Pesquisar neste blogue

domingo, 25 de novembro de 2012

S. Miguel, as vacas estão de pé


Para o açoriano oriental não há mosquitos que não se possam resumir a piolhos que pululam, lá longe, na ilha rival…
Rival?
Lapas dos Açores ou da Madeira?
As dos Açores são melhores!
Pois!
As petingas do mar açoriano ainda não têm medidas mínimas comunitárias e, por economia e conforto, se devoram sem temor pelas espinhas morfologicamente compatível com os humanos.
Em S. Miguel respira-se beleza em estado puro, quase selvagem não fossem os canteiros primorosamente aparados, os miradouros recortados pela relva que nasce da chuva e as hortênsias plantadas pelos jardineiros do Éden.
É um intervalo, a Atlântida entre a América e a Europa (duas faces da mesma centralidade), as tempestades e o silêncio dos pastos, as lagoas e o mar enrolado, tão inatingível que chega a cansar.
É a última fronteira de(o) paraíso, à deriva nos elementos do atlântico, os ventos que empurram as correntes, fustigam as encostas da avenida marginal e se deixam acariciar pela paisagem que renasce do temporal medonho qual Génesis, numa manhã inundada de cores de Outono.
 
 
Entre as rochas negras um solitário, louco e amador surfista desafia as ondas e perde sistematicamente o desafio com o branco da espuma, que renasce a cada meia dúzia de segundos, do azul do mar
Mas confia na fé imensa, refletida no rochedo que, sob a forma de um mosteiro, enquadra a imagem de fundo imenso.
Mosteiros, ilha de Miguel
Se as vacas estão deitadas, então vai chover!
As quatro estações do ano no mesmo dia cansam as vacas dos Açores
Deita, levanta, deita e levanta!
O açoriano oriental, ao volante da nave do paraíso ri de prazer genuíno.
Mitos urbanos não resistem a estas visões do verde reconfortante da terra e do azul profundo do mar!
E ao silêncio, e à intocada inacessibilidade do lugar!
 
 

domingo, 11 de novembro de 2012

Lima - A (foto) síntese da Latina América



Lima de novo.
A neblina da primavera do pacífico persiste, embora temperada por um tímido sol, que acende uma chama protetora das indígenas que se refastelam na relva de Miraflores, a pastar os lulus dos ricos.
Depois da noite esfriada de cusco, altitude seca em estado sólido, rebolámos para a altitude 0.
Lima, Perú a nível do mar, mas protegida dos tsunamis por cinquenta metros de arribas convenientes.
Miraflores (o bairro) mira mar por vontade e vocação.
E hoje, descobrimos a burguesia peruana pelas ruas que trazem o oceano até aos jardins da cidade ociosa.
Uma outra face da mesma metrópole, tão enorme e tão surpreendentemente estratificada por bairros, ruas e quarteirões, ou simplesmente encostas de poeira desértica…
Contra as expectativas de uma metrópole invadida pelo país rural, numa anarquia sudamérica das periferias em pólvora, hoje revejo-me numa cidade com os ambientes Vargas Llosa que estou a aprender a conhecer, sessenta anos mais tarde.


No jardim Kennedy, havia bancos com estórias trocadas entre velhos amigos, gatos que se espraiam pela relva, uma porta para a avenida arequipa, a conexão literária entre o passado e o presente da cidade dos príncipes e dos pobres.
Um excerto de cidade sul-americana de latinidade ocidental, europeia sim mas com sotaque, como na bellavista em Santiago, em Ipanema ou no bairro S.Telmo.
Saudosista, levemente afetado, mas sedutor para um europeu latino que regressou dos confins (e das entranhas) da indígena (fascinante, longínqua e estranha à nossa cultura do mar e da planície) terra andina.
Mas a Lima nebulada e sombria de um inverno que não termina mais, revela-nos outras surpresas…
Num mundo em que a agricultura não é reconhecida, os terraços incas de experimentação agronómica e os ícones de aproveitamento da natureza, qual sal de maras, reproduzem-se nos novos laboratórios de experimentação gastronómica, exemplo restaurante central, a Lima, capital gastronómica da américa do sul.
A chef loura prepara o cheese cake cabra km 28, do lado de lá da cozinha peruana
E não sorri!
A um ritmo alucinante, uma estratosférica alegoria de ingredientes sublimes que legitimam, só por si, um abençoado regresso à terra profunda, um vale sagrado da agricultura de sabores.
Lá fora, os abutres, os pelicanos e as gaivotas do pacífico acenam-nos com as asas e voam, rasantes sobre as ondas.
Também na cidade dos reis, a última palavra pertence aos deuses, e seus fiéis símbolos da vida eterna sobre a terra.
Aleluia, Perú dos incas e dos viracochas!


sábado, 10 de novembro de 2012

Machu Picchu – Os três níveis da vida






Se deus quiser, amanhã de manhã os relâmpagos e a chuva já se deitaram e o sol intihuapa vai estar lindo e brilhante”
No santuário, entregam-se oferendas e fazem-se sacrifícios ao Huaiana Picchu, para que a bonança se sobreponha à tempestade, os relâmpagos sucumbam ao arco-íris…
Um festim medonho, pernas de cordeiro em forma de guisado, abundantemente regado a vinho tinto chileno cor de sangue e pisco sour para os sacerdotes celebrarem a mãe natureza.
Às seis horas da manhã do dia seguinte, o céu estava azul sobre as montanhas da cidade perdida e línguas de névoa (o espírito do cordeiro) invadiam docemente as ruínas…
Silêncio profundo no manto verde e montanhoso, um puma que não tem pressa de acordar, uma sonolenta vida terrena, concluímos nós.
Na precoce manhã, a vida subterrânea serpenteia o vale lá em baixo, um inquieto rápido sobre a forma de serpente, e, qualquer que seja o angulo, ela cerca-nos sem descanso.
Os milhares de pássaros andinos, não são deus na terra ou condor no ar, mas agitam-se incessantemente entre as ruínas de pedra, seus ninhos celestiais.
Machu Picchu é a terra dos pássaros, prova indiscutível que esta é uma terra de deuses.
O puma imaginado na pedra não reage, nem na temperada manhã, nem após o repovoamento do lugar, umas horas depois.
Este não é pois, definitivamente um lugar terreno.
Também Bihram teve dificuldade em reconhecer este local como uma terra de homens, tais as dificuldades em achá-lo, em alcança-lo, em domá-lo, em entendê-lo…
Aí, as serpentes da selva e o serpentear do rio fizeram-no pensar que não haveria vida para além dos símbolos da morte inca, apenas vida subterrânea, incompreendido pelos nativos e fustigado pelas chuvas torrenciais.
Não há pois, aparentemente, estágios de vida intermédios na cidade perdida!
Às nove da manhã, uma mulher de hispanidade ambígua chorava copiosamente diante da visão arrebatadora da cidade redescoberta e soltava lágrimas, tão abundantes e inquietas quanto os rápidos do rio urubamba, para o telemóvel gasto pelo tempo e pela espera:
“Estou muito emocionada. Já cheguei, graças a ti!”
Não entendemos mas parecia profundo, uma espécie de desfibrilhador emocional.
Cinco horas depois do nosso primeiro olhar, com os nossos olhos pejados de uma paisagem suprema, olhámos por detrás do ombro esquerdo, numa lógica de despedida emocionada e silenciosa (havia malta jovem sentada em posição yoga e estados avançados de transe).
E, de repente, pareceu-me (não, tenho a certeza) que, na encosta por detrás das ruinas, o desenho do puma – símbolo da vida terrena - e puma animal, agitou-se de forma súbita, exibiu a sua enérgica posição de fera ao ataque…e ter-se-ia lançado sobre a multidão extasiada…se não fosse apenas uma interpretação pouco plausível, nem uma lenda sequer, e de pedra
Afinal, mesmo que tardiamente reconhecida, machu picchu revelou-se um sagrado lugar terreno.
Prova de puma!
Invulgar, extraordinária, mas terrena.
Abandonei as ruínas da sagrada cidade perdida, convencido que entre mim e o puma poderia ter nascido uma linda amizade!
Se ele tivesse renascido da lenda como um ser real.
Seria?
Num local como este, os meus olhos e o meu cérebro são incapazes de destrinçar (falta de discernimento total) entre o que acontece e aquilo que nós pensamos que está a acontecer.
Cinco horas em Machu Picchu, muito melhor que qualquer realidade!

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Rail to Machu Picchu


Vistadomme desce o vale estreito a um ritmo descontrolado de mais de 20 km/h.
E o vale estreita e aproximamo-nos das paredes de uma vegetação mais densa, adivinha-se a selva amazónica por detrás dos picos, para onde o rio urubamba se despenha, ora alargando ora encolhendo, conforme o espaço que a montanha lhe concede.
Os rápidos não desarmam, uma ansiedade irreprimível de chegar ao grande rio Amazonas.
Vistadomme desce ao ritmo da música espiritual andina e persegue a corrente do rio, sem êxito.
Na última curva do rio, águas calientes espreme-se no fundo de um entroncamento de desfiladeiros, como uma terra de múltiplas fronteiras: a selva amazónica, a cidade perdida nos cumes inacessíveis e o caminho de fuga de um dos últimos “ultimo” inca em direção a villacamba nos seus exílios lunares, enquanto o seu mundo de bronze se desmoronava a sul e a norte, a leste e a oeste e nascia um mundo de um só deus…


A linha férrea semiabandonada que trespassa o vale e o povoado entre pizzerias, lojas de souvenirs e hostels de mochileiros, submergindo a estrada inexistente, que já se afundara no vale sagrado recorda-nos que, depois de águas calientes só resistem os bravos do pelotão!
Bom, consideremos que esta é uma visão fantasiosa, mas reconfortante.
Enquanto habituo a minha visão à baixa altitude (afinal de contas estamos a pouco mais de 2,000 metros) e à agitação multidireccional (porque vem de todos os lados, culturas e latitudes) despejada em rápidos de seres humanos à procura de um momento de comunhão sobrenatural com a mãe natureza, invadem-me perigosas alucinações.
Vindo da selva, escapa-se primeiro um rasto de fumo a sobrevoar os telhados de zinco (uma gata nos telhados de zinco?), depois a aparição de um longo e ruidoso comboio a abarrotar de madeiras preciosas, culturas tropicais, indígenas e metais preciosos, que invade o fundo da rua dos souvenirs, e se aproxima velozmente da nossa visão grande angular…
E ninguém parece estranhar…
Um fantasma (será a sua transparência, sinónimo de imortalidade?), de manco inca pulverizado de ouro, chapéus altos e tecidos garridos, puxa do apito, impassível mas obstinado, rio acima em direção ao vale sagrado.


Começou a subida alucinante para a cidade perdida!

domingo, 4 de novembro de 2012

Domingo é dia de feira no vale sagrado

Domingo em Pisac é dia de feira.
Tal como em todo o vale.

Logo de manhã, enquanto o petrificado e pindérico puma colérico procura lançar o pânico no povo (sem qualquer efeito aliás, o velhote mumificado que se sentava à sua sombra que o diga, ele era o espelho do tédio) …
O povo invade as ruas e as estradas, vestido num arco iris de roupa e chapéus (sim, chapéus surreais, cartolas e de coco com umas abas de acrescento, um erro lamentável de um empresário, certamente de origem espanhola).
A procissão que desfila através das janelas do nosso combie de luxo, monta as bancas em todas as praças e ruas, aquece os fornos de assar o pão, espeta os porquinhos-da-Índia sobre as brasas improvisadas de um qualquer lugar, um repasto que se confirmará como a última ceia dos guerreiros feirantes…
Como foi afinal a última ceia de Cristo, segundo artista andino desconhecido, elevado à imortalidade nas paredes da catedral de Cusco.
Seja qual for a ocasião ou o pretexto, o baby pig é que se lixa!
A nova Pisac do vale (distante da inca perdiz – em quéchua, sinónimo de pisac) atrai também outros espécimenes mais alternativos, aquela raça de europeus encardidos que sempre renascem (intemporais) das cinzas qual JC, direitos ao passado de ganza e das drogas alucinogénias, e que deambulam por todos os jardins floridos ou quintais que evoquem (mesmo que remotamente) um título de sagrado.
Tudo se compra e se vende em Pisac, numa gigante feira, uma exposição universal do mundo peruano em formato Perú dos pequeninos, onde deixamos de entender se o objetivo final é comercial ou antropológico.
A mesma diversidade de cores e feitios, um bazar dos antigos ali, ou em qualquer pisac do mundo!

A antiga Pisac das montanhas abruptas, permanece silenciosa nos cumes que cercam o sagrado vale, relembrando os nossos contemporâneos que as verdadeiras razões para se permanecer nas alturas podem ser intemporais… porque a história é longa, e repete-se!
Ruínas sábias!
Dilúvio no vale e no rio, a terra tremente, soldados espanhóis a rebolar ao contrário da corrente do rio e os restos da civilização inca, arrastados pela corrente abaixo.
Sinais da História e da Natureza!
Em dias maus, é melhor deixar o verdejante vale entregue à cultura das batatas e outros vegetais.

sábado, 3 de novembro de 2012

Ollantaytambo, o templo do Sol


Aqui, envolvido pelos terraços de Moray, circulo perfeito de terraços agrícolas, laboratório agronómico inventor de espécies, percursores da batata e da agricultura biológica…
Aqui, sobre a encosta de Maras, onde os pacientes incas esperaram que o sal brotasse das entranhas da montanha e o tratavam como o sal de mar (as) …
Aqui, debruçado sobre o rio sagrado, enquanto o divino sol se despede do vale, por detrás do ocidente, para lá de Machu Picchu…

Aqui, na encosta do templo sagrado de Ollantaytambo, onde me imagino sentado no trono do inca a venerar o sol que nasce na montanha a leste, e o Deus de todos os deuses esculpido na pedra…
Aqui, na varanda do quarto do hotel rio sagrado, embalado pela música da corrente do rio, pelos pássaros que enfeitam os mantos de escuridão que nos invade, e pelo eco do apito do comboio que regressa de Machu Picchu a Cusco…
Aqui, converto-me sem condições ao ciclo da religião inca:
Uiracochan – imagem do criador do céu e da terra
O Sol e a Lua
A manhã e a tarde
O verão e o inverno
O raio e as nuvens
A chuva e o granizo
A terra e o mar
O rio e as árvores
O puma
O homem e a mulher
Deus de todas as coisas
A alimentação do povo
….
Com algumas pequenas imprecisões de teor andino!
Cientistas e agrónomos, arquitetos e sacerdotes cheios de penas coloridas, observadores e planeadores sem referências de civilizações vizinhas, um povo normalmente obediente, de tanto agradarem aos elementos sagrados da natureza se esqueceram que nem todos os estranhos barbudos que não tomavam banho todos os dias, eram deuses enviados à terra…
E tramaram-se!
Mas foi uma pena.