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quarta-feira, 30 de abril de 2014

Bruges – A cidade das três torres





Entrar nas muralhas da cidade medieval (ou que restam delas) transporta-nos definitivamente para uma outra dimensão, o de uma urbe que resistiu intacta, por caprichos da natureza, pela sobreposição de interesses, por condicionalismos geográficos e até por milagre.
 A sua ligação ao mar através de canais, a sua situação geográfica como confluência de rotas, terrestres, fluviais e marítimas explica uma parte da sua ascensão medieval, como pioneira das grandes cidades no fim do ciclo das trevas.
Uma grande tempestade entupiu o canal, e tornou-a mais longe do mar que a rival Antuérpia, mais próxima do abandono e mais longe das modernas influências arquitetónicas dos novos ventos do progresso, tão perto mas tão longe do mar.
Suficientemente longe para não ser atingida por nenhuma das destruidoras guerras do século xx o que a transformou provavelmente numa das mais mais bem preservadas cidades medievais da Europa.

E apesar do som dos cascos dos cavalos na calçada polida nos remeter para os primórdios das da Era das Trevas, num cenário de muralhas castanhas e clausura monasterial, nada mais nesta paisagem urbana se assemelha a esta visão romântica do “Nome da Rosa” porque a altura das torres e o esplendor dos palácios nos revela que penetrámos num reino que nasceu, viveu, morreu e ressuscitou, exclusivamente por razões de pragmatismo comercial


sábado, 26 de abril de 2014

Altitude O – Os Condes da Europa (O toque de Midas)




Viajar pelas províncias unidas dos países baixos é um esforçado retorno aos primórdios da Europa, enquanto esforço de construção de Estados por entre uma mescla de regiões, tribos e dialetos.

Pelo meio do dia de um Sábado de Abril, aproximamo-nos convictamente do século XIV, mas ao contrário do que se poderia esperar de uma região que também foi proeminente por causa da sua capilaridade fluvial, viajamos de cavalo de ferro, a grande invenção europeia do século dezanove.
Porque somos muito modernos!

Vários séculos depois de 1300 e do início do domínio dos Borgonha, e algumas décadas apenas depois do emocionado juramento de uma Europa Única – os propalados Estados Unidos da Europa – pressentimos na insatisfação flamenga uma questão não resolvida, apesar dos inúmeros juramentos, casamentos e traições, guerras e secessões.

É triste a paisagem neutra que desfila pela província plana, depois do átomo – o único símbolo de modernidade? – ter-se escapulido pela janela direita do comboio em andamento, depois do rapaz com cheiros fortes ter mudado de lugar sem saber onde se sentar.
A neutralidade não é uma característica muito interessante, nem na paisagem nem na vida, presente ou história.
E os flamengos continuam zangados, tristes e um pouco confusos.

(Por isso não me esqueci de referir que o rapaz flamengo de cheiros fortes, não cessava de mudar de lugar)

Apesar da província triste que desfila junta à janela esquerda do nosso comboio ter virado um estaleiro, em todas as terras – e o comboio parou em dezassete, entre Bruxelas e Bruges – asfaltos levantados, estações férreas em reconstrução acelerada, o castanho dos campos e o cinzento das obras de construção, sugerem uma mão de pai.



Se calhar é por isso que, ao contrário da batalha das esporas douradas de 1302, em que os artesãos flamengos, armados apenas de lanças derrotaram os lordes franceses, roubando as esporas dos humilhados cavaleiros, porque os impostos lhe tolhiam o empreendedorismo e a sua vocação comercial, a revolta de hoje repousa na retórica e nas sombras do centralismo europeu que lhes foi concedido administrativamente pelos burocratas do Estado Social e da Grande Nação Europeia.

Não vislumbrámos lanças em riste contra este toque de Midas.


Segundo a mitologia grega, Midas foi um rei que viveu na Frigia no século 8 a.C. 
Muito rico, tinha mais ouro que qualquer pessoa no mundo. Passava horas a contar a sua riqueza em enormes depósitos e porões do seu palácio. Porem ele não estava satisfeito. Segundo a lenda, uma noite apareceu um homem vestido de branco diante do rei Midas e concedeu-lhe um desejo. O rei imediatamente desejou ter o toque de ouro; assim, tudo o que ele tocasse viraria ouro. Quando Midas acordou pela manhã viu que seus lençóis de linho puro se haviam transformado em ouro puro! Espantado levantou-se e, ao tocar em sua casa esta também virou ouro. “ É verdade”, gritou, “ eu tenho o toque de Midas”. Quem não desejaria ter esse toque? 
O rei foi tomar o seu pequeno-almoço e, quando tocou no seu pão, viu que o mesmo se transformou em ouro 
Ê em tudo mais em que tocava, se transformava em ouro.
O Rei ficou assustado e apreensivo e pensou: “se a comida vira ouro o que vou comer?”
Nesse instante, sua filha Aurélia entra no seu quarto e corre para o beijar. O rei, sem pensar, tocou nela e beijou-a.
Estranhamente, ela ficou parada no mesmo instante, linda e sorridente, a garota transformara-se numa estátua de ouro. O rei grita desesperadamente, porem nada podia fazer pois desejara isso e seu desejo tornara-se realidade.
Como é uma lenda e todas as lendas têm uma moral da história, o ser vestido de branco aparece novamente ao Rei e pergunta-lhe: 
- Porque estás triste? Não lhe dei o que mais amava?
E o rei responde:
- Não, o que eu mais amava era a minha filha! 
- Então quer me dizer que prefere um pão e um cálice de água do que todo o ouro do mundo? -Sim - responde o rei e prossegue,” dou toda a minha fortuna se me tirar essa maldição que coloquei sobre mim e a minha família”, lamentou Midas.
“Tudo o que realmente amava está perdido para mim ”. 
Segundo a lenda, o ser vestido de branco mandou que Midas se banhasse numa fonte onde lhe seria retirado o toque de ouro e que trouxesse um pouco de água, para lançar sobre sua filha e tudo mais que ele quisesse restituir à sua forma original. 
Assim, o lendário rei Midas desistiu de bom grado de seu toque de ouro e alegrou-se com coisas simples como a família, a vida, comida e a beleza natural.



Nem vislumbrámos lanças em riste contra os seres vestidos de branco que quase lhes tiraram o feitiço.



Mas não há duvida para quem percorre as terras baixas que são os canais que mantém viva a fé flamenga destes católicos que falam uma língua protestante.

Se calhar por isso tristes, os flamengos!

Sempre limpos e arrumados, os canais e os rios!
Dicotomia entre a água e a paisagem terrestre.

Convenço-me de que é necessário conhecer melhor a História e as suas versões, para entender estes lapsos de cor, cuidado e estética, num lugar da Europa muito propenso ao verde, organizado e limpo.


Sempre em altitude 0, com uma perceção omnipresente de um mar tão próximo quanto alto, que contudo, raramente se vê.