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domingo, 28 de julho de 2019

SILK ROAD #1– No Oriente não se alimentam dragões



Cai a noite em Xian e não há tempo para primeiras impressões.
A multidão move-se em direção ao entardecer, como se o fim da tarde fosse apenas uma circunstância atmosférica que abranda o calor e permite recuperar o atraso das tarefas da urbe.
Não há momentos de pausa nas esquinas das avenidas rasgadas pelo novo sentimento de urgência que bem podia ser imperial, nos confins do bairro árabe onde não é possível reter detalhes , em torno do Pagode do grande ganso selvagem ou da torre do tambor, nas ruas do mercado que adotaram a natureza árabe, apenas por razões práticas.
Em Xian, por simplicidade histórica, o ponto de partida oriental para a viagem em direção a ocidente, só se respira a centralidade Huan, sejam quais forem as reminiscências, e todos parecem adaptar-se com uma harmonia que chega a confundir-se com vontade, com a necessidade de construir um presente sem permitir que o passado atrapalhe o estabelecimento de ambições.
Xian, apenas por simplicidade histórica, o extremo oriental da rota da seda, absorve as responsabilidades das origens da China, preservando as muralhas como aviso para o futuro e afadiga-se a reconstruir o miolo, aplanando as imperfeições que a História não foi resolvendo, não deixando que as memórias se entranhem nos edifícios e impeçam a regeneração dos seres humanos.
Afinal de contas, a rota da seda como conceito é uma criação dos humanos, depois da história acontecer, porque ninguém que a tenha usado, na adversidade dos elementos, a conseguiu (ou se preocupou em) circunscrever no espaço e no tempo como uma marca com contornos porque, afinal de contas, estavam todos demasiado ocupados em ganhar dinheiro, em espalhar convicções, em desbravar o exótico e a construir impérios
A posteridade é uma preocupação dos que vivem para estudar, desenterrar ossos das areias do deserto, procurar nas ruínas, pedaços de pedras com uma dimensão humana capaz de transformar lendas em realizações dos homens.
Portanto, a rota da seda como conceito é tão relevante como qualquer outro, a dos escravos, a das ideias, a das ambições.
Por isso é provável que Xian cumpra o prometido.
Naturalmente porque estão todos ocupados em ganhar dinheiro, em espalhar convicções, em confinar o exótico e a construir impérios
A criança que defecava no passeio do bairro das lojas de telecomunicações, sem fralda mas com pudor dos pais, na urbe que brilhava de asseio perante a incredulidade do passado recente, e o único velho que dormia no banco do jardim, nas franjas do pagode sem que o álcool o deixasse acordar do fogo de artificio que festejava, quiçá o quê, são as únicas imagens de dissonância da nova ordem baseada no comércio, na limpeza, no elétrico e no presente.
Em seis milhões de almas.
Talvez haja uma outra perspetiva…