Pesquisar neste blogue

domingo, 27 de setembro de 2015

Sul





Gosto da ideia do Sul como imagem de marca.
Mesmo que esteja de frente para Oeste e que as gaivotas não sejam aves migratórias (tanto quanto sei)
Mesmo que o nevoeiro não me permita vislumbrar o horizonte, e que os equívocos da imagem e das suas mensagens tendam a destruir o imaginário do Sul.
Fica gravado no vidro a ambição da viagem.
Gosto da ideia de que sou um ser do Sul.
Agrada-me que me tomem por uma identidade de fronteira.
Uma imagem feliz


NB Photo


A Ângela inverteu o acessório (o explicativo) com o principal, e foi através do vídeo que tornou clara a sequência de fotografias que acentua a monotonia.
O vídeo explicou a diferença de estados entre a metrópole cinzenta e esquecida e o ultramar vibrante e explosivo, onde em cada ensaio emergia uma inevitável dicotomia entre ocupantes e autóctones. A etnologia, uma visão cientifica e independente que se tornou, como se fosse por acaso, numa mensagem política. O vídeo e a fotografia em estados contrastantes. Depois de ver o vídeo, então percebemos tudo.
De uma simplicidade quase genial.
Por isso, provavelmente a Ângela ganhou!
E não resistimos em juntar a Ângela, o Edson e o Ayrson (magnifica instalação) numa composição única.
Afinal de contas, a arte é, antes de mais, conceptual.




o júri tomou uma decisão difícil, mas unânime, após longa deliberação, tendo em conta a qualidade do trabalho de cada um dos artistas apresentado nesta exposição coerente e intensa. Uma visita à exposição realça os aspetos deste forte e brilhante grupo de artistas. O trabalho de Edson Chagas traz uma nova dimensão ao minimalismo, tal como este é concebido no Ocidente, ao contextualizar os objetos no espaço e no tempo do pós-colonialismo, afastando-se de uma abordagem altamente formalista e estetizada.

As suas fotografias, com diferentes dimensões, apresentam uma ligação subtil conseguida através da linha de horizonte que se move de uma fotografia para a outra, enquanto um filme projetado reflete as fotografias, trazendo um elemento repetitivo de corrida e deslocação contínua de uma figura humana entre uma extremidade e a outra do ecrã, com uma banda sonora que ecoa a vida noturna e as ondas do mar, pontuada por um ritmo semelhante ao batimento de um coração, que dá vida ao horizonte onde, de outro modo, a figura humana é esmagada pelo espaço. A escolha do artista em fotografar o espaço no momento de silêncio, um espaço que, de outro modo, está cheio de movimento e atividade dos flâneurs e dos voyeurs, dos ébrios e dos amantes.

Passando para o trabalho conceptual e altamente ritualizado de Ayrson Heráclito, somos confrontados com uma performance representada numa instalação fotográfica de um conjunto de dípticos na forma de duas formulações em L invertido. De novo, as fotografias ecoam as semelhanças entre dois entrepostos esclavagistas transatlânticos, onde o artista exorcisou uma história impregnada do legado de violência infligido ao corpo negro no contexto do comércio de escravos transatlântico. Os vídeos ressoam entre si ao apresentar um registo ou representando o exorcismo através de um sistema de crenças africano ou da diáspora africana. Heráclito traz-nos um trabalho novo onde a esfera privada é representada como política, e onde a performance ritual é realizada com um sentido de responsabilidade não só para com a história, mas para com uma epistemologia onde o artista agirá como um sujeito e um objeto, com o ritual a misturar-se com o conceptual.

No contexto do trabalho da exposição, o júri foi unânime na atribuição do prémio Novo Banco Photo 2015 a Ângela Ferreira pela sua peça A Tendency to Forget (2015) concebida para a presente exposição, uma instalação multimédia inquisitiva e baseada em investigação que reúne a fotografia, arquitetura, escultura e imagem em movimento, pontuada por imagens de arquivo históricas num trabalho altamente sensibilizado que desafia a nossa perceção do passado e nos confronta com os fantasmas do contexto colonial e pós-colonial. O trabalho recorda-nos o lado mais sombrio da modernidade, à medida que desvela o lado oculto dos arquivos onde a artista joga com a tensão entre o visível e o invisível, entre a presença e a ausência, e com o inquietante. Podemos ver a leitura dos espaços como textos políticos através da revelação da cumplicidade entre a antropologia e o colonialismo, entre o poder e a produção de conhecimento que toma a forma de uma instalação escultórica minimalista que nos move de um modo invertido para minar metaforicamente o arquivo”.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Projeto inacabado (despojos)




Já passa do meio dia.
As sirenes das fábricas já devassaram o silêncio dos momentos de concentração.
Afinal de contas estavam a meio do projeto.
Discutia-se a capacidade (deles) em deixar pegada.
A pequena bola laranja saltava de mão em mão, procurando conter a inexorável tendência para se esgotar o tempo.
A pequena bola laranja saltava de mão em mão, agitando as ideias, empurrando as soluções com o ar que circulava entre o grupo de trabalho.
Procurava-se a chave da implementação e desenhava-se a solução.
Entretanto a sirene tocou, o tempo esgotou-se e a bola laranja escapou-lhe das mãos, tropeçando junto à janela.
Tabelou, rodopiou, repetiu três vezes saltinhos cada vez mais minúsculos e imobilizou-se, aninhada no pilar.
E quando o tempo se esgota, esgota-se mesmo, e a sirene passa a ter um significado diferente, já não é mais o intervalo.
E, naquele dia, a sirene foi mesmo o fim
E a bola laranja por ali ficou, a mensagem na garrafa que precedeu a fuga
Foi esta a única pegada que ficou, e a palavra implementação ficou a falar sozinha.
Acontece.
Acontece todos os dias e, mesmo assim, ou apesar de hoje, termos despertado a madrugada.




domingo, 20 de setembro de 2015

Pedra de Entrada


Na cultura oriental, a pedra tem o sentido de conhecimento, longevidade e, principalmente, eternidade e é o elemento mais difícil de ser trabalhado em harmonia.
A pedra pode pois separar a vida da eternidade.
E quando se abre inadvertidamente a pedra de entrada é possível que se corrompa um equilíbrio qualquer entre o aquém e o além, entre o presente e o futuro.
Como se todos nós perdêssemos metade da nossa sombra
Uns passam a viver apenas das recordações e se recusam a libertar delas.
Outros perdem a memória e não compreendem o sofrimento das recordações dolorosas
Só se volta a deixar as coisas em ordem quando fecharmos novamente a pedra de entrada.
Por outras palavras, quando resolvermos as zonas de fronteira mal resolvidas.
Pode ser a sombra de um novo projeto.
Ou outra coisa qualquer!


segunda-feira, 14 de setembro de 2015

A noite das sombras longas

Prometeram-nos uma reinterpretação das quatro estações do ano...um efémero calendário noturno...nunca as estações do ano passaram tão depressa nem tão magicamente pelos sentidos.
Tudo genericamente verdade.
Mas á saída da estação ferroviária as luzes apagaram-se e a multidão que afinava a maquilhagem nos reflexos das janelas das sobre lotadas composições, que admirava as suas próprias unhas dos pés, entre centenas de sandálias abertas que se pisavam no fundo das carruagens, que conferia os locais de encontro nos ecrãs dos smartphones enrolados nos varões inexistentes, sim, todos eles, se transformaram numa sombra gigante que invadiu as ruas e os becos, as praças e a baía como se fosse um prenuncio de peste negra.
E não mais se viu a face humana, apenas fantasmas com voz e sombras ávidas de luz que tropeçavam nuns, nos outros e nos obstáculos que consagravam as efémeras estações do ano.
O lado mais fascinante da luz é quase sempre a sombra.
E a arte contemporânea exige sempre interpretações alternativas.
Sem prenúncios, juro!



A mancha negra


A grande onda


a pequena sombra chinesa


O castelo de Kafka



O nome da Rosa


Contos nórdicos


As almas penadas


Star Trek


The dark side of the world...



NOTA: A noite das sombras longas, ou na sua versão original, Lumina, é um evento que dignifica a visão contemporânea da arte e da vila. Sem mácula, devemos nós reconhecer e, mesmo quando não entendemos, é impossível dizer que é fraco porque é nacional, diremos sempre que é destas "cenas" que vivem as exposições universais...em todo o mundo!

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

O médico Garcia: português, judeu, médico e homem do mundo

Do cimo do Castelo, quase que acreditamos que esta paisagem manchada de nuvens é tão inóspita que é incapaz de albergar seres humanos com História.
Do cimo do Castelo, entre janelas de paisagem, somos quase levados a acreditar que, quem aqui nasceu, jamais seria capaz de partir, por falta de grandes espaços, pela intensidade das fronteiras naturais, pela distância do mar, pelo silêncio das planícies.
Jurava que aqui só havia êxtase e paisagem.
Juraria...
Mas na sinagoga de Castelo de Vide, vivem-se histórias de refugiados e de homens do mundo.
Tão homem do mundo que a inquisição só teve coragem de o perseguir, depois de morto.
Nascido em Castelo de Vide...( que nem a Wikipedia consegue desmentir), e talvez ajude a explicar porque é que, apesar de tudo, nós duramos há mais de oitocentos anos.
Em Castelo de Vide em dia de feira medieval a revelação foi mesmo a Sinagoga.


Nasceu em Castelo de Vide em data desconhecida, provavelmente em 1501, filho do mercador Fernando (Isaac) de Orta, originário de Valência de Alcântara, e de Leonor Gomes originária de Alburquerque, ambos eram judeus convertidos ao cristianismo (cristãos-novos) espanhóis e instalaram-se em Castelo de Vide,[1] possivelmente na sequência do Decreto de Alhambra dos Reis Católicos, que expulsou os judeus de Espanha em 1492. Frequentou as universidades de Salamanca e Alcalá, onde estudou gramática, artese filosofia natural, provavelmente a partir de 1515, tendo-se licenciado em medicina em 1523.[1]
Regressou a Castelo de Vide em 1523, dois anos após a morte do pai, onde praticou clínica. Em 1526 obteve licença para praticar medicina e no mesmo ano mudou-se para Lisboa. Aí tornou-se médico de D. João III e conheceu o grande matemático Pedro Nunes. Foi escolhido para dar conferências de filosofia natural na Universidade de Lisboa, e em 1533 foi eleito pelo conselho para professor da cadeira.[1]
Embarcou para a Índia a 12 de Março de 1534 como médico pessoal de Martim Afonso de Sousa, que foi para o Oriente como capitão-mor do mar da Índia entre 1534 e 1538 e governador de 1542 a 1545. Depois de acompanhar o seu patrono durante os quatro anos em que este granjeou grande prestígio em várias campanhas militares na costa ocidental da Índia, Orta estabeleceu-se como médico em Goa, onde adquiriu grande reputação. Aí ganhou a amizade de Luís de Camões. Em 1541 casou com uma rica herdeira, Brianda de Solis, com quem teve duas filhas.[1]
Qaundo Martim Afonso de Sousa regressou temporariamente a Portugal em 1938, Orta permaneceu na Índia como médico. Foi um médico conceituado em Goa,[1] praticando medicina no hospital e na prisão de Goa. Foi médico de figuras relevantes do meio político e social como o sultão de Ahmadnagar, exercendo igualmente o comércio e outras actividades lucrativas. Apesar de nunca ter visitado a região do Golfo Pérsico ou de ter viajado para oriente de Ceilão, Orta contactou em Goa com comerciantes e viajantes de todas as nacionalidades e religiões.
Graças ao seu serviço e amizade com o vice-rei Pedro Mascarenhas, cerca de 1554 foi-lhe dado o foro da ilha de Bombaim, então sob domínio português. Em Bombaim mandou construir uma quinta ou solar no local onde depois os britânicos erigiram o Forte de Bombaim (atualmente também chamado castelo [castle] e Casa de Orta).[2]
Garcia de Orta faleceu em Goa em 1568 sem nunca ter tido directamente problemas com a Inquisição, apesar desta ter estabelecido um tribunal na Índia em 1565. Contudo, logo após a morte de Orta, a Inquisição iniciou uma feroz perseguição à sua família. A sua irmã, Catarina, foi condenada por judaísmo e queimada viva num auto-de-fé em Goa, em 1569. Esta perseguição culminou em 1580 com a exumação da Sé de Goa dos restos mortais do médico e a sua condenação à fogueira por judaísmo.



sábado, 5 de setembro de 2015

Wicked




Are people born wicked?
(As pessoas nascem perversas? – Tradução livre)

Elphaba e Glinda

Elphaba, a bruxa perversa do Oeste que nasceu verde, uma espécie de marca de um amor adúltero, não é mais do que uma agitadora política contra a opressão do maravilhoso feiticeiro de Oz.
Afinal, Elphaba era apenas diferente.

Glinda a fada boa do reino era afinal fútil, interesseira e servia os interesses do maléfico feiticeiro, para enfeitiçar o povo com a sua beleza.

Mas, porque o acaso assim o quis, Elphaba e Glinda eram almas gémeas, mas não sabiam.
Escolheram diferentes ângulos “Most of the people, sometimes in his life, change ideals for protection and need for a leading role”
Outros não.
“You do not have a real power, that’s why you need spies, guardians and you banned animals from teaching”
Glinda e Elphaba e uma fábula, e um reino de animais sábios.
Aparência e realidade
Glamour e miséria
Parecer e ser
Patriota e traidor
Propaganda e castigo
Escândalo e verdade.

“ Tu és tudo o que eu jamais seria capaz de fazer, mas és minha amiga”
“Because I knew you, I have been changed for good…”
Elphaba e Glinda
Lie & giving hope
Ângulos diferentes

Um mundo de estranheza e bizarria
Ou um pequeno dia de ambiguidade na (no fascínio pela) cidade das Esmeraldas.
Gregory Maguire escreveu o romance Wicked: The life and times of the wicked witch of the west em 1990, quando as tropas do Iraque invadiram o Koweit, Nelson Mandela foi libertado após vinte e sete anos de cativeiro, as Alemanhas reunificaram-se e Margaret Thatcher resignou do poder.
E revisita as noções de obrigação social e coragem pessoal numa época de descrença nas lideranças e no exercício do poder.
O final é ambíguo, porque a heroína salva-se mas sai de cena sem glória.
Ostracizada e expulsa, simulou a sua morte para fugir à fúria de um povo enfeitiçado.
Desiste de tentar (explicar) mudar a cidade das Esmeraldas, de ser mártir, e recolhe-se no confortável amor de Boq (o vértice do triângulo do amor)
E nada pareceu mudar na cidade das Esmeraldas, Glinda coroada e feiticeiro em desgraça.
O autor não resistiu ao mundo que o rodeia.
Muito diferente do apoteótico e sangrento final dos jovens miseráveis das barricadas de Paris
Tempos modernos.
Folheio os jornais do dia e já sinto a falta de Elphaba.
Consolo-me com a música e com o espetáculo de cor.

Soberbo como sempre



Volto a folhear os jornais de hoje e entendo a Elphaba!




































quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Burt – O crítico indómito


Aquele podia ser o Burt


A expressão dele era inflamada.
Cirandava nervoso em círculos, avanços e recuos, exprimia-se em gestos quase indomáveis e insurgia-se contra os preços absurdos.
Olhava fixamente para os quadradinhos brancos e grunhia.
E saltava para outro quadradinho branco e repetia a cena. E saltava de sala em sala, era um espelho do grotesco num só homem.
Por isso Burt, o homem que não via nada, que era incapaz de se deter uns minutos que fossem numa qualquer das “melhores obras do ano”, apelidava-se a si próprio de crítico de arte.
Bom, apelidar não apelidava, mas ostentava a pose.“Obsceno, Non Sense, Overpriced”.

Burt (não me ocorreu outro nome, nunca) era contudo a única peça dissonante da arte, tão pouco extravagante que feria o olhar e se destacava pelo absurdo. 



Por isso me recordo dele. Tão absurdo quanto (porque) a extravagância da arte o permite.
Por isso, me esforcei por esquecê-lo. E a exuberância engoliu-o
Na exposição de Verão na Royal Academy of Arts tudo era exagero: A densidade de peças nas paredes, a multidão de seres com livros de cheques nos olhos, filantropos, críticos e curadores, artistas e fascinados, gente que se dividia entre a cor da arte e o branco do dinheiro, entre a arte e o seu preço.
Por isso a Babel London é uma imagem cheia de significados, o espelho da contradição humana.
Longos minutos a olhar para ela, o tempo suficiente para acreditar que bem podia ser uma interpretação de um sonho do homem contemporâneo.
Ou outra coisa qualquer
(£ 10,200 numa edição de 20 exemplares)
  


Longe do ruido das salas fechadas, atravessei um parque, sobrevoei um lago, desci do bairro à cidade e voltei, mas encontrei a ousadia espanhola ao largo do Serpentine.
Talvez no dia seguinte, mas foi num dia qualquer
E voltei ao bairro, sim de vistas cheias e cheio de imagens.
E eu também acredito que a arte, a extravagância e o inconformismo nos podem transformar em melhores pessoas.
Apesar do preço
Apesar do indomável Burt!