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quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Castelos de Areia



Oito nomes a menos.
Fluidez na malha legal
Mudanças de perspetiva, que conduzem à interrupção do secretário de estado, porque os olímpicos lutam por mais uma medalha.
Mas perdem.
E o secretário volta
E repete um discurso muito sério
Basicamente a retorica consegue transformar um sapo num príncipe.
Sempre conseguiu
Hoje, em alta.
Mas transformar o sapo numa verdade convincente é uma outra dimensão.
E a lei não permite?
Então é porque não resiste à retórica
Só nas provas olímpicas, não há vitórias morais.
Há medalhas
E algas!
A realidade não é justa.
Uns com tanto e outros com tão pouco

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

As sombras de Agosto


As cidades vivem das suas sombras
Especialmente em Agosto.
Ou sempre.
As sombras de Verão não são sombrias.
São protetoras
Dos DJ que vivem na praça, das multidões que varrem os passeios, rua abaixo, dos mercados de rua, das lojas de gelados e dos cafés que convidam a uma lânguida inação.
Das raças, dos sexos, da igualdade dos géneros e da nossa obrigatória opinião sobre a liberdade religiosa e os conflitos de civilizações
Diluem as identidades, mesclam os autóctones e os forasteiros.
Nas sombras ninguém os distingue apenas pelo sotaque e tornam as cidades mais iguais.
As penumbras libertam, os que nelas vagabundeiam, e tornam as cidades mais igualitárias.
Sem que nós nos sintamos constrangidos por não ter opinião, por esperar que alguns problemas se resolvam por si.
Isso mesmo, um refúgio para a ausência de opinião
Por isso nos afastamos dos reflexos da luz quente de Agosto.
Preferimos a irreverência e a inconveniência.
A descrição ou a tontice compulsiva.
E as duas ao mesmo tempo.

Que o Sol, quando se levanta, nasça só para iluminar o que nos rodeia.











terça-feira, 23 de agosto de 2016

Only you...


"Talvez nunca tenhamos sido dois, mas somente um..."
Uma exposição em que a nudez é o meio e que a sua expressão mais ousada está mesmo no desnudar da noção de interioridade, numa exposição que se questiona se existe uma relação intima e privada, incólume às influências mediáticas da sociedade envolvente.
"As nossas singularidades como casal talvez venham a ser muito mais plurais e exteriormente partilhadas do que estamos preparados para admitir."
Mas nós voyeurs desta relação tão insistentemente a dois, sentimo-nos sempre, ao longo das quatro salas de exposição demasiado vestidos como se eles dois adivinhassem o nosso desconforto e retirassem dele o erotismo que a relação privada não emana.
Bom...interpretações.
Nas quatro salas do Centro de Português de Fotografia, e sem alardes mediáticos, uma absoluta inspiração de criatividade, pluralidade de meios e bom gosto, por Leonardo Kossoy
Visto assim, somos pequenos!


segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Os figurinos do Aniki Bobó


- Descíamos a viela sempre a abrir, e os únicos travões que tinhas era o pé na roda. Sempre a abrir, lá para os lados das antas. Conheces, conheces?
E o personagem debruçava-se sobre a viela de pedra de calçada, e balançava como se fosse necessário dar enfase à ideia.
Ou talvez empurrar os ciclistas tão equipados de travões e de medo de descer que até o enervavam
“De todos os terrenos” – bramia o primeiro figurino, um reformado jovem das Fontainhas, olhos encovados e um cabelo grisalho que contava histórias, apesar de encharcado por um banho tardio, quem sabe se apenas um prolongamento de noites sombrias, de um bairro que tem várias vidas, tantas quantas as posições do sol e da lua.


Nas sombras da alameda que espreitava o rio, homens de sotaque e vozeirão muito másculo compravam e vendiam passarinhos, uns mais à vista em gaiolas vistosas, outros mais encobertos, espreitando de dentro de sacos de serapilheira, enquanto discutiam promessas de carreira auspiciosas, todos eles desfilando passados e desafiando futuros, ligados aos meandros da fama, do futebol, da noite e do trade
Talvez apenas uma impressão
E há os personagens famosos do café la Fontaine, tasca, bar, casa de fados e outros cantos.
Aqui não moram passarinhos, só os barmens que não contam histórias, deixam-nos para os outros, os mentirosos que são famosos mas que nunca puseram os pés no La Fontaine.
Mentirosos, sussurra o empregado, por detrás do balcão de pedra, entre dentes encardidos e um bigode sem escova nem presença.
Aqui até o fado é incógnito, vadio, e não é a malta da casa que o diz, são os azulejos da parede que o cantam.
Porque a malta da casa apenas dispensa frases curtas, normalmente entrecortadas com sorrisos desconfiados, sem final.
“Não, nós não cobramos o gelo mas você, que costuma beber (o café com gelo) sabe bem que noutros sítios lhe cobram o gelo”
Sabe bem…e o resto fica por dizer, enquanto me estende uma colher de galão para mexer o café, o açúcar e o gelo, alguns minutos depois de fingir que não entendia porque, afinal de contas, quem é o tipo de gente que pede um café quente para depois lhe despejar gelo em cima?
Há sempre a dúvida se o forasteiro vem espiolhar, vem aprender, se se vem perder ou apenas gozar com a malta, com a minha estatura de baixote, muito provavelmente camuflado por debaixo de um capachinho oleoso, uma cara levemente tipo bolacha, uma testa demasiado grande para o bigode e uma fisionomia, encoberta pelo balcão de pedra, que teria presumivelmente uns quilos a mais.
Eu até jurava que ele coxeava, mas tinha um olhar (eram de certeza os olhos) que se podia transformar, em qualquer momento num lançador de punhais (há sempre um personagem submisso em todos os filmes, mas que se transforma quando uma qualquer campainha toca, num ser letal, segundos depois dos olhos começarem a faiscar) certeiro como nos filmes em que forrava as tardes de Domingo, nas cadeiras da última fila, enquanto controlava as sopeiras e afastava os bandidos de S. Roque.
Afinal de contas, um homem tem de sobreviver, e as sopeiras não têm bairro.
“Não, esse mentiroso nunca cá veio cantar”
“Você sabe, que já bebeu essa coisa noutros lados, está habituado”.


Mas no bairro da passarada, até as lavadeiras têm Domingo, porque na encosta do Douro as mulheres vão à missa e porque, entre turistas atrevidas, só os homens de barba por fazer traçam o fino com uma garrafa de Martini, que nunca se recolhe do balcão de pedra entornada.
“Você sabe”
“Pois é, está na altura de sair”
Enquanto as gaiolas se levantam com a hora do almoço e as carrinhas brancas sem janelas (não vão os pássaros voar) levantam ferros, no fundo do terraço, sobrevoando as novas pinturas murais do bairro antigo, ouve-se uma voz suada que desentope os altifalantes roufenhos com um punhado de canções populares de arraial de Agosto.
“Peguei na minha gaita e fui cantar”
E os megafones parecem sobreviver, muito para além do fim de festa e da ponte do Infante que, algures na época do cimento para cima do rio, um dia esventrou o bairro, diretamente para a outra margem.
Ao virar da curva, o comboio apita debaixo dos nossos pés e enfia-se nas entranhas da terra, por baixo do casario, fintando o rio que o acompanha às escuras.

E a velha do megafone canta “e apita o comboio…”


sábado, 20 de agosto de 2016

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Absolute pink



Vivia-se uma atmosfera de fim de festa.
A neblina invadia o areal, com o mesmo espírito de uma tempestade de areia, ora invertida.
O puto saltava a vedação, do outro lado da rua, e investia passadiço acima.
As miúdas refugiavam-se na bagageira do smart, terminando as suas conversas sem fim.
A última vaga de veraneantes subia a rampa asfaltada à procura do sol que o alcatrão não tinha refletido.
À procura de mais uma conversa inacabada.
Apenas os bravos ficaram, esperando que o manto de nevoeiro lhes devolvesse a praia.
Porque há conversas que só terminam na intimidade dos espaços abertos.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Palmela Jazz



Sombras e sons.
É assim que imagino os longos finais de tarde, debruçado sobre uma paisagem sem horizonte.
Propagando-se pelas ameias do castelo como as armaduras dos cavalos dos guerreiros do rei Afonso, assobiando em todas as reentrâncias, recompondo as pedras soltas de uma memória, construída sobre centenas de anos de solidão nas alturas.
O jazz alonga as sombras, não é o Sol que se põe é o saxofone que compõe as cores quentes, que reproduz o tilintar dos copos de vinho, a vinha do reinado.
A quatrocentos metros de uma altura propagada por sons fortes, todo o horizonte é de conquista.
São diferentes os nossos castelos de Portugal


quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Quarto Crescente


Vou molhar os pés a Algés
E o garrafão de água é para dar de beber aos peixes?
Não... é para o radiador
Calor, muito calor logo pela manhã e na tasca da estrada de Benfica jorram minis sobre o balcão de pedra que já não reflete o brilho dos olhos do Idalécio, que é o nome fictício do mãos de ferro que segura a mini como se o amanhã se fosse diluir na miragem que espreitava lá fora, como se o elétrico nunca tivesse abandonado o local.
O Juvenal, o nome fictício do taberneiro, de careca oleada e um longo farrapo de cabelo muito preto, forrado de brilhantina que separa a testa da lustrosa clareira que lhe cobre a extremidade superior, atarefava-se entre o barril e a máquina do café, simulando um abraço incontido à diversidade do bairro que desaguava naquela esquina, coberta de uma sombra que não aliviava o sufoco da manhã precoce.
E não paravam de entrar os veraneantes do bairro, de pernas do género palito peludo, cobertos de natas, sapatos de vela que nunca tinham visto o mar, calções com muitos bolsos e tão vincados que a natureza lhes teria franzido o sobrolho.
Cerveja, café, cerveja, café
E três sandes de presunto, e o Juvenal levantou os olhos, ajeitou o cabelo na testa, e desfez-se num sorriso redentor, enquanto os transeuntes do bairro se petrificavam de surpresa.
Momento mágico, cinematográfico, quando o realizador diz “corta”.
Silêncio e um olhar prolongado, minucioso e profundo que atingiu os estrangeiros, como um raio fulminante
Sandes?
E a malta interrompeu as especulações do tempo, as previsões do jogo do Benfica
Uns segundos apenas.
E depois riram-se muito.
E no fim continuaram a discutir as probabilidades do Benfica.
Enquanto o Juvenal corria para as traseiras de carcaças na mão, não fossem os estrangeiros desistir, por intimidação.
Só o homem do garrafão (lembram-se do Idalécio) insistia “vou molhar os pés a Algés”, e agitava o garrafão de água mineral.
Na segunda dentada da primeira sandes de presunto, o primeiro estrangeiro respondeu, olhando para o espaço vazio, situado exatamente entre o barril de cerveja e a máquina do café:
- Eu vou para o Bugio e não levo garrafão!
Novo silêncio, outro olhar certeiro, braços suspensos no ar com as minis na mão e, por fim uma risota coletiva, desdenhosa e triunfal.
- E hoje é noite de lua cheia! – Respondeu o Idalécio

E assim foi oficialmente aberta a silly season no bairro de Benfica.