Pesquisar neste blogue

domingo, 26 de janeiro de 2014

Gago Coutinho - A manhã das sete e meia




Vista do alto a cidade não histórica – para quem a década de setenta ainda não seja História – perde as referências quotidianas, a identidade nacional, os rostos, a sinalética e a língua porque, visto do ar, a malha urbana evoca laivos de outros locais, uma mesma época que atravessou a Europa, de longos e monótonos blocos de apartamentos, monólitos com janelas geometricamente escavadas que denunciam o prosaico êxodo rural da era dos serviços.
As primeiras experiências de urbanização maciça, nos subúrbios que hoje são centro da cidade.
Perco a noção do presente e sou transportado para uma qualquer viagem, para longe e para leste, e a primeira imagem que retenho desta manhã é o avião que se prepara para aterrar, para depois voltar a partir.
Bolas, são sete e meia da manhã e já estou a trabalhar, mas bastou o Sol nascer para ser transportado da noite escura, da avenida vazia com nome de pioneiro uma entrada escura pelas traseiras de um descampado, entupida por táxis em descanso noturno, garagem deserta e uma escuridão que começa na caixa do elevador e se espalha na sala do dia-a-dia, o ultimo andar do edifício de escritórios.
Transportado para a aproximação final à pista mais comprida da Portela sobrevoo as primeiras sombras do dia que escorrem do aeroporto para a cidade, uma grande e imponente avenida que quase sobrevoaria o Atlântico, se fossemos capazes de imaginar um mundo à escala humana.
E não foi apenas uma mudança de perspetiva, foi um longo breve momento em que cheguei a pensar que era um repórter destacado, um turista curioso ou um profissional expatriado pela paixão de partir.
 “Pai, já anterrei em terras de Sua Majestade. Pontualidade check. Eficiência not…Kisses for all”
Afinal foi ele que partiu, e eu contemplo estremunhado e desapontado as luzes da avenida, que se deixam invadir pelas sombras de um sol que não se chega a mostrar.
Quatro horas depois finalmente, acordei! Finalmente, Gago Coutinho

Os elevadores começam a trabalhar, as vozes começam a ouvir-se nos corredores, primeiro murmúrio, depois tão audíveis como se tivesse acabado de sair à rua, muitos andares lá para baixo.


sábado, 18 de janeiro de 2014

Monsieur Le Marquis






No quarteirão do Marquês destila-se o Inverno em tons amarelo e castanho.
E verde.
Os sons do silêncio são corrompidos pelo tresloucado autotanque dos bombeiros que curva em duas rodas, entre os palácios do marquês, olhos esbugalhados de capacete triangular, um estridente sentido de urgência em direção a uma nova tragédia, para lá da marginal.
Ruído do silêncio interrompido!
E a seguir volta a chuva nos intervalos de um Sol intermitente.
Nova interrupção do silêncio, mas esta foi a última.
Circulando o verde ninguém mais se arrisca a abraçar a natureza nesta manhã de aguaceiros sobre a zona histórica de Oeiras.
A igreja toca o sino, mas não há murmúrios de fiéis
O Palácio do Egito (?) anuncia o último dia de exposição de um pintor moderadamente famoso, mas respiro sozinho na imensa sala deste palacete frio e confuso com a falta de coerência da cronologia do artista.
Como em quarenta anos a mente humana se pode transformar num tão grande borrão surrealista!
Preferimos a escola naturalista da Flandres, no burgo do marquês, quiçá indiferente à cultura e às tendências da pintura do Norte da Europa (para além dos Alpes, entenda-se)


Na ilha do marquês (sim é apenas um quarteirão e tal entre a selva urbana) em dia de luz meio mortiça, podemos fazer um exercício aproximado, entre castanhos, amarelos e verdes, de pintura realista de tons outonais.
E rosa.
Flandres portanto.
Na ilha do Marquês, nos jardins de Oeiras que, sem transeuntes, até quase se consegue transformar a paisagem num universo intemporal!


quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Mare Nostrum


O mar é nosso, nacional, português dentro de uma enorme zona económica exclusiva maior que um país, tão grande que nem a vista nem a armada alcançam, nem protegem.
É verdade que sempre fomos mais competentes a velejar e a navegar pelos mares de ninguém do que a nos confinarmos a um rectângulo que nos cerca, alongado por dois arquipélagos, uma escassa frota pesqueira e mais surfistas que navegadores.
É um sinal dos tempos; antes navegávamos de vela pelas costas, hoje deslizamos pelas ondas até à costa 



Falta de ambição à parte, Viva o Mar Português, que nos garante uma privilegiada posição de varanda sobre o mundo exterior
E que continue em 2014 tão português e tão rebelde quanto em 2013!