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domingo, 28 de janeiro de 2018

Arte sem legendas

(ou a reconstrução apressada de uma história atual – Extratos da Bienal de Cerveira)


Mediterrâneo – Uma homenagem às vitimas da estupidez humana, um título que explica os destroços de madeira, os fragmentos peças que não se conseguem consertar, cuidadosamente expostos à curiosidade mórbida dos espetadores anestesiados, e as cores vivas das roupas retalhadas que denunciam as origens de África





(Sem fotografia disponível, apenas imaginação)





Porto uma outra ideia de cidade quadrados cinzentos, figuras geométricas que servem de moldura às janelas, uma sensação de aperto, de conformismo, de falta de espaço para criar


O guardador de estrelas é um ser incompleto que paira sobre a liberdade, quase estropiado pela ausência de um espaço finito onde se recolher




Um sem título que não se isenta de responsabilidades, a mulher de branco que cose o uniforme militar como se quisesse consertar as asneiras dos homens. O branco alvo e o cinzento guerra




Saída negra de Helena Almeida transporta um turbilhão de desistência, desespero e morte, como se a paixão só o é se for retalhada e fatal, representada pela banda desenhada na melhor tradição do filme negro e da humana atração pelo abismo - Cadáver Exquis (de une grande delicatesse)




Diz olá ao primo parece ser uma forma triunfal de evocar (o que poderia ter sido) a teoria da evolução das espécies, o que não deixa de ser um epílogo possível para o regresso às origens que representam alguns dos laivos da realidade contemporânea.


Apenas alguns… 

domingo, 14 de janeiro de 2018

Empty Spaces



Hoje desfilamos o Verão com um olhar de Inverno. Até somos capazes de ouvir os ruídos das crianças, a voz do vendedor de bolas de Berlim, o apito do banheiro 
Seríamos, mas não escutamos nada, a não ser os passos abafados dos corredores de fundo.
Os atletas da chuva, os agitadores das poças que competem com o mar por uma margem segura.
Nas memórias do Verão há uma espera impaciente, desconsolada, uma ansiedade que até emana um certo brilho, serão suores frios, lágrimas de ferrugem ou talvez  pingos de uma humidade que afugenta os adoradores de calor.



Em tarde de superfície frontal, as memórias da época balnear sofrem com o desgaste dos elementos.
Mais do que irão sofrer com a azáfama dos veraneantes, porque a vida das memórias é uma história circular.





Sofrem mais do que com os gritos estridentes da sofreguidão das horas de Sol, uma cor de pele e ampolas de iodo e vitaminas, porque também as memórias também têm sentimentos.
Abandonadas nos maus momentos pelos que se esquecem que as memórias também sofrem, têm os sentimentos dos átomos metálicos
Solidão em estado cru.



Em tarde de aguas furiosas que vêm do céu, as memórias parecem ter perdido o sal.

Empty spaces 
Empty memories...

domingo, 7 de janeiro de 2018

O fosso da memória



Há momentos em que as memórias longínquas submergem, adormecidas, com uma nitidez que já tínhamos esquecido.
Os figurantes de um passado trancado reaparecem-nos numa ocasião festiva, ou num qualquer cortejo fúnebre e, de repente, despejam-nos um turbilhão de imagens de uma outra vida que um dia vivemos.
E, nesse momento, apenas nesse momento, parece-nos impossível que aqueles seres de quem fantasiamos passados sejamos nós, e eles sejam eles.
E este passado longínquo submerge a coerência da nossa história, construída a partir desse passado, em ondas de euforia que nos leva a tratar as memórias por tu, em respeito às cumplicidades, como se o passado tivesse sido uma linha contínua, mas depois sobram peças, quebra-se a conexão entre estas duas vidas, como um castelo de cartas construído sem fundações, foram mais os anos que passaram do que aqueles em que vivemos um espaço onde só havia futuro.
Quando só havia futuro.
Estes momentos são raros, mas relativizam a nossa perceção de imortalidade.
Mas, na noite do ano novo, fiquei com a sensação que, cada uma das primeiras cinco passas, tinham mais de uma década.
E, quando nos tornamos mortais, temos uma certa tendência para romancear os excessos da nossa imortalidade juvenil
Também é verdade que, nessa noite, bebi muito pouco álcool.

E isso não ajuda