelo gramofone pendurado entre as árvores)
“O arraial levantara amarras, as carrinhas e as tendas, a feira partira antes do tempo para outo lugar”
E ele que amava uma intocável, acto consumado, tal como Sandosh, já se sentia declarado morto, pelo amor proibido ou por estar em risco de o perder.
Porque ela fugira ou porque os zelosos funcionários municipais não podem tolerar a um munícipe, um amor nómada.
Impossível de recensear, amor de feira, fartura ou coirato, deve ser efémero!
Sem escolha, morto de amor e saudade ou administrativamente inexistente.
Mas a intocável partira mesmo e o Faisal, o Sandosh ou o Salomão – ato consumado na clandestinidade da família (dela) e do burocrata (dele) – apercebeu-se, no desamparado e desolado terreiro da feira, que não lhe conhecia o nome e tinha ficado preso na linha do tempo
Raça, crença ou religião.
Apenas uma poeira esbranquiçada se erguia em redemoinho, impulsionada por uma brisa impertinente que percorria o vale, iluminando o horizonte escuro de uma noite subitamente sem estrelas.
São as festas de Pedro, aqui ou em qualquer lugar


domingo, 1 de julho de 2012

Quinta do Furão, oito da manhã


Quinta do Furão
Oito da manhã no Mar da Madeira
Não há vultos que impeçam o Sol de furar, nuvens que desmoralizem o nascer de um novo dia de Junho
Encontros imediatos do 3º grau numa ilha flutuante à beira de um mar maior!

Ninguém pode sonhar por ti!


A lua esconde-se por detrás do céu azul e as sombras denunciam a presença do usurpador do espaço público.
Sim, só  as sombras o evidenciam da natureza morta que o cerca.
"Ninguém pode sonhar por ti" é um grito de ansiedade do artista que se sente perdido na esquina da vila histórica, numa viela encardida e aposta na comunicação directa.
Ontem grafitti, hoje arte de rua
E a pomba voou!