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segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Muhamud, The Uber Man





A noite estava fria, bom, considerando que estávamos no pino do Verão
Última sexta-feira do mês, há noite de festa no V&A e é dia de pagamento.
Em South Kensington já se janta tarde e, à saída, a multidão tinha acalmado.
G retira o telemóvel do bolso e a luz do GPS transforma o passeio escuro num clarão de vida, agora cheio de pontos vermelhos cintilantes que rodeiam o quarteirão.
Hoje era dia de brilhar.
Morada de destino, porque na origem funciona o GPS, percurso traçado, dezasseis minutos.
Normal ou Deluxe?
Deluxe está mais perto, dois quarteirões para leste, marca mercedes, três minutos de distância.
ENTER
Emerge uma imagem, uma espécie de Aladino da tecnologia e ficamos a conhecer o Muhamud, the Uber Luxe Man.
Três minutos depois, aproxima-se o mercedes preto. Confirma, de dentro da janela que nos chamamos G. que o código de reserva confere e espreita para o GPS de G: igualzinho ao dele.
Confere.
Sai do carro e apressa-se para a porta traseira que abre sem hesitações porque temos miúdas que precisam de entrar.
Muhamud, um negro de dois metros de altura e uma compleição física de lançador, tinha uma pose de herói grego, impecavelmente vestido com um fato azul-escuro, convenientemente apertado e uma gravata vermelha.
Todos recolhidos, reentra na viatura, verifica com mais detalhe a morada de destino, verifica que o GPS dele é igual ao do G e arranca suave, sem ruídos e, de repente, entrámos no mundo dele e abandonámos, por momentos, a cidade ruidosa.
Sem hesitações, segue rua acima, Royal Albert Hall, Hyde Park e por aí fora, o caminho do 27, fez notar N. e o volante desloca-se entre os dedos do Muhamud sem mexer os braços, sem se agitar, sem dirigir qualquer palavra que fosse, senão uma discreta forma de prestar atenção e ser protetor e educado
Dezasseis minutos depois encosta em Talbot Road.
Sai do mercedes, abre a porta às donzelas, curva-se ligeiramente com respeito mas sem o mínimo de submissão, cumprimenta os restantes e volta a desaparecer na escuridão.
Dois minutos mais tarde no ecrã do telemóvel do G. aparece fatura detalhada em múltiplos itens e compartimentos e valor do débito remoto: 22 libras e atenção e a qualidade de condução eram gratuitas
A semana passada paguei 10 libras
Pois, mas vieste de Toyota e o motorista não se chamava Muhamud
E hoje foi dia de pagamento

“ Quando tudo o resto falha na noite da cidade, há sempre um Uber Man”

domingo, 30 de agosto de 2015

Room with a view


Não é propriamente uma história de amor na Toscana 
Mas é o lado mais humano da grande cidade
Tão voyeur na essência
Notting Hill, na mais pura tradição londrina.
E quase que nos sentimos em casa


















Procura-se Bella

As esquinas da Graça são espaços valiosos
Aqui não existem homens capazes de falar com os gatos e portanto povoam-se as esquinas de manifestações de saudade, pedidos e emissários.
Não se sabe se são histórias de amor correspondido, mas ninguém parece entender o apelo das esquinas da Graça,
Um bairro que hesita, rua a rua, entre o passo vagaroso de uma população envelhecida e a vertigem alucinada da descoberta turística de um bairro típico.
É um quadro desconcertante...e não há meio de aparecer o sr. Nakata, o homem que falava com os gatos!






















sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Ocidental

(ou um elogio ao cabo raso)



A grandeza do mar está na terra que o enfrenta...




...ou no céu que o suporta!




à procura de uma visão contemporânea



quinta-feira, 27 de agosto de 2015

José e as outras estrelas




Vitoria Beckam & Stella McCartney e o casal de orientais que talvez comprem a galeria estilizada de Mayfair, nós entramos e eles sabem que não vamos comprar, ela não desvia o olhar dos orientais e não esboça um sorriso sequer para quem eu sou, e a outra ela, minissaia de corte e pernas impecável enrola-se no pescoço do fatiotas, e quase se sente o beijo do escorpião.
Não importa que tu não sejas o outro José, porque apesar dos seguranças terem uma pose dissuasora, ninguém verdadeiramente te barra se não baixares o olhar e cumprimentares com jovialidade.
São as regras da democracia, comentam Churchill e Roosevelt sentados no banco de rua, apenas o bronze lhes retira um pouco de naturalidade, não o suficiente porém para evitar que algumas cinquentonas se sentem ao colo de um ou de outro, ou ambos.
Nas ruas de Chelsea até Mayfair desfilam lugares incomuns, celebridades, milionários sem rosto, pura arte e espaços muito livres, a multidão da alucinada Oxford não vira à esquerda, não desce para Sul
Como se todos se envergonhassem perante a ostentação dos porteiros de dia.
Apenas o José, o outro e eu, olha sempre em frente.

Nós não gostamos de perder festas de borla!


quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O´Brien – water slide



O canal é apenas uma linha azul no mapa usado e desfeito, uma relíquia sobrevivente
A linha azul aparece do nada, porque o mapa tem fronteiras, cabos das tormentas de onde os exploradores não temem atravessar.
Acaba e pronto.
Para lá chegar foi preciso comer um pastel de nata no café Lisboa, atravessar a linha do comboio do expresso para um lado nenhum, descobrir que havia, debaixo da linha, um barracão que parecia ser a filial local dos lagartos, sábado salmão grelhado e bacalhau com espinafres, rascunhado a giz branco em ardósia preta, fundado em 1980, um leão encardido e um número de telefone de call girl 02089683069, definitivamente underground.
Mas depois de uma escada de caracol, locais de camisa interior numa varanda rebaixada sobre o canal, e felizmente não há comportas porque senão molhavam os pés, olhares desconfiados porque na ponta do canal não é suposto haver estrangeiros.
Sim, estrangeiros, mas num conceito londrino o estrangeiro pode ser o local, o londrino, o inglês, é muito fácil perceber em que sítio não estás.
Mas afinal há vida no canal
Três horas e meia depois a linha azul do mapa transformava-se num grande oceano sem fim nas nossas pernas, porque afinal havia dobras no mapa que haviam desaparecido e as curvas do canal, que eles chamam desgraçadamente de pequena veneza, empurravam a linha de água para norte, e então atravessávamos o grande parque do Jardim Zoológico e voltávamos a reconhecer a civilização, ninguém aqui mais vive em barcos, um bairro de casas vitorianas e agências imobiliárias, londrinos que não são estrangeiros, pelo menos aqui, e entrámos no primeiro bar de esquina que tinha portas abertas, mas não tinha gente porque aqui, no bairro, multidões não eram permitidas.
Sentámos-nos de pernas penduradas em bancos pernaltas e pedimos cerveja.
O empregado era ruivo e sardento, demasiado desconjuntado para inglês pois então, adivinhei-lhe uma personalidade celta porque era prestável e não tinha a certeza de tudo (nem de nada) e a música de fundo não enganava. Afinal de contas fazia todo o sentido que a banda sonora fosse riverdance e os donos do bar irlandeses.

O’Brien, portanto!



quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Charles, Oh Dear!






Sentado na relva gasta de Primrose Hill, tão pequena quanto a pequena sereia, oh quão londres és baixinha, lembrei-me do desabafo do boring charles dalguns anos atrás acerca do destino da sua real cidade, reclamando o direito de indignação pela transfiguração da old City e do que a seguir se adivinhava.
E até percebo o pobre Carlos. A densidade dos guindastes não para de crescer e, só quando nos afastamos um pouco (uns poucos metros para cima), nos damos conta da fúria devoradora do vidro e do betão que procura, numa corrida desenfreada contra o tempo, apagar o tijolo vermelho e a tradição vitoriana da capital do império.
Antes que alguém os obrigue a parar!
E nunca a cidade esteve tão vibrante, nunca a libra esteve tão forte, nunca a economia esteve tão próspera, mas esta visão dos guindastes que povoam a paisagem como antenas gigantes, a vulgarização, vista dos céus, dos símbolos da história da cidade, agora cercada por símbolos de novo poder fálico (ah, pobre charles, a torre fálica acabou com a tua esperança) deixa transparecer (de uma forma muito ténue, reconheço, mas na relva de Primrose as ideias até ganham uma forma verde) alguns sintomas de bolha.
E, algumas horas mais tarde, quando o Ben Slow nos transporta para as entranhas da Shoreditch acossada, Charles e Ben intersectam-se no desconforto, a realeza e o artista radical procuram cercar o poder financeiro que avança no seu vidro resplandecente como um titanic sem respeito pelos icebergs.
Bom, uma imagem um bocadinho figurada demais, talvez
Mas a sensação (da qual rapidamente me esqueceria, não fossem as notas no livro azul, porque está sempre a acontecer tanta coisa, por aqui, na ilha mágica que, a cada minuto, um novo deslumbre derruba todos os sinais de apreensão) de que um dia estes tipos começam a navegar sozinhos pelo Atlântico fora, numa reinterpretação anglo-saxónica da jangada de Saramago.
(daí a metáfora do titanic e dos icebergs)
E ficam tão ridiculamente ricos, que deixa de lhes dar prazer a companhia do resto da pobre (e relativamente deprimida Europa)
E lembro-me que a paz dos últimos setenta anos, no sacrossanto espaço ocidental europeu se tem feito de equilíbrios, de túneis da Mancha (é verdade, não previ o rebentamento do túnel quando a jangada se libertar da placa europeia, mas libertando-se deixaria de haver acusações de quem tem a responsabilidade de o guardar o que, só por si, é uma ideia idiota porque o túnel fez-se para ligar e não para filtrar) …e de solidariedade!
Afinal fiquei contente por ter tomado notas no livrinho azul e não estou nada arrependido de ter gozado de todas as borlas exóticas do novo capitalismo inglês
Afinal em que ficamos?

Charles, oh Charles!

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Ben, o graffiter







“ O graffiti é incomodativo, é mesmo anti-social, mas não podemos nunca renegar que esta foi a origem da street art. E não podemos, hoje, renegar esta fase de experimentação, na qual todos nós aperfeiçoámos a técnica e todos fomos perseguidos como perigosos agitadores que assaltávamos as paredes limpas para construir com os nossos sprays o futuro da arte”
De rostos cobertos, não imaginávamos ter, neste futuro que é o presente, de gerir estes dois universos, o ilegal e subterrâneo e a arte e a fantástica qualidade técnica destes jovens.
Hoje vivemos e trabalhamos numa linha ténue que separa o reconhecimento artístico, a indiferença da autoridade e o risco de, uma vez por outra, sermos presos porque alguém aplica a lei.
A arte de rua é a verdadeira faceta vanguardista da arte.
E aqui no bairro, uma pintura na parede dura, em média, algumas semanas, porque há sempre novos artistas e as paredes disponíveis de uma cidade de vidro que nos engole, são cada vez menos
“Where do you come from?”
Singapura, um estágio na City, banca de investimento
“ Detesto os tipos da City, porque não conhecem os limites e não respeitam a História. É demasiado desproporcionado o poder do dinheiro”
O Soho há cinquenta anos, Camden há vinte, hoje Shoreditch, amanhã terra de ninguém…
E a riqueza de Londres sempre foi a diversidade cultural, o melting pot de civilizações que sempre povoaram a cidade, e que foram preservando os bairros e a História, acrescentando-lhe cheiros e sabores, sem retirar a sua essência de centralidade
Não foi o poder financeiro.
Ben Slow, poeta redentor, um artista de rua, famoso no espaço cibernético.
E é neste preciso ponto que a vanguarda do dogma zero se intercepta com as preocupações da formal e poeirenta realeza.
A História
Redentor e surpreendente, o poeta Ben e esta aliança improvável, não estivéssemos nós provavelmente na cidade mais surpreendente e improvável do mundo.
E, ao fim de duas horas de passeio de cabeça descoberta, ninguém foi preso e o visitante de Singapura, foi provavelmente o mais bem tratado pela alternative London walking tours
Pelo Ben.
É por isso que adoro ser Europeu. Só tenho pena de não poder mostrar a sua cara…é que nunca se sabe se os poderes ocultos podem, hoje à noite, querer aplicar a lei, ou o próprio Ben, ao abrigo da lei que protege a sua imagem, ter vontade de me processar.
Adoro ser europeu
Não fosse o diabo tecê-las, paguei generosamente ao Ben. Afinal de contas, ele também mereceu!