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quarta-feira, 20 de junho de 2012

Lviv Express III – Especulações, símbolos e ansiedades


O homem do boné azul e estrela na testa olhava de cima dos óculos gastos, por detrás do guichet, a última fronteira antes do euro
Passaporte na mão, olho na obscura foto de passaporte eletrónico, ultima tecnologia dos salvo-condutos da europa dourada que não convence os zelosos aduaneiros locais, fotos são no fotomaton, coladas e rendilhadas nos rebordos, a cores claro, a única prova de autenticidade
O outro olho estava desperto para a prova humana, especada do lado de lá da fronteira e do guichet
Aparentemente a prova viva já duvidava que ela pudesse ser ela mesmo.
A visão da imaginável câmara camuflada na lâmpada fluorescente do teto ainda a pingar tinta branca, revela-se na câmara escura
Múltiplos bonés azuis em círculo sobre um passaporte eletrónico e a prova viva puxava o cabelo para trás, esforçava-se por se afirmar idêntica à contra prova eletrónica.
Mas não conseguia!
Nós esbracejávamos do lado de cá da fronteira, eles (os bonés azuis) afastavam-nos para dentro do imaginário gulag
O verniz já estava quase a estalar
Simpáticos sim, mas não pressionados pela horda de estranhos latinos
Não gostam de ser pressionados
Mas quem gosta, sobretudo quando sonham que têm poder de veto!
Vencidos pela pressão popular, mas não convencidos
Continuaram a coçar o queixo, balançados entre a hospitalidade e o dever!
Terror no aeroporto de Lviv?
Nãa…
 
Tenho fétiches a leste, reconheço.
Muitos! Arquitetónicos, artísticos, motorizados e humanos.
Os memoriais soviéticos, os trabants, os cemitérios judaicos grandes estátuas do regime, as alamedas da amizade e do progresso
Especialmente dos gloriosos anos do século vinte
O Tate Modern já lhe dedicou inclusive uma sala inteirinha e quatro paredes de propaganda, panfletos…
Mas as ruas podem ser um museu de história viva, têm outra dimensão.
E em cirílico, era pois a primeira vez!
Excitante
Reconheço que os fétiches não são racionais e, além disso, nunca tinha ido tão longe na elasticidade do espaço europeu.
Mas o tempo escasseia
Sim, falta-me tempo para enquadrar os símbolos do tempo.
Focagem manual
Tempo é o que os tesouros precisam para ser redescobertos
Mas…
Constatei ter aterrado na menos Ucrânia da Ucrânia, da mais ocidental e esquecida alma do Império de Leste, a mais ansiosa de todas que abram as fronteiras ocidentais
Também por isso a mais pequena das grandes cidades
Por isso, nem uma estátua de Lenine, sem pedestal nem prédios imperiais
Ah, demasiado Europa Central, cheia de história secular e praças floridas
Sussurram-me que esta Ucrânia era aquele que sempre sonhou ser país, muito antes e muito depois de o ser
Aqui os prédios envelhecidos revelam-se na pátria adiada
Agora, prioridade ao futuro!

terça-feira, 19 de junho de 2012

Lviv Express II – Sobrevoando a Europa


É quase angustiante preparar uma viagem non-stop ida e volta aos confins dos Cárpatos, porque não nos acostumamos à ideia de que vamos atravessar para aí um quarto do mundo (julgo que mais, se eliminarmos os mares não povoados, debaixo de uma linha circunferencial que abrace o globo) e voltar, sem levar roupa ou mala, no mesmo dia (entendido como um período sequencial e sem intervalos com uma validade máxima de 24 horas, seja noite seja dia, 24 horas ponto!)
Uma digestão tão rápida de uma refeição tão opulenta que nem dois comprimidos para o estômago aconchegaria a dor.
E depois não há espaço de erro na meteorologia, que talvez fosse mais previsível se não desconfiasse dos efeitos secundários e das influências aleatórias do lançamento dos mísseis ucranianos anti chuva
Material fora de prazo do antigo arsenal de guerra fria?
Um livro, escolhido sem critério nas prateleiras solitárias da nova grande distribuição cultural, pareceu-me uma forma adequada e muito conveniente de (me) preparar (para) a aterragem para além dos Cárpatos, uma espécie de transportador que prepara a nossa personalidade para um choque qualquer, um purgatório intemporal, indolor, com retorno garantido e programado.
Bufo e Spallanzani pareceu-me um bom título, Chicago anos 30, Império Soviético em decomposição anos 90 (sim um pouco atrasado, eu sei, talvez não)
É que, quando viajamos de uma forma desesperadamente veloz, Europa acima, devemos acautelar os nossos viciados espíritos na ocidentalidade europeia, a única (hermética e asséptica) Europa a que nossa geração foi habituada.
Com o estilhaçar do número de países e nacionalidades renascidas, alargou-se a amplitude aceitável do espaço europeu e aumentou a dificuldade de encontrar um mínimo múltiplo comum para uma tão (utópica) desejável união política.
Com influência decisiva no nível de vida, nas variantes linguísticas do triângulo alemão, inglês, francês, no sentido de humor, no estado das estradas e nos índices de poluição dos autocarros urbanos, no custo (e no gosto) de uma cerveja e na distância focal dos olhares autóctones.
Amplitude a crescer, amplitude máxima na Ucrânia, antes da mãe (intransponível) Rússia e nos antípodas da república islâmica, a caminho do Sol Nascente.
Um romance com sangue, sexo e violência parece-me (repentinamente a 10 mil metros de altitude) uma metáfora demasiado extravagante para uma Europa desprotegida que não estamos habituados a reconhecer.
Tudo tende a ser novo (para nós, e velho para eles) a Leste do Paraíso e dos Cárpatos…Acho eu!
E fechei o livro, dez páginas depois de o abrir, e adormeci
A visão (sem direito a sonho, sequer) à saída do avião foi gloriosa, quase avassaladora; no fundo da escadaria recebiam-nos uns meninos grandes, louros e sem barba, com um boné azul e desproporcional, de estrela na testa e uma pala verdadeiramente kitsch e, na borda do passeio, a antiga (e única até há um mês atrás) aerogare, um brinco neoclássico da esplendorosa arquitetura soviética, brilhava de convencimento próprio (e alguém me dizia que os tetos do interior eram imperdíveis) e deixou-me em êxtase total!


É que eu tenho um fraquinho por ícones!

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Lviv Express I – 24 horas nas bordas do Império Cirílico


A troupe do futebol chegou, hordas de hunos multiculturais invadiram a cidade, as cidades e, sem pudor nem desconforto, pairam uns minutos sobre o modo de vida de um povo e exasperam-se pela completa inabilidade de comunicarem com as línguas ocidentais.
O cirílico é uma barreira monumental que a pressa da prole não permite transpor
Lviv era, até há quinze dias atrás, um obscuro ponto no mapa, para lá da fronteira dos confins da Polónia.
Apesar de ser património cultural da UNESCO, e da multiculturalidade dominante na arquitetura intocável por guerras que apenas a cercaram, mais de cem igrejas, uma predominância católica dentro das fronteiras ortodoxas do continente, um passado muito polaco – ora Lvov, ora Lviv – uma muito presente herança austro-húngara no centro da cidade, mais um daqueles locais que já foi centro da civilização europeia
A multiplicidade de heranças, de potências ocupantes, de esperanças nacionalistas, de impérios destroçados.
Para o bem e para o mal!
Mesmo assim, completamente obscuro.
Também é verdade que a História do século vinte, varreu alguma dessa diversidade das ruas da cidade.
E talvez tenha trocado diversidade por uma identidade – muito multicultural pode ser confundido por falta de personalidade.
Assim pensavam os sovietes, e hoje isso vê-se em Lviv.
Mesmo assim…
As hordas de seres bizarros planam sobre esta descoberta de forma tão alienígena que são os locais que fotografam os turistas de forma frenética, nas ombreiras das portas, velhinhas que sorriem de tonteira, da delas e dos outros (nós)!
É o único sítio do mundo em que nós, alienígenas, somos tratados como tal.
Pura curiosidade ou reminiscência dos ficheiros secretos?
Eles sabem que somos pássaros andantes, não é assim que se penetra na alma e no corpo ucraniano(a).
Eles sabem que não chega para que os estrangeiros possam dizer algo coerente
Mesmo assim… o obscurantismo desvaneceu-se um pouco (Como será depois da troupe partir, para além do aeroporto novo e das estradas esburacadas?)
Afinal de contas viemos só ver a bola!
Mesmo assim…ficámos curiosos.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Extratos (de conta) do Junho precoce - dicotomia parte II


O calor de Junho embrulha-nos numa vaga de agitação positiva, criatividade e vontade de afirmação de uma identidade própria
O Euro 2012 e a carta do puto que quer ser médico ou biólogo mas só fica em Portugal se valer a pena.
Publicidade de bom gosto, que nos comove até pelo menos à décima vez que a ouvimos.
Os elogios á Capital entendem-se nas noites longas e sinuosas das colinas históricas de Lisboa, uma onda de música ao vivo, esplanadas que se atropelam de faunas glocais, entre a caipira e a sardinha assada, os sumos de fruta e os charros de fumo e álcool.
O arraial acelera até às quatro da manhã, cais do Sodré abraçado ao rio e ninguém esmorece (perde a excitação) nos murais explícitos dos novos bares da antiga má fama, agora liberdade de expressão.
A manhã à beira do rio não adormece de indolência por mais do que breves instantes, as garrafas que rolam nas bermas das ruas não chegam a partir, porque os atletas de uma corrida qualquer já rolam nas alamedas do azul, céu e rio e os putos trepam pelos insufláveis do verde dos jardins...
Os elogios da cidade prolongam-se pelos autocarros pejados de turistas de uma Europa ainda radiante
À tarde, pela noite dentro, milhares deliram e deambulam pelos relvados da música, e lançam-se nos prazeres do arraial, das borlas dos sponsors, das barracas de comes, cadeirões insufláveis, preservativos, turismo do brasil, rua do rock e um palco a jorrar rock para cada ouvido.
É a geração rock in rio
A cidade do rock, da mística, dos eventos e da vida boémia
Em Junho a cidade transforma-se em cascatas de otimismo
O que pode a mudança de calendário fazer pela nossa moral!
A cidade do rock e do rio
No Sábado à tarde, a moral vacila
Ficamos a saber que a via láctea não é eterna e está em rota de colisão coma andrómeda.
Daqui a dois mil milhões de anos, é verdade.
Mas a sensação de eternidade desapareceu.
Para quem acredita na reincarnação é um facto importante.
Desconfortável, sermos assim confrontados pela ciência com o efémero.
E a manhã de sol transformou-se numa tarde de inverno e neblina chuvosa.
E a seleção perdeu!
Valha-nos a onda de camaleão que nos trespassa sempre que o calendário avança!

Extratos (de conta) do Maio tardio - dicotomia parte I



Manhã de meio Verão mas o povo não ri!
Sufoca de ansiedade, resiste na certeza de que vamos continuar a perder num campeonato que não vai terminar esta época
As notícias boas são as notícias más porque não queremos (não podemos) ser o calcanhar de Aquiles da Europa que também é nossa.
Está calor mas a malta não ri!
Eles vão para a praia, uma enchente de desemprego e de horários por turnos
Símbolos contrários do consumo que abraçámos
Na praia, temos no mar a miragem dos veleiros, será que reinventámos as descobertas para onde, não sei talvez por ai?
Ângela e o trovão no avião do hollande
A Europa do crescimento tremeu!

domingo, 3 de junho de 2012

O taxista que gostava de jazz


Nada na manhã precoce do táxi acelerado condizia com o som que exalava das entranhas deste publico veículo de transporte personalizado.
Oito e cinco da manhã na curva da Sá da Bandeira, à saída do Teatro, escurecido e estilizado hotel sem palco, e um teatro de revista que não acorda do espetáculo da noite tardia.
Entre as curvas da rua, a Brasileira sorri detrás da majestosa fachada tolerante (pela idade e pelo estatuto) diante da imagem cinemática do mercedes, um milhão de quilómetros mínimo, coração ao alto mas cansado, que atacou a curva debaixo em duas rodas (um pouco de exagero de fita de animação) e encarquilhou a alcatifa de asfalto (o efeito é mais parecido com um levantar de ondinhas) com uma atlética travagem (eu juraria que a traseira levantou, outra vez duas rodas)
Sim, nada previa a harmonia do som de jazz e swing que se desembaraçava a cada solavanco da empedrada calçada do Sá da Bandeira, coração de leão da cidade.
Um bafo de tabaco entranhado e tardio espirrou pelas portas recém- abertas!
Um clube noturno sobre rodas que ainda não reabrira de um estonteante noite de swing?
Hot club do Porto em corrida contra os seus fantasmas, angra de heroísmo acima despenhando-se Campanhã abaixo
A ausência de sintonia entre o som leve, o odor pesado que não desanuviava com o fresco marítimo da manhã e o corpulento guardião da louca travessia do herbie...
Momento seguinte número 2;
Cabeça soerguida tronco de fora na passadeira da praça dos Aliados
As turistas com um olhar loiro e os corpos promissores que atravessam a passadeira em busca de um táxi que as leve a elas, e às pesadas bagagens, para o paraíso das companhias aéreas de baixo custo
Pedras Rubras
Taxi, turn right Taxi
Homem corpulento corpo de fora da janela.
Elas entenderam que o táxi bafo de onça estava ocupado mas que havia outros no turn right
Porque a cidade insiste nos táxis parados
E o swing barafustava ao longo do caminho em direção ao jazz final e definitivo.
“Estás a apitar porquê?”
Uma lata velha de um vermelho que apodrecia ao ar, e uma razoavelmente jovem refreava os ânimos mediante a visão do corpulento taxista.
Ela não conseguia mesmo passar por ali.
“A menina tem falta de jeito” – sussurrou entre dentes o taxista que gostava de jazz