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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O descuido de Hércules






Reconheço o meu fetiche aberrante pelas fronteiras.
Posto de controlo de saída, posto de controlo de entrada, homenzinhos muito compenetrados do seu dever de guardiões de uma terra qualquer, uniformes diferentes, línguas que se misturam e, depois de tudo passado, ainda falta a alfândega, os controlos de segurança e, com um pouco de sorte, os cães que nos farejam os pés e uma revista corporal profunda.
Tudo isto, não porque mudamos de mundo geográfico, mas apenas porque os humanos se alimentam de posse, uma espécie de direitos de autor sob propriedade da natureza, da qual nos apropriamos recorrendo a uma bandeira, uma língua e um hino
Daí, homenzinhos compenetrados, portanto!
Portanto quando me aproximo de uma fronteira começo a sentir aquele bichinho que me corrói a espinha, a que muitas vezes chamamos de arrepio!
Descontrolado, uma adrenalina de montanha russa, nos segundos finais da subida que antecede a queda sobre o vazio.
E, muitas vezes, só há vazio depois da fronteira.
E quando aterro num local como Algeciras, a adrenalina passa a ser tão errática que nem me apercebo que há tipos que se atravessam nas estradas para me empurrarem para estacionamentos clandestinos, tão longe do barco, que só podia ser mentira.
Mas Algeciras é uma fronteira de trezentos e sessenta graus (bom, para ser preciso é só de cento e oitenta), com europeus a imporem um hino, uma bandeira e uma língua em África, com africanos a povoar o lado de cá das fronteiras da Europa, uns ilhéus – europeus é certo – a desfraldar uma bandeira, uma moeda, uma língua, um hino e, ainda mais, uma rainha, num rochedo de terra firme na outra ponta da europa, de onde era pressuposto viverem, uma fronteira a sul que é fronteira da natureza – ou de Hércules – porque separa mares e continentes, mas que afinal não é fronteira, apesar de parecer.
Tudo à distância de um só olhar, quer estejamos no pontão do porto de Algeciras, no barco para Ceuta, em cima do rochedo ou na marginal de Ceuta
Uma aberração diz J.
Uma fonte de inspiração, pensa N.
Ceuta é a fronteira africana – começaria por narrar a crónica de N.
O estreito revela a cor azul viva da sua superfície e no fundo do mar, que se comprime entre placas continentais, ficam as falhas tectónicas, provavelmente uma obra de Hércules, que ainda não adivinhava que, interferir com a natureza, teria repercussões geoestratégicas.



Tão inspirado me sentia com o azul do mar, o cinzento da neblina que pairava sobre as montanhas de África e o castanho do rochedo que quase não me apercebi que hoje, o deck superior do ferry para Ceuta ia cheio de polícias e marroquinos clandestinos algemados, prontos para serem recambiados para Sul.
E o marroquino rico, recém regressado de Portugal em férias – Vila Nova de Milfontes, imaginem – cantava as maravilhas de Portugal, paraíso tão diferente do agitado Marrocos onde um telemóvel à vista, significaria perigo de assalto.
- No teu país (fantástico país) não passa nada, é um paraíso – recostava-se a estibordo, olhava o mar, e chupava num cigarro bem enrolado em ervas exóticas.
E em Ceuta, também já houve tempos em que, nós, os portugueses fomos felizes.
Na geografia como na História, as fronteiras são mesmo efémeras!

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Retalhos de uma vida em 3D



Makarska, a Riviera Croata, dizem eles.
Falta espaço em terra, cercada entre as montanhas abruptas e o mar plano, verde, e hoje povoado de um país inteiro.
Numa faixa de praia de cascalho de cinco metros de largura.
Um dia de pausa absoluta, com os pés na água e cercado de toalhas, baldes, crianças e gente em geral.
Depois daquele banho de multidão, o jantar na esplanada do hotel Osejava, no final da marina, com a cidade ao fundo e os ruídos dissipados pela música instrumental a meio tom, pela escuridão da merina e pelas minúsculas luzes da encosta e da cidade velha.

Afinal, há mesmo Riviera em Makarska!