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terça-feira, 31 de maio de 2016

O olho do dragão


Ela chamava-se Tatoo e vivia para lá do bar do túnel.
Quando se atravessou à frente, lembrei-me do olho do dragão.
O ombro tatuado conduziu-me ao bar do túnel, o santuário reggae da praia do Estoril.
Afinal era uma tatuagem sem rosto, não, melhor ainda, era uma pequena pintura rupestre que serpenteava entre uma multidão de línguas estranhas que pululavam no pontão de rostos avermelhados, que enfrentavam as ondas de bandeira vermelha e um sol ventoso que levantava o mar contra as rochas.
É cada vez mais difícil entender todos os lugares da Europa e conhecer as origens apenas pelo tom de pele, pela cor do cabelo, pelo tamanho das pernas e pela densidade das sardas.
É preciso estender a linha numa tarde de raro Sol e de paisagem arejada para sentir que já somos poucos, na nossa própria vizinhança.
(Descontando naturalmente o devido exagero)
O burburinho tem sotaques pronunciados, animais que só entendem línguas eslavas e enrola-se em redemoinhos concêntricos.
E finalmente o bar do túnel. Bob Marley jorra dos écrans e dos cartazes, por cima da máquina do café há um aviso de crocodiles danger (Costa Rica, felizmente) predomina o azul-marinho no bar sem janela e, atrás de mim, entre a porta de entrada e a porta da cozinha, renasce o universo hindu, uma conversa com um som absolutamente compreensível, que resulta numa troca de moedas entre o hindu da papelaria do túnel, o hindu empregado do santuário de reggae do Estoril e ainda do hindu empregado da loja de galos de Barcelos e nossas senhoras de Fátima.
E um novo redemoinho de uma vizinhança próxima, com cumplicidades construídas na escola primária de Mumbai (ou outra metrópole qualquer).
Saí ao de leve, para não levantar vento, evitando acidentes de maior com as pranchas de surf, sob os tetos de madeira, que certamente serviriam de ventoinhas nas tardes de uma canícula anunciada por um verão adiado, ou apenas, que nunca mais chega.


Sentado na pedra do paredão, organizava as minhas imagens e os ficheiros sonoros que permaneciam no cérebro e fui invadido por quatro pés nus, embrulhados de areia,  exceto nas unhas de um vermelho glorioso, pele branca e pernas compridas, idade indecifrável, olhares de uma juventude empertigada, sardas em crescendo, escondidas debaixo dos cabelos louros e desgrenhados.
Olham para mim uma vez, e eu sinto-me lisonjeado.
Duas vezes, e eu fico surpreendido.
Três vezes, e comecei a achar que não podia ser comigo.
Quatro vezes e eu fiquei com a certeza de que havia algo errado comigo.
Levantei-me e apressei o passo na direção da areia.
Infelizmente, elas não falaram, e eu não consigo entender de que extremidade da Europa elas terão partido.
(E só depois apaguei o cigarro, junto ao muro, dentro do lixo)
Jamais me perdoaria, se elas queimassem aquelas belas unhas de um vermelho glorioso.
Na estação, voltei a ouvir os sons latinos, com sotaque é verdade, mas latinos.
Estendi o braço para a porta do comboio, que demorava tempo a fixar-se num lugar, e o braço estendido empurrou-me ao longo da plataforma até as janelas pararem e a porta se abrir.
Entre o meu nariz e o intervalo da plataforma para a composição, e iluminado por uma tira de Sol que se intrometia entre a cobertura da gare, estacionava, sem zoom nem aproximação, como se tivesse estado sempre ali, o ombro tatuado pelo olho do dragão, que ocupava, agora, o único espaço disponível entre a multidão e o regresso a casa.
Era afinal de contas apenas uma tatuagem com um rosto de miúda, cabelo escuro, pele morena, pernas curtas e cabelo apanhado.

E falava uma língua familiar.

domingo, 29 de maio de 2016

Espaço Memória


Rua 42, Parque Empresarial da Baía do Tejo.
Um eufemismo dos tempos modernos para localizar os despojos da Companhia União Fabril.
Como a ideia de transformar as ruínas em circuito industrial.
Impressiona o silêncio e o vento forte que vem do rio, porque a margem já não oferece resistência.
Impressionam os espaços vazios e os edifícios de cores vivas que submergem a ferrugem das instalações industriais que já não deitam fumo e que perdem com o tempo o encardido do enxofre que, há muito, desapareceu do ar.
Impressiona o ar puro que entra diretamente do mar, pelo rio adentro.
Não há praticamente espaços apertados, ruas cercadas de muros altos e sem céu.
Impressiona a imensidão do céu.





E na rua 42, abriu por uns dias a fábrica das tintas.
Mais um eufemismo dos tempos modernos para caraterizar mais um novo espaço de intervenção artística nas ruinas de um espaço industrial.
Uma nova liberdade, do género, está em ruinas disponham do espaço, como se autorizássemos os vizinhos a plantar no nosso quintal toda a anarquia que grassa nas nossas mentes
Under construction, referia conformado o agente do Bruno, o fotógrafo, devia ser o agente pois tinha um forte sotaque italiano, enquanto se debatia furiosamente com os plásticos negros que procurava fixar nas janelas sem vidro, enquanto o vento desfazia as instalações, que era pressuposto estarem instaladas.
A ideia de espetar pregos em cima de plásticos pretos é boa, porque realça a tolerância que um espaço em ruínas tem com o experimentalismo. Não há buraco que danifique um espaço como estes.
A hospitalidade neste espaço ( eu gosto da hospitalidade destes espaços e do experimentalismo desta malta) crescia à medida que a banca da cerveja se preparava para a noite da cena da margem com o dress code “a tua cena” e lá fora uma autocaravana que parecia ser do italiano, ele ainda não fotografou em Portugal, talvez agora ou depois e eu já estava a imaginar que era naquela caravana que o Bruno iria para a Rússia, fotografar ruinas de instalações industriais.
Palavra de agente de barba desalinhada, cabelo encaracolado e voz enrolada pelo sotaque e pela dificuldade em ler a mente do artista que, basicamente, andava por aí.
Pode ir ao primeiro andar mas cuidado, não pise muito o chão, porque está líquido.
E não era sentido figurado.
Tratava-se de um líquido lançado para o que restava do chão de tacos do primeiro andar que seria o escritório da fábrica das tintas e a instalação tinha todo o sentido porque pretendia evidenciar quão prematuros são os espaços e quão fluídos são os seus destinos.
Entre e veja o exercício de cor que o artista criou na fábrica de tintas.
Quando voltar do primeiro andar os diapositivos já estarão a funcionar e pode ver os diapositivos do Bruno.
E vi, sozinho, porque ninguém para aqui vem, para este espaço fantasmagórico a não ser para beber ou dançar ao som de um DJ underground e muita malta vestida de preto e de pelos ao vento.
E a noite era só mais logo. 
Exceto eu, o segurança que me introduziu no espaço pelo portão fechado das traseiras – bom, todas as entradas são traseiras – o condutor da autocaravana, o franchisado do bar de campanha em montagem, o puto dos folhetos (que tomava conta do Ipad que descrevia o making off da instalação numero um), o agente do Bruno e mais dois latinos, de nacionalidade variável, que espetavam os plásticos pretos nas ombreiras do que teriam sido janelas.
Portanto, exceto eu, e um espaço imenso para experiências e, o mais fantástico sem correr riscos de ser detido por intrusão em espaços sem dono.
Ao abrigo das contemporaneidades do espaço industrial

Adoro estas cenas!




quarta-feira, 25 de maio de 2016

Não há regimes perfeitos - parte 3 (e última)


E o tempo continua instável mas, junto ao mar, os putos não resistem à espera e lançam-se no nevoeiro, na água fria e na areia esbatida.
Afinal de contas, para além da alternância, parece coexistir uma terceira via; lançares-te ao mar e esperar que o Sol ilumine o teu regresso.
A tarde ventosa de Sábado é premonitória. De facto não há regimes perfeitos, mas há sempre uma terceira via que é melhor que as outras duas.
(Esquecimento e extremismo)
(Anarquia ou trabalho)
(Silêncio ou miséria)
Os putos
que fotografavam os gatos de areia,
que empurravam as redes de pesca com o objetivo de aproveitar o melhor spot de mergulho, que corriam para o mar como se ele não esperasse por eles,




Esses esperam que não sobre apenas a alternância dos velhos confortáveis ou dos loucos visionários.
Quando correm para a água, esperam que a maré lhes traga o melhor que os outros mundos nos poderão dar sem que as ondas do regresso tragam apenas o que de pior elas nos garantem.
É essa alternância que eles vão querer.
Presente e futuro.
O nosso presente e o presente deles.
(partilha ou egoísmo)
(memória ou esquecimento)
(cidadania ou ideologia)
Já é tarde, porque o avião vai partir outra vez
Habituamo-nos com facilidade à terceira via
Esperando que tragas o melhor dos outros mundos para o melhor do nosso

Porque afinal de contas, tal como os putos que correm para o mar, numa tarde de nevoeiro, eu acredito que há regimes quase perfeitos.


Não há regimes perfeitos - parte 2


Melhoraram as previsões meteorológicas, sempre acompanhadas de ameaças de agravamento do estado do tempo. Incomodam-me estas alternâncias húmidas do tempo.
Já não chove no Braço de Prata, esboça-se uma espécie de claridade em Belém. A Junta de Freguesia faz a festa sozinha no paredão, o som é de Carnaval tardio.
Recordo-me do abandono e do desleixo perante (a exposição do) trabalho e a sofisticação perante a anarquia, quiçá a miséria.
E no soberbo espaço da central elétrica, manifestação de um confortável mecenato às artes de vanguarda, volta a desfilar a galeria de horrores, debaixo dos holofotes de luz precisa e de um enquadramento formidável.
A eletricidade como Santo Graal
Todos os anos a fila se repete e os premiados se esforçam por dar voz aos refugiados, às vítimas inocentes da guerra, aos deserdados da poluição e da fome, aos objetos de regimes abjetos.
Mas o silêncio é sempre maior, todos os anos que passam. Progressivamente, à medida que terminam as imagens de desporto e natureza, os transeuntes remetem-se à escuridão e ao isolamento perante a multidão que circunda as imagens da atualidade.
(e não consigo deixar de pensar, mesmo que apenas por um breve instante que não consigo agarrar, se a reportagem descreve, alerta ou forma a realidade)
E, mais uma vez, a anarquia é proporcional ao protagonismo, a violência das imagens contrasta com uma meditação à meia-luz, aquelas sombras que anestesiam os efeitos de um mundo descontrolado.
Imagens poderosas de um futuro inebriado por um novo ciclo de extremismos.
Porém, fotografar refugiados com água pela cintura (o fotógrafo) também poderá ser obsceno?
Especialmente porque se trata de uma competição, de um prémio e de múltiplas carreiras.
No espaço arejado da antiga central elétrica, alternância tem outro significado. Não deixo de pensar como o pós industrial pode ser mais sedutor do que a realidade.
Mas nem por isso desisto de um sofisticado café de máquina, de um olhar seduzido para o movimento no rio, para a ponte que liga as duas margens e para os aviões que se deslumbram na aproximação à cidade (na melhor aproximação à cidade, do mundo)



E o Sol luta contra as ameaças de agravamento do estado do tempo.
E eu refugio-me em paisagens interiores, e sobretudo nos interiores da História, especialmente depois deste cru confronto com a atualidade, agora que o tempo vai piorar e a Junta desiste da festa porque o vento Sul ameaça romper as bandeiras
E inverter a aproximação dos aviões à melhor aproximação de cidade do mundo.
E voltamos aos armazéns desolados das traseiras da avenida da índia, aos becos estreitos dos bairros esquecidos pela marginal, para encontrar as memórias – tal como o trabalho, para os lados do braço de prata.
Não posso deixar de me repetir que a sofisticação é um universo (cada vez mais) exclusivo ( de divulgação) da anarquia e da miséria humana
E que o outro nós se revê na simplicidade.



Desprovida
Deserta
(Levemente) Desolada.
Não havia filas nas paisagens interiores (de Maputo que já foi Lourenço Marques)
Ninguém.
Mas a imagem do cinema teatro de Lourenço Marques é demasiado familiar, mesmo para quem nunca esteve em África, como se já tivéssemos vivido tempo suficiente para fazermos parte dos últimos capítulos dos compêndios de História Moderna (e eventualmente Contemporânea)
…As paisagens levam-nos…a uma viagem interior…a banalidade da ação contrasta com um passado que evoca emoções por quem lá passou…contraste entre o distanciamento e a proximidade
Não será contraste, será dicotomia.
Nas paisagens interiores não havia pessoas, e isto era uma garantia, para já, de que não havia anarquia nem miséria, apenas esquecimento.
Na parede e na sala.
Na cronologia da história de que me recordo, o esquecimento precede a loucura.

Bom, em tese!

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Não há regimes perfeitos - parte 1



Em Braço de Prata, chovia copiosamente no recinto da fábrica e os muros desfaziam-se de areia amarela com as investidas de água furiosa.
Só o Vhils me olhava fixamente por detrás do vidro infestado de gotas de água que cresciam como uma epidemia incontrolável.
De água, lama, cinzento, caminhos afundados em mares revoltos, terrenos abandonados à tempestade a uma profunda crise de identidade.
Só Vhils me olhava fixamente, a forte personalidade do muro frontal enfrentava a erva que crescia como uma barba verde que o envolvia mas que lhe preservava a essência.
Vi muitas imagens que chapinhavam nos lagos circundantes, sempre acreditei que a chuva era um manancial de imagens, mas era eu próprio que me afogava sem orientação porque as quedas de água impediam que eu voltasse às margens.
Perdi a inauguração mas não a exposição que jazia agora entre aguarelas e pincéis, entre risos e gritos de crianças que desafiavam o teatro de marionetes, um eco persistente de gotas de chuva que pingavam nos baldes sem cor, espalhados nos corredores de mosaico antigo, um mosaico de fábrica, portas de madeira com vidros quadrados e maçanetas metálicas, portas de fábrica, vidros de fábrica e claraboias que ampliariam o sol mas ameaçavam de chuva, no soalho de madeira gasta que resiste nas salas com nomes mas sem portas (espaços que não se reclamam seus)


Atravessei o espaço silencioso, uma vez e outra ainda, para ter a certeza de ser notado, porque não há pior associação do que ser clandestino num dia de tempestade e num local fantasmagórico.
Não fossem os risos das crianças que, afinal de contas, nunca apareceram, nem elas nem as marionetas.
Mas o café era real e as madeiras do balcão eram de um tempo novo, inspiravam conforto por detrás das vidraças que (só podiam estar) que se deixavam embaciar, primeiro nas pontas, depois sobre as laterais absolutamente simétricas das pequenas vidraças quadradas, e afinal havia alguém que lia um livro sob a janela e de bule de chá no centro de mesa.
E voltei a percorrer os lagos circundantes e as quedas de água que eliminavam a identidade dos terrenos da fábrica e, encharcado na pele e na alma, deixei o Vihls partir.
(Atravessei a cidade que era apenas um manto de água que me cobria e me arrastava, estrada fora)
Chovia copiosamente, e eu lembrava-me que o tempo continuava instável , enquanto os para-brisas se esfregavam ruidosamente na minha frente e no vidro encharcado, da direita para a esquerda, da esquerda para a direita, soando a uma enlameada alternância de poder.


E atravessei as Amoreiras na direção de Campo de Ourique.
No bairro dos vizinhos e das mercearias, as árvores extravagantes da rua do elétrico serviam de cortina ao céu cinzento e reduziam o branco da calçada portuguesa a um véu encardido que afogava os restos da luz do dia.
Do lado de dentro da montra, as paredes estavam pintadas de cores fortes, a iluminação era cuidada e pontual e nas paredes, cuidadosamente espaçadas, brilhavam as imagens de uma cor inconfundível, em contraste com a tarde escura, a luz mágica dos finais de dia indianos.
Do lado de dentro da montra, as vinte imagens de grande formato, do fotógrafo da jovem afegã, dos gurus sábios, das cidades azuis, dos rios sagrados, dos comboios mágicos, das multidões de olhos muito abertos, das poeiras alaranjadas.
Para lá do vidro, num silêncio equívoco, num ambiente quase asséptico, havia vinte janelas insonorizadas viradas para a maior anarquia do mundo, desenhadas por um tal de McCurry.
Recordo-me particularmente daquelas duas imagens de um metro e sessenta por um metro, um amanhecer glorioso e aéreo da estação ferroviária de Agra e a mulher e o filho por detrás do vidro embaciado do automóvel, a mulher de mão estendida e o menino de olhos muito abertos, apostando também eles que poderiam viver da caridade na sobrelotada Mumbai.
Chovia a potes lá fora, lá fora na rua do elétrico em Campo de Ourique, lá fora na janela da galeria silenciosa e asséptica.  Desviei o meu olhar extasiado e estarrecido da imagem e espreitei, entre um corredor de imagens, para a rua esperando ver a mulher a espreitar para a galeria, vinda detrás das árvores, pisando o véu encardido que afogava os restos da luz do dia.
Mas ela não estava lá.

Estranho o silêncio que emanava da sala perante tanta intensidade, como se a maioria do desespero tivesse saltado do quadro para o chão alcatifado da galeria das paredes amarelas.

domingo, 22 de maio de 2016

Sounds of LXsbon

Hoje a calçada estava repleta de sons descomprometidos, os melhores bolos de chocolate do mundo e de artefactos inovadores.
Start-Up engines
Exposições de arte urbana, predadores desenhados e atores com vontade própria.
Os ruídos do cimo da ponte, as colunas que espalhavam música instrumental e gente sofisticada que convivia com a calçada irregular.
Podia ser Berlim (as louras vestidas de preto, de forma cuidada e esbeltas sandálias, sentavam-se entre o lancil do passeio e a banca dos amuletos de metal)
Ou Londres ( as paredes de tijolo vermelho rodeiam as mesas de scones e cerveja a copo)
Ou Amesterdão (as bicicletas de cestinho preto atravessam os canais e contornam os túneis sem receios nem preconceitos) 
Mas um vento quente subia a rua, vindo do grande mar que se chama Tejo, contornando o veleiro sem velas içadas que descansava em Alcântara.
São, sem dúvida, sons de LXsboa!

Adão & Adão

Marciano trepador

Capuchinho urbano

Voices

Shadows at the door

Messages through the bottle


Stairs to start-ups and photo exibitions

Vanity Fair

Wake up window 

Human trees

segunda-feira, 9 de maio de 2016

(Não é) Exibicionismo (mesmo)


Entrámos na primeira sala e as paredes forram-se de sinais, luzes de uma intermitência global, como se fosse o universo em noite de verão, espelhado sobre o planisfério.
(Como se a terra nem sequer fosse redonda)
E as rotas que ligam os pontos, sucedem-se a uma velocidade de timelapse, no mesmo ritmo do contador digital: milhares de concertos, milhões de espectadores, não há tempo para desenhar circunferências neste mundo unido por cinquenta e três anos de fascínio mútuo.
(E eu que até que nunca fui um deslumbrado pela banda das pedras rolantes)
Na segunda sala somos cercados por um gigantesco vídeo Wall que transmite, com uma metódica cronologia de anarquia uma sucessão de vagas de música e movimento, e não há seres normais que consigam agarrar esta cronologia, isolar os momentos.
(Independentemente do gosto pessoal e das escolhas estéticas, cinquenta e três anos de momentos não permitem uma escolha minimalista e criteriosa).
E sucedem-se as salas que procuram equilibrar-se entre os momentos de exotismo e de excentricidade da banda e sinais subtis de uma marca que prometia intemporalidade.
(Sim, cinquenta e três anos é intemporalidade musical, mas também um farol da moderna civilização ocidental que se procura reinventar nos últimos setenta anos, com o objetivo de viver em paz – pelo menos entre si)
A réplica do apartamento sujo, anárquico (mas curiosamente clássico para a época de sofás de veludo pesado, papel de parede brilhante escuro, alcatifas sintéticas) e despojado, de uma época em que cantavam em bares e na rua
(Mas a marca de intemporalidade estava no piano de cauda e nas guitarras elétricas espalhadas pelo chão escuro, entre cinzeiros a abarrotar e pratos sujos de restos de comida)
As primeiras aparições, a revolução dos fatos, os objetos icónicos, a ascensão ao mediatismo, o exibicionismo pelo abismo, drogas, sexo e rock & rol, como se eles testassem escrupulosamente os limites da resistência e da luxúria, apóstolos do lado negra da existência.
(Rigor na forma como se cultivaram na rebeldia e exibicionismo, mas também como transformavam os estúdios de gravação em templos da criatividade, os momentos de criação em exercícios de perfeccionismo sem pressas, o design cuidadoso e de escola das capas dos álbuns, a origem e a preservação do logo, a perspicácia com que entendem que a exuberância dos palcos é crucial para acompanhar o crescimento das suas multidões de seguidores)
Lugares estudados, litografias de Andy Wahrol, a representação dos nossos lados loucos, sem preconceito e com desdém, a apologia de grupo como um espaço protegido de diversidade e de personalidades vincadas pela tolerância das suas próprias diferenças.
(E eu que até que nunca fui um deslumbrado pela banda das pedras rolantes, exceto quando oiço o Satisfaction)
Cinquenta anos é muito tempo (e, tal como eu, nasceram em 1963) mas nunca deixaram que a sua loucura os destruísse, apesar do aspeto decrépito do quarteto que continua a fascinar as miúdas de dezoito anos que (não aparentam) não se parecem recordar que, nos seus concertos, são afinal quatro avôs no palco a contar-lhes duas ou três dezenas de histórias.
Muito improvável pela diversidade de personalidades (o gigantismo de Mick, as hesitações de Keith), mas com um processo criativo minucioso – até nas imagens das jovens desnudadas nos corredores do avião em tour, algures em setenta, cobertas de cremes (diria natas) e copos de álcool quase destilado – que explica “vocês velhos (quer dizer, pais) eram muito mais rebeldes que nós…”
Para a maioria (dos agora respeitáveis velhinhos, que apenas se emocionam nestes breves momentos) não serviu grande coisa
(Continuam a viver como os mestres de forma / retórica ou morreram de overdoses de droga estragada)
Mas, para eles, pedras rolantes, fez toda a diferença (justificou toda a diferença)
No fim do dia, a sua razão de existência é a música.
E eles (Sir Mick, yes Sir) representam o triunfo da essência sobre a forma

Que bela moral da história isto dava!


domingo, 1 de maio de 2016

Time In London

Time In nº1 - Performing for the Camera




"A fotografia tem sido integral para a história da arte dramática , proporcionando frequentemente o principal meio pelo qual uma determinada ação pode ser documentada, recordada e entendida. Em muitos casos estas imagens são a única prova viva do que, de outra forma seria, uma obra efémera" - in Tate Modern

Time In nº2 - Exibitionism 



Uma história escrita ao longo de cinquenta anos e dez salas de verdades relativas.
Rolling Stones e uma evocação desconcertante do que, um dos personagens emergentes, apelidava de "dark side of the world" - in Saatchi Gallery

Time In nº3 - EveryBody




in Oxford Circus Underground Station

Time In nº 4 - Strange and Familiar


" A exposição é uma consideração temporal de como os fotógrafos internacionais, desde 1930, capturaram a vida social, cultural e política do Reino Unido, através das câmaras fotográficas".
Acima de tudo uma cronologia da história da fotografia - in Barbican Arts Center

Time In nº 5 - Photographer's Gallery



Deutsche Borse Photography Foundation Prize - in Photographer's Gallery