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domingo, 24 de dezembro de 2017

Caleidoscópio



Curry é uma marca, uma produção cuidadosamente explorada de cores quentes e ambientes exóticos em que as imagens jorram com uma fúria de realizador de todas as causas.
Um circo que se reacende em cada cidade que o recebe, um palco que se monta e desmonta ao ritmo do grau de entusiasmo das audiências sedentas de lugares distantes e de atmosferas inacessíveis.
Por vezes é dificil romper com a encenação que representa a quase perfeição formal de um mundo inteiro que posa para a camera, desvendando o pudor das culturas distantes, dos dramas que se pressentem em cada negativo e em todas as expressões
Uma exposição de duzentas imagens sem ordem precisa nem cronologia lógica, é de uma quantidade tão profícua que desfaz o purismo da arte de exceção, das obras únicas, da reflexão em torno de um conceito e da intimidade dos espaços vazios.
Nas exposições de Curry, as multidões revêem os episódios de National Geography, uma versão realista dos mundos animados de Disney.
O caleidoscópio de cores quentes parece suspenso pelos ares e cada olhar é uma imersão numa nova história, a história do mundo.
Só é pena que nos mundos de Steve, nada permaneça escondido.
Por vezes o encanto está no que se esconde e menos no que se mostra.

Saímos com a retina inundada de cores e imagens extraordinárias, mas carente de mensagens subliminares 






sábado, 9 de dezembro de 2017

Perspetivas impossíveis




Tal como o século XX, Escher explorou os limites do surrealismo pelas suas próprias mãos, utilizando as mais improváveis técnicas de arte para produzir universos não conciliáveis.
Gravador, matemático e inteletual, parece ter vivido distanciado dos colapsos da velha Europa, construindo, a partir da sua História, da arquitetura e das paisagens, um mundo de perspetivas impossíveis e imagens desconcertantes, uma proto realidade, apenas realizável nas lendas dos nossos passados, como se todas as suas criações tivessem uma origem comum nas fábulas de uma terra mágica, como se Escher fosse o Feiticeiro d’Oz e a sua inspiração tivesse renascido das lavas da erupção de Thera que, quem sabe, terá afundado as utopias da Atlântida e nos privado da memória dos mundos impossíveis.
Passou incólume pelo século XX, porque viveu uma realidade paralela que inspirou os novos movimentos de ressurreição criativa e de vanguardismo inteletual que terão salvo o Continente do pós-Guerra das trevas.
Talvez por ter escolhido viver longe, construiu uma realidade não corrompida , uma mágica essência de quem representa, vezes sem conta e de forma meticulosa, o espaço, por natureza tridimensional, em planos bidimensionais.
As obras de Escher reinventam a Antiguidade, as influências árabes e a Renascença numa sequência que salienta a coerência entre o seu ritmo de descoberta e de transformação dos dos momentos altos da genialidade artistica da nossa História em premonições de futuro de harmonias geométricas.
Mesmo podendo não ser verdade, é o imaginário a duas cores, mais colorido que eu consigo imaginar.
Entre utopias e uma visão.
“Deus não pode existir sem o mal, e desde que se aceite a ideia da existência de Deus, tem de se aceitar também a do mal. É uma questão de equilibrio. Esta dualidade é a minha vida”

É especialmente uma questão de equilíbrio.



sábado, 18 de novembro de 2017

7 / 7 - Viagens na minha Terra



Memórias de um morto precoce
Herb Ritts - Plena Luz
Cascais 01/Out.



Os homens cansaram-se de ser felizes
Bordéus de frente para o rio e de costas para o passado e para as memórias
Vestígios de um revivalismo em carne viva
Porto de Bordéus - Na sombra da base de U-Boats
20/Out.



Podia ser um casal abraçado no espelho de água, mas o importante está no que se esconde...o fotógrafo ambiciona a felicidade
Bordéus 22/Out.





Depois das vindimas e do Verão escaldante
Não há pontes impossíveis
Régua 28/Out.





Nas sombras da última ceia no Mosteiro de Tibães
O homem reflete (sobre) o seu presente
Braga 29/Out.





Flauta encantada
No abstrato, não há limites
Lisboa 01/Nov.



A última valsa
Ela atravessou a luz
Mafra 12/Nov.

domingo, 29 de outubro de 2017

Bobo




Boulangerie é a chave do bairro étnico de Saint Mitchel.
A rue D é um beco sujo e malcheiroso, impregnado no bairro de imigrantes, fachadas encardidas e interiores renovados, cem metros quadrados a quatrocentos mil euros “no mínimo”, assegurava a nosso cicerone, uma rua de caves suspeitas, uma escada de cheiros intensos e portas blindadas de duplo trinco e um interior de lacados pretos e vermelhos, tecnologia iMac e televisão de ecrã plano, uma arca de vinhos a uma temperatura milimétrica de dezassete graus, fotografias de crianças e mulheres felizes pelas escadas acima até às aguas furtadas, quartos de criança plantados de vestidos cor de rosa.
A arca estava cheia e uma garrafa vazia de uma colheita de 1971, ocupava uma esquina previligiada no countoir das recordações
Quarenta e seis anos portanto, um homem com estudos de direito, pelos livros que forravam as estantes do seu cantinho iMac, de preferências anglo saxónicas pelos canais predefinidos do satélite, pelos bilhetes de espetáculos musicais no West End, pendurados nas traseiras da porta da casa de banho simples, do andar inferior.
Um homem de família e de rendimentos, “plutôt diplomée” que aproveita as oportunidades culturais, que venera a cohabitação com as populações de imigrantes e que os venera como os seus pais veneravam o proletariado.
Entrega-nos o seu mundo ao fim-de-semana, muito mais como afirmação de despojamento material do pelos cento e cinquenta euros que lhe pagamos, através da muito demaocrática plataforma de partilha deste novo mundo sem fronteiras que venera, a internet ou as viagens aos confins da diversidade.
S. o amigo de infância do nosso cicerone, encolhe os ombros quando insistimos numa clarificação do estereotipo.
“É preciso saber comer ostras com as mãos e beber vinho branco de penalti no marché de Capucins, salpicados de limão e etnias, e também dançar com os candelabros nas feiras de antiguidades da rue de Notre Dame”
Insistem em partilhar a sua visão cosmopolita, não dispensam um fim de semana no Atelier, entre vanguardas do cinema europeu “hors grand circuit”, decoram-se de barbas bem cuidadas, abraçam causas ambientais mas não dispensam o centro histórico das cidades.
“ils sont tout à fait, des personnalités complexes”
E ele encolhe os ombros, outra vez.
Afinal de contas, os bobos amam o desconcertante e desdenham do seu próprio sucesso, que preferem exibir em cima das suas bicicletas vintage do que em automóveis de luxo.
O nosso senhorio de fim-de-semana era decididamente um bourgeois bohéme que, por impossibilidade de horários, nos deixou a sua chave de casa na boulangerie de la place M. devidamente acondicionada num saco de papel reciclado que certamente ainda iria transportar muito pão.
No Domingo à tarde, sentia-me muito feliz por ter descoberto uma nova espécie de Homo Sapiens gaulês.
E também um pouco embriagado de ostras, vinho branco, maigret de canard, beef tartar, buzios e outros patés, tudo emborcado de penalti, não fosse o avião regressar sem nós.



domingo, 15 de outubro de 2017

Turbulências



É o nome de uma exposição composta por obras do espólio de arte contemporrânea do (ainda) catalão La Caixa.
E esta informação é muito relevante quando afloramos o tema.
A coleção de arte contemporênea “La Caixa” é muito explícita na forma de olhar e compreender o mundo que nos rodeia.
Comprometida, como a inteligência costuma rotular.
E, aqui sem discussão, com uma linguagem polvilhada de olhares latino-americanos “escavando nas suas profundidades temporais, a fim de distinguir as suas luzes e sombras”.
A exposição é, por isso, um mar de instalações, video e fotografia que se desafiam mutuamente em uma critica social nada subliminar.
Carlos Garaicoa desafia-nos (confronta-nos) com as operações populistas do poder e usa apenas lupas e selos.
Lupas para nos lembrar que a política se faz de mediatismo, da meticulosa exploração de uma infinidade de lugares comuns e meias verdades perigosas que, devidamente compostos e ampliados, se tornam em razões de estado.
Selos para afirmar a sua paixão pela posteridade e pela lembrança, não do que fizeram, mas da forma como se apresentaram.
Afinal de contas, a tradicional subserviência do conteúdo sob a forma.
O primeiro exemplar desta passadeira de vaidades (e único original) é o selo comemorativo dos quarenta anos de Adolf Hitler, devidamente ampliado por uma lupa armada sobre um tripé.
Depois alinham-se as criações do artista, revelando as personalidades de uma atualidade que preenche a informação no século vinte e um.
Não há povo nos selos, apenas culto de personalidade.
Despidas da lupa, todas estas personagens se revelam insignificantes.
Até um pouco repugnantes.
Em nenhuma fase deste percurso pela política contemporânea, perscrutei quaisquer sinais de procura de felicidade humana
Muito visual e educativa.
E o título também.

Foi pena eu e a visita acompanhada, termos sido os únicos visitantes da tarde.


domingo, 1 de outubro de 2017

Um olhar de rua


Na estação tonta, não há, por definição assunto.
Por isso, transformei-me num vagabundo da imagem, um rafeiro que deambula  pela costa à procura de companhia e regressa, esporadicamente, a terra à procura de quem o alimente.
Afinal de contas, rafeiro não tem dono mas tem direito a miar.
E o meu olhar dominante nos últimos trinta dias de olhar de rua é uma sucessão de banhos de mar, turistas felizes, adoradores de Sol e domadores de ondas.
Na minha fase de rafeiro costeiro.
Já mais perto do fim de Setembro regressei a terra à procura de alimento e, antes de miar, encontrei um sapato vermelho e uma caneta dourada.
Suspeito que a época tonta está a terminar!


Happy wave


Foreigners by the sky



Hit by the wind


Skins left behind



Desert ilusions



Ocean's eleven


The girl's red shoe


The golden pen

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

O da boa memória





Lembro-me bem da vista súbita, na curva à direita e na sinuosa descida até ao vale.
Lá em baixo, no limiar da dupla faixa de rodagem da nacional 1, permanecia o mosteiro, tons amarelos num decampado poeirento que bem poderia representar a vitória triunfal de D. Nuno sobre os intrometidos espanhóis.
Era uma imagem repetida, um marco das viagens rodoviárias ao Norte.
O mosteiro solitário, imponente, orgulhoso e desafiador.
Tal como os primeiros séculos da afirmação de um novo reino, de poder real e da autonomia de um país.
Tão importante que se afirmava na solidão da paisagem, como se fosse esta a forma de realçar as suas características únicas, o esforço despendido na sua construção, ao longo de mais de cento e cinquenta anos, e uma espécie de grandiosa Ermida em memória da dinastia de Avis.
Um projeto de legitimação.
Hoje, o mosteiro foi reduzido à sua própria dimensão, pela intrusiva malha urbana nascida da fama e do proveito da república.
Desvaneceu-se a auréola exterior e a singularidade do momento, na mesma proporção em que se partilhava a nossa memória coletiva com o mundo.
Porém, intocável na sua essência interior, cruzando a porta principal, virando a sul para a sala do capítulo, assegurando que o fundador da dinastia indicava o caminho do império ou atravessando a capela-mor para leste, desafiando os nossos truculentos vizinhos onde, ainda hoje permanece uma auréola mística de um claustro inacabado, inundado de um silêncio redentor.
Como se o mosteiro precisasse das capelas imperfeitas para se completar.
Como se houvesse uma qualquer conjugação de astros que explicasse a disposição dos claustros e uma abóboda feita de estrelas.
Lá fora, no antigo terreiro poeirento, renascia a nova feira medieval, como se não tivesse havido História depois de D. João I.
Assavam-se borregos ao luar, o David Carreira desafiava um público fácil e contorcia-se contra o som, um inimigo muito mais devastador que os espanhóis de Aljubarrota.
D. Duarte sorriu, olhou para D. Leonor e estendeu-lhe a mão.
E todos percebemos o significado das capelas imperfeitas.
E, apesar de também entendermos que os tesouros não podem ficar só para nós, não deixamos de ter saudades daquela visão intermitente e repetida do majestoso e solitário mosteiro amarelo que abarcava toda a paisagem e se nos deparava, pelo menos a cem à hora, sempre que nos preparávamos para ultrapassar um camião de mercadorias, no limiar da dupla faixa de rodagem da estrada nacional 1.

Eu e o da boa memória.
















sexta-feira, 11 de agosto de 2017

FBN (*) & PGT (**) - New sounds of St. Peters

(*) Famílias Bilingues Numerosas 
(**) Pombos Geneticamente Transformados (genes de gaivota)




Os sons da praia ventosa quando fechamos os olhos à procura de uma catarse subita de calor...
ou as novidades mais escaldantes do boom turístico e do alojamento local na praia de S. Pedro que promove o intercâmbio de culturas e a miscigenação das espécies 















quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Afinal, o mundo é (mesmo) plano



(mais plano do que induz a primeira impressão)
a arte contemporânea estimula o diálogo no local de culto



O consumo e as trocas obedecem a padrões reconhecíveis


A cor realça nos contrastes de luz...


As culturas dialogam em harmonia
(as populações locais, as máquinas vindas do oriente e a irreverência vestida de encontro de culturas)


As sombras difusas enaltecem o intemporal...


As cabras nas árvores não existem apenas na publicidade a bebidas refrescantes de leve sabor alcoólico
( e os jovens tiram selfies e existe sempre um guardador de árvores que se comporta como um arrumador de carros)


...e todos cabem na mesma imagem, os que trabalham, os que descobrem e os que acreditam...


...mas os que trabalham são o foco da admiração...e o centro de qualquer imagem


e a praia, quando nasce, é para todos


e os miúdos adoram ídolos em todas as estradas...


e comunicar é preciso...


há sempre alguém que nos recorda das nossas raízes comuns...


todas as esquinas têm, pelo menos, duas perspetivas

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Tribute to Aziz




Aziz foi um pedreiro marroquino e o guardião do imenso bloco de prédios da avenida Mohamed V, a primeira imagem da cidade para quem chega de comboio.
Hendrick Beikirch é um artista de rua alemão e presta a sua homenagem ao operário desaparecido, como se ele nunca tivesse deixado de trabalhar, no seu estilo muito próprio, expressivamente fascinado pelos homens comuns, aqueles tão fotografados nos souks, mas raramente homenageados em vida.
Um novo marco da arte contemporânea na capital berbere e uma visão ocidental alternativa da tradição marroquina.
Um traço de humanidade que atravessa os estereótipos e os rituais exóticos.
Sob a poeira amarelada de um fim de tarde de Verão.