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terça-feira, 27 de agosto de 2013

O bando dos quatro - Parte 4/4


E na manhã seguinte, o sapo gramofone descobriu um mundo novo, novos sons que se adivinhavam atrás dos muros brancos, que ele não podia ver, mas ouvia e, pelos sons, sentia-se longe: o amolador de facas pedalava no beco assoprando numa tão aguda gaita que assombrava o sossego das redondezas, as bilhas de lata que chocalhavam na quintinha da Dona Ana, sinónimo de vaca ordenhada, a única que a velha ainda guardava entre os exíguos pastos que se acercavam dos prédios e a barraca indómita de onde ela, e a vaca, pareciam renascer todos os santos dias.
Depois, apenas escuridão e silêncio – na ótica batráquia, bem entendido – afinal de contas, as bases científicas do Einstein eram consistentes e a inalação do composto anestesiante transformou o gramofone (o sapo) numa bela adormecida, tão real o efeito quanto qualquer filme de animação, produzido pelo cinema americano (mais tarde viriam os desenhos animados checoslovacos, esses menos realistas e mais alternativos) que durou até que as gotas de suor do enrascado Einstein o acordaram da (seca) letargia de anfíbio fora de água.
Mas aquelas faenas no pátio da escola primária não passaram despercebidas aos rivais da rua de cima. Na noite seguinte, em que os diplomados Einstein, Juiz, Passarola e Moshe já se interrogavam (cada um para si e todos com ninguém) o que fazer com o sapo que já dava trabalho que chegue para humedecer permanentemente aquela fria pele de réptil, e era preciso arranjar uma solução que não lhes estragasse a reputação, e os pais que não os largavam com as sábias advertências de que aqueles esbugalhados bichos tem venenos tóxicos (vejam lá bem a cena), a solução veio dos fanáticos rivais da rua de cima.
Bem pela noite dentro (os básicos bárbaros da rua de cima viviam sob um controlo parental bem mais frouxo, uns verdadeiros selvagens) saltaram os muros de metro e meio, vandalizaram a improvisada gaiola do sapo, espezinharam as plantas que, por ali cresciam selvagens, e raptaram o atónito gramofone que, desta vez, pouco se queixou porque o instalaram numa caixa de plástico (fechada é certo) repleta de água e mosquitos e a única dissonância na rescue box era aquela palmeira de plástico, espetada no meio do lago, que desvendava a sua origem como um remoto lar de uma qualquer tartaruga centenária, fugitiva dos maus tratos impostos por algum dono menos zeloso.
Suspeita-se que a ação de resgate no quintal dos caracóis tenha sido uma afirmação de força da turma concorrente e com um objetivo preciso de obrigar o bando dos quatro a engolir os sapos do seu atrevimento.
Provavelmente o gramofone foi despejado novamente na cova dos sapos – há testemunhas oculares pouco fiáveis que garantiram este destino – mas nenhum dos membros do bando se mostrou particularmente entusiasmado em procura-lo; as férias estavam a chegar e as novas ideias brotavam-lhes da mente com uma velocidade tão alucinante que já só pensavam nas expedições à terra do Sal, nos mergulhos na lodosa praia fluvial, na operação especial de vigia aos aviões da base aérea…
Numa madrugada da Primavera seguinte, vieram os tanques e os soldados a sério e invadiram o solitário e isolado reino de batráquios, transpuseram os montes e enxugaram o pântano, prenderam o rei sapo e exilaram os seus súbditos para um lago longínquo.
Começava a revolução dos cravos!

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O bando dos quatro - Parte 3

Pela estrada real fora, evitando os ruídos e de lanternas apagadas, as bicicletas dos quatro ao anoitecer, ainda com uma pontas de céu avermelhado, sentiam-se os justiceiros do faroeste e depressa se acercaram do local de combate.
Lá em baixo no charco, a família de sapos, chapinhava tranquila no lodo húmido do vale, confiantes que depois do pôr-do-sol não haveriam visitantes indesejados que interferissem entre as suas compridas línguas e os milhares de mosquitos que pululavam por todo o lado.
Com um toque no braço do Einstein, Moshe apontava para o rei sapo, que se pavoneava na pequena poça de água que sobrevivia ao Verão. “Vocês distraem-no e a gente apanha o júnior, o gramofone, é para ele que vocês apontam a lanterna”
E o ataque foi relâmpago. Na desorientação das luzes apontadas nos múltiplos olhos dos batráquios, cercados pelas sombras do terror juvenil, o Passarola jurava no rescaldo que eles chocavam uns com os outros, pareciam baratas tontas, e o juiz, o dono do camaroeiro atacou o sapito, tão atarantado que tinha fugido diretamente para dentro da rede.
“Já está” – gritou triunfante – Podemos zarpar
O ambiente no charco após ataque devia ser dantesco, apesar de ninguém lá ter ficado para contar, mas também não era preciso, porque a excitação e adrenalina levava cada membro do bando dos quatro a exacerbar a bravura do feito – afinal de contas tinham sido quatro humanos contra seis sapos – e rezam as crónicas que o Moshe terá revelado, no posto de comando, situado no quintal do Passarola, qua as colunas de fogo subiam mais alto que os montes Golan.
“Não seria antes a poeira das nossas bicicletas?” – O Juiz decidiu estragar a satisfação do Moshe, aliás desnecessariamente, porque todos eles sabiam que não havia bombas – nem de mau cheiro – no arsenal do bando dos quatro, mas uma boa história deve conter ingredientes especiais.
O Einstein era o único que se preocupava apenas com os aspetos práticos associados a este rapto. Enquanto prendia as pernas ao sapo com uma linha quase invisível, “Não estragues o bicho” – resmungava o Passarola – “Senão não tem piada!”, o batráquio olhava para ele de olhos bem esbugalhados, sem piar nem se mexer, “Está vivo?” – perguntava o Moshe, “Sim, bem vivo, e o que fazemos com ele amanhã?”
Olharam uns para os outros “Não o podem deixar por aqui à solta no quintal, a tarde toda”
O pobre sapo não entendia de todo o que se passava, Enjaulado numa gaiola de pássaro, com um prato cheio de mosquitos mortos à sua frente, encharcado até às entranhas de um duche de mangueira que deixara este quintal cercado de muros brancos como uma gigantesca poça de água – na dimensão do sapo, bem entendido – abandonado e longe da sua família anfíbia, cercado de caracóis e de ervas daninhas, o batráquio sentiu-se verdadeiramente infeliz. Só as estrelas eram iguais

domingo, 25 de agosto de 2013

O bando dos quatro - Parte 2

Não fui eu! – Protestou o cientista júnior, apontando para o desenho e para a poça que agora esborratara a folha de papel, perante os múltiplos olhares reprovadores de quem havia decidido que, aos nove anos, não havia lugar para estas ousadias
Mas era impossível não ser obra do E., porque sapos não saltam de desenhos coloridos e a mancha de água não era o charco do sapo mas sim da lágrima exasperada de um pintor fracassado e nem nas histórias de encantar os desenhos ganham vida durante o exame da quarta classe.
Os outros putos da trupe entreolhavam-se, divertidos pelo sapo gramofone que agora trepava paredes, soltava ruídos guerreiros e depois olhava fixamente o horrorizado mestre-escola, de cima da carteira do jovem estudante com vocação geopolítica, mas desconsolados porque parecia comprometido o troféu de guerra do fantástico assalto ao charco de ontem à noite.
Sim, algo devia ter corrido mal, porque o Einstein assegurara que o batráquio não se escapuliria do bolso direito do seu casaco de fazenda – que o assava em pleno Junho, mas a causa o exigia – porque, na mesa de experiências da cabana do quintal tinha-lhe administrado uma dose de clorofórmio que dava para adormecer toda a sapolândia, bom, julgava ele!
E, perante o olhar interrogativo do juiz imperfeito, encolheu os ombros sem resposta científica para este acontecimento procurando, com cada um dos seus olhos saltitantes, controlar os estragos, como iria ele recuperar o sapo, convencer o mestre-escola que era apenas um acidente e que, por isso, não merecia ser condenado com um humilhante chumbo e umas orelhas de burro no canto da sala, a não ser que fosse no mesmo canto onde o grafonola se refugiasse.
Passarola voadora, o quarto membro do gang dos putos assaltantes de charcos, era mais aéreo que todos os pássaros da rua deles mas, num assomo de clarividência, tomou a decisão certa; entre o troféu de guerra e o exame final, optou pelo último, pegou rapidamente no anfíbio grafonola – que, fazendo jus ao seu cognome, não parava de emitir sons roucos e histéricos – e lançou-o janela fora, para o campo de futebol empoeirado que havia de petrificar o dito sapo, e dar-lhes tempo de recuperá-lo.
Tão rápido o fez que acalmou a ira dos mestres, tirou o pio ao sapo, recompôs os amigos e contribuiu decisivamente para salvar a carreira académica do bando dos quatro.
E enquanto recebiam as festas e os diplomas da família, dos (agora) tiranos mestre-escola, a bênção do especial convidado Padre Manuel, de tão pitosga nem se tinha apercebido da epopeia dos sapos, E. recuperava na memória a epopeia da noite anterior (e o passarola o sapo grafonola, discretamente repescado da imobilidade – ele, passarola, sabia – da poeira do recreio e da sombra salvadora da figueira que, por ali, algum dia alguém tinha plantado)
Tinha sido um momento épico, cuidadosamente planeado sobre a supervisão do puto com vocação geopolítica – o seu verdadeiro nome, salvo as conotações (aliás por todos eles desconhecidas), Moshe Dayan, o estratega da guerra dos seis dias – que, nestes momentos de glória, não dispensava a pala no olho, em recorte cuidadosamente elaborado do resto de umas calças de ganga boca-de-sino, esfarrapadas após muitos anos de combates de rua, emboscadas aos putos da rua de cima e expedições na poeirenta estrada real, para os mais ignorantes a pala do pirata da rua de baixo.
Apesar de ser véspera do famigerado exame, e o juiz imperfeito – assim apelidado pelos mais velhos da rua, os experimentados liceais e malfeitores da rua de cima, porque o pai era juiz e o puto tinha uma testa demasiado saliente e pronunciada – insistir que o dia não era o melhor, os pais iriam questionar-se desta saída noturna e era preciso rever as mastigadas matérias que tinham sido treinadas em múltiplos ensaios parciais e gerais,
(toda a gente sabia, afinal de contas viviam numa aldeia, quais eram os problemas, o tema da redação e do desenho sobre os quais iriam prestar provas amanhã, ninguém duvidava que no exame da quarta classe ninguém chumbava porque os burros, os lorpas que não eram capazes de soletrar ou escrever duas palavras seguidas sem erros, esses, não eram convidados a prestar provas) 

Passarola, porque era alto como uma avestruz, cabeça pequenina e passava a vida a sonhar, não se sabia bem com o quê (havia quem jurasse que a alcunha tinha alguma coisa a ver com o professor pardal) tinha sido o principal apoiante do Moshe, “Tem de ser hoje, porque é lua nova” e o Einstein percebia bem as vantagens de atacarmos os manhosos dos sapos numa noite de lua cheia, “É o efeito surpresa, entramos na poça pelos montes Golan, dividimo-nos em dois grupos, o Einstein e o Passarola pela direita com as lanternas prontas e nós pela esquerda com o camaroeiro em riste”, eram as ordens do Moshe.

sábado, 24 de agosto de 2013

O bando dos quatro - Parte 1/?



Ele olhou para o desenho e teve vontade de chorar. Era pavorosa a composição de cores berrantes que mal preenchia aquela folha de linhas com uma dobra à direita, que o separava a punitiva prisão que se chamava primária da primavera libertadora que adivinhava no ciclo preparatório.
Mas uma lágrima fortuita foi o suficiente para dar vida àquele borrão de cor a que o solene e assustador júri chamava de prova de desenho. E logo a folha de papel ganhou relevo e, entre montes, arvores e aquela casinha tão primitiva quanto tortuosa (até a chaminé fumegava direita ao Sol) a poça transformou-se em lago e emergiu a cova dos sapos, tão reais eram os sons dos sapos aos saltos que ele se assustou, naquela carteira de sala de aula, uma combinação de cadeira e mesa castanhas, de inclinação vertiginosa para as inseguranças dele e para os lápis que não cabiam na ranhura a eles dedicada
E um sapo saltou da poça, da folha de papel, do desenho inacabado e infeliz, salpicando as lunetas arquejantes e bem construídas do menino Einstein.
Saltou da poça, a única superfície molhada da cova dos sapos, um acidente físico de origem desconhecida, repleto de dunas arenosas e um patético charco, que evoluía entre uma sombra de lodo e uma piscina infantil, natural é certa, mas suficiente para manter ativos os seis sapos que, por ali, tinham decidido permanecer, bem para além dos Invernos rigorosos de outrora
Mas havia lei e ordem no charco: havia um rei, o rei sapo, e a miudagem que preparava romarias ao longo da poeirenta estrada real, logo o tinham identificado no alto do seu grande papo, papo de sapo bem entendido, papo de rei repetiam os putos, habituais salteadores destas remotas paragens.
Bem, remotas para quem tem nove anos e umas bicicletas tão remendadas quanto os seus joelhos, que os calções não escondem e os travões não travam!
Do cimo dos montes Golan – um dos putos tinha vocação geopolítica, e esta linguagem militar pretendia identificar, sem equívocos, o ponto mais alto do mundo dos sapos - avistava-se, se bem que remotamente, os últimos prédios da vila, o parque municipal…
…E o Tribunal – sentenciava o outro puto, o juiz imperfeito
Esta comunidade de anfíbios vivia a sua perene vida entre os montes e seus arredores e durante o dia evitava afastar-se do charco – ou lago conforme a chuva e a altura do ano – porque aqueles putos não eram de confiança.
Com o rei sapo viviam os seus súbditos: A princesa batráquia, o sapo gramofone, o anfíbio maratona,

E neste dia tão decisivo para o jovem Einstein, foi o sapo gramofone que decidiu dar vida à prova de desenho do pretendente a cientista sem vocação para a arte de desenho e invadiu a sala de aula aos saltos, de secretária em secretária, júris incrédulos e outros assistentes eufóricos por esta demonstração de natureza viva no salão de mestres de escola, velhos descendentes dos dinossauros…

quinta-feira, 25 de julho de 2013

As asas do desejo - Parte 5/5


A onda das memórias, instáveis mas profundas, arrastaram Pedro para as penumbras daquela sala mágica, para aquele concerto, Fausto de seu nome, as luzes que focavam o artista, vermelhas e quentes, o coro de vozes que pairavam por este rio acima, uma comunhão de corpos sentados no chão, junto ao palco, com um odor a paixão e a erva, olhares bem acima, mentes transportadas para a epopeia dos Descobrimentos, em tom de folclore, redenção e exaltação daquilo que julgavam ser o espírito revolucionário em fase de apagamento, mas que não passava de um tolo orgulho nacional, numa época de formidáveis aventuras e acima de tudo a música era linda, inspiradora...
- És tu?
A campainha da porta tocou.
- Sim, conheço as Asas do Desejo de Wim Wenders – A inacessível Cristina, aparecia do outro lado da ombreira de telefone na mão direita, dois bilhetes de um qualquer comboio sem destino impresso, igual ao deslumbramento inicial, sedutora de tão distante, igual aos sonhos destruídos de um poeta inseguro.
- Um anjo não argumenta!
Três anos depois! Acaso ou destino? Pedro não sabia e Cristina não lho explicou.
- Hoje os céus de Berlim estão cheios de asas.
-?
- Sabes que dia é hoje?
- 9! É pressuposto lembrar-me de algo?
- A partir de hoje sim! O muro está a cair!
E sem que Pedro pudesse ou soubesse argumentar que não devemos provocar o destino, que a verdadeira liberdade é partir, que a conversa do Wenders era apenas retórica existencialista, e que sem muro deixava de haver inacessível, e tudo era …., Cristina, pousou os bilhetes sob os seus olhos e sussurrou-lhe ao ouvido:
 - Carruagem 21! Amanhã de manhã. Partirmos é sinónimo de chegar, como dois sinais menos que se anulam…
- Berlim não é uma cidade de amor e encontros
- A revolução é o laboratório de amores épicos…
-…e impossíveis!
- Não, se o mundo hoje mudar para sempre, estaremos definitivamente ligados como siameses à centralidade…passada e futura!
Incapaz de fugir, de evocar a timidez genética, a solidão criativa, a indecisão perante os maus momentos que inevitavelmente se seguem aos bons, Pedro limitou-se a suspirar:
- As asas do desejo!
(continua) se nós quisermos.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

As asas do desejo - Parte 4/5


 
- Começas tu ou começo eu? – A descoberta assumia contornos mais íntimos, definitivamente mais interessantes, mas o receio aumentava com a inevitabilidade do próximo encontro, desapontamento ou paixão, qual deles o mais embaraçante?
E ela começou.
Nem sequer pestanejara! Não sentia qualquer arrepio, incerteza ou vontade de me perder na irracionalidade permitida por uma flácida ânsia sexual!
Chegava de comodidade, de não repudiar a idolatria patética e repugnante daquele forcado que me feria de morte, tédio e repetição, os copos e as bebedeiras, os amigos e as não conversas, enfim nada de novo, nem mesmo sexo!
- Não havia portanto pontos fortes para explorar a chantagem ou o temor!
E ele lambia-me as feridas sem eu lhe pedir, e eu confortava-me de que dali, não haveria nunca surpresas, era socialmente aceite…enfim a nossa filha, não sendo desinteressante era tão pouco social, tão interior e introvertida, uma intelectualidade que sobrevoava as pessoas, a gente e os interesses comuns, que talvez tivesse tido sorte com este jovem, nada de brilhante, mas muito apresentável.
- Estás mesmo a contar-me a história do teu exílio? Creio que uma das características dos introvertidos não é decididamente telefonar à noite para casa de desconhecidos a meter conversa.
– Pedro protestava e começava a considerar que, ao telefone, a aparência engana mesmo, e a sua preocupação tornava-se exponencial!
- Estás a precipitar-te! Ainda não cheguei á parte da história onde me emancipo!
No final daquele dia, apenas desejara que o comboio se apressasse, que o anúncio não tivesse sido retardado aqueles intermináveis minutos.
- No dia da emancipação…
- Sim!
Sentia-me loucamente longe destes trajectos, que sabia serem derradeiros, mas sempre repetidos como os silêncios que povoavam as nossas tardes de Sábado, nos pontões da linha de Cascais.
De manhã, havia-me esforçado por perder todos os comboios que me conduziam à verde certeza de uma recepção amarga.
Mas nem os acidentes na Linha, nem a chuva de pedra que entardecia a manhã, me impediram de partir!
A minha partida para Paris estava decidida, comunicada á família, preparada e o destino já esperava por mim…seria hoje no comboio das seis!
Só ao meu desapontamento amoroso, ainda hoje não encontrei a palavra certa para lhe chamar, nada tinha dito.
Ele representava tudo aquilo que decidira, um mês antes, repudiar e negar.
Por isso aceitei aquela Bolsa de Estudo. Queria adiar o retorno a professora de uma qualquer escola da província triste e desconsolada, destino mais que sagrado para quem se enfia em Letras.
Tinha a certeza que a centralidade (aquela que tu tanto gostas) seria o melhor remédio para a minha emancipação e provável solidão.
Não lhe dissera antes, não por vingança, sobretudo por irrelevância. Quantas feridas procuraria ele lamber? Durante quanto tempo? Não, preferi não lhe dizer!
Como lhe poderia explicar que a nossa relação não tinha futuro, porque nunca tinha tido passado?
Tinha-lhe mentido?
Cristina tinha desligado Pedro desta confissão e assumia, sem rodeios nem pudor, o discurso directo, na segunda (e abandonada) pessoa.
Não. Apenas abanara a cabeça, ignorara as interrupções, como eu sabia prolongar as tuas ausências sociais com uma infinidade de coincidências da minha vida cultural, estudos e exames, família e descanso!
Quis partir porque não há o direito de perpetuar a infelicidade!
- Quantos anos?
- Alguns…
Porque não telefonaste?
O teu apartamento de luxo recebeu-me com o receio de quem é acordado sem aviso, esta é a resposta possível de uma relação não assumida, e eu que ainda não me apercebera porquê tanta fascinação da tua parte, seria o intelecto?
Senti-me tão insensível quanto esperava, aos jarros de sangria que nos apresentaram, á primeira noite que simulámos fazer amor na tua carpete da sala, às defesas por mim erigidas…
E como em todas despedidas, as palavras e os retratos de um dia a dia intermitente, já na primeira pessoa, soavam a falso, como se fosse importante falar-te do meu novo projecto, enquanto insistias em chumbar, em protelar tudo o que vagamente te lembrasse as palavras crescer e mudar, ludicamente perdido nos teus vinte e quatro anos, deslocados num mundo de adolescentes fantasistas.
- Afinal tudo se resumiu a um desapontamento de amor!
- Não estou convencida disso!
- Despediste-te assim, sem mais nem menos, á porta do apartamento do tipo, adormecido e atordoado num pijama de cornudo, já de mala às costas?
- (risos) Mais ou menos!
- E…
- Não reagiu, não acreditou, convidou-me para almoçar e jurou que esperaria por mim… e esperou!
E eu parti de táxi, e apercebi-me na altura que, de forma tão veloz e decidida como sempre, quando o visitara e precipitadamente saltava dos lençóis mornos, fugia de uma vila e de um homem que me atrofiava a vontade.
- Não partirias se encontrasses paixão.
- Insistes…Será assim tão simples?
- Não. Acredito que não há amor que resista á procura do nosso espaço próprio, pelo menos no médio prazo…
- Não há amor que resista ao nosso egocentrismo…quando o ego nos submerge!
O que não é linear que aconteça sempre e a toda a gente!
- Mas terias tu percebido isso, se não fosse o enfado?
- E será assim tão complicado e absoluto?
- Não sei! E quando foi tudo isto?
- Há dois meses. Finalmente o comboio chegara. Depois da despedida recusada, saltei para a carruagem 21, libertei-me fisicamente daquele Sábado de Verão chuvoso e embrulhei-me no Sud Express, destino Paris!
- Carruagem 21?
- Coincidências?
- Tu juraste que éramos espelhos…
E ele não precisou de começar.
Primeiro esquecemos os cheiros, depois a voz e os apelidos…só nos resta os nomes próprios, a imaginação do que teria sido mas nunca foi e, subitamente, um rosto!
Era definitivamente A Cristina que a sua mente inquieta e emocionalmente tremida o tinha impedido, três anos antes, de seduzir no concerto da Aula Magna, mesmo quando ela lhe tinha sugerido que os espelhos nunca se quebram.

terça-feira, 23 de julho de 2013

As asas do desejo - Parte 3/5


 
- Boa noite, alma gémea!
A surpresa já se transformara em esperança, o toque de telefone que coincidia com o desdobrar da chave na fechadura, era um garantido prolongamento das noites de uma insónia latente.
Era assim, todas as noites fossem tardias, todas as tardes, sempre que o por do sol me assustava…
- Já não me imagino chegar a casa e não sentir a tua companhia do outro lado da linha.
- Eu imagino-te a chegar…
Era evidente para Pedro que as coincidências têm limites e a voz pressentia vizinhança, olhares envergonhados e fortuitos, Bom dia balbuciado nos corredores ou nos elevadores!
- Continuo sem adivinhar de onde me escutas e pressentes.
- A impaciência tolhe!
- O sofrimento aguça a curiosidade
- Ai sim?
Já pensaste se és ou não afinal uma mente exilada?
- Não tenho memória suficiente para me recordar. Parti porque queria envergonhar o destino…
- E chegaste a um mesmo destino! – Atreveu-se a voz sem grandes certezas
Mas Pedro parecia não a ouvir.
- Os primeiros meses dessa antiga nova vida, no recém-adquirido ensino superior, representaram um duro amanhecer de longos dias de incomportáveis descobertas, um sucessivo desvanecer dos sonhos da adolescência, uma inexplicável capacidade de absorção de sentidos, uma maquiavélica e paciente aprendizagem dos extremos, sistemática moldagem de comportamentos, dourada insistência na preparação de uma elite, uma geração obrigada a absorver décadas de vazio, de Estado Novo, de figuras paternais, de revoluções de cravos, da queima de soutiens, de inflação, de choques petrolíferos, do small is beautiful, dos modelos de crescimento sustentado, das expectativas redentoras de um novo mundo, tudo em passo acelerado, comprimido, estilizado, impresso como marcas de fogo nas nádegas de loucos carneiros de uma nova existência.
- Era assim tão tenebroso?
- O sucesso prometido era tão inebriante quanto os efeitos de uma dolorosa cirurgia plástica que nunca mais cicatriza, mas promete eliminação de gorduras desnecessárias, lábios defeituosos, cérebros incapazes, e as visões de uma nova vida de aventura, descoberta de seres, partilha de ideias loucas, derrube de barreiras, fronteiras, uma perturbante recompensa de estarmos vivos, sem sabermos o que desejamos, lendo em voz alta poemas de António Sérgio, reclamando a nossa juventude.
- Então a culpa foi do António!
- Foi dos genes. Quando parti pela primeira vez já não consegui mais parar de partir. É uma adrenalina impossível de conter
- Um curso superior a meio…
- Uma série de sonhos que só se alcançam na solidão e no desconforto do efémero.
- Já adivinhavas tudo isso?
- Vá lá, não me sobrevalorizes! Os sonhadores nunca antevêem o lado negro e obscuro do seu sonho.
- Mas voltaste a atracar…
- É diferente viver no centro da Europa
- Ah! A busca desesperada da centralidade
- Não. Em busca da partida fácil, perto de tudo, longe das explicações, das prisões e dos freios sociais
- Nada de prisões especialmente emocionais?
A primeira pausa da noite foi atravessada por uma gargalhada desproporcionada ao sentimento da pergunta, ao atrevimento da voz.
Absolutamente feminina, esta necessidade de se certificar de que não existem concorrentes, os tais empecilhos emocionais – Pedro adivinhava-lhe a intenção mas a resposta não saiu.
Porque ris? – Seria inquietude ou desilusão, a insistência da voz?
- Não faço a ideia do que isso representa! Sou um sentimental, mas pelas causas dos outros.
- Queres dizer que nada se atravessa entre ti e essa miragem tua de navegador de asfalto ou de carris!? A paixão compromete a descoberta? Nunca sentes que tanta descoberta é cansativa, não serve para nada, a recompensa não tem corpo, porque não há ninguém já á tua espera, quem sabe para te abraçar?
- É assim que te sentes? – Pedro teve um palpite e não conseguiu guardá-lo para si, este era o fascínio destas conversas nocturnas e sem rosto. Não havia freios. E, sem percebê-lo, mais uma vez se defendia dos sentimentos, não fossem eles fatais.
- Desde que te vi, que tenho a certeza de que somos espelhos…
- Como se chamava a tua última desilusão?
- Tomas! E a tua?
- Cristina!

segunda-feira, 22 de julho de 2013

As asas do desejo - Parte 2/5



Há três anos que Pedro vagueava de corpo e alma nesta cidade que se acomoda aos espíritos vadios, aos seres desalmados, acolhe todos com o mesmo desprezo, sem vontade mas com a condescendência de uma cultura superior e de uma monumentalidade boémia que, por definição, pertence ao mundo!
Chegara a Austerlitz como um intruso, numa noite de Verão tão chuvosa que o arrastou para uma violenta tristeza que pingava do oleado que o cobria e lhe vincava as feições assombradas de um ser que amedrontava os vagabundos de Paris, de tão errante, de tão desconcertante ele próprio se sentia!
À porta da Gare, desolado pela tempestade que o recebia, investira contra a cidade revolta na última das suas mirabolantes partidas, que se haviam tornado progressivamente compulsivas que apenas podia significar uma incontida vontade de estar só, longe e sempre a partir, sempre o novo, o desconfortável o não familiar!
Mas em nenhuma destas fugas havia causas nobres que justificassem este exílio, (curioso que fosse uma misteriosa e bizarra voz que lhe lembrasse este simples facto da vida) e ele tinha a certeza de que, mais uma vez, se iria embrulhar num jogo de retórica inconsequente, com a desvantagem de ser apenas com uma voz!     
Estendeu as pernas sobre a mesa (a única mesa do pequeno apartamento com vista para as costas da cidade, tão polivalente quanto os seus ideais de vida), procurou embalagem no balancear da improvisada poltrona e conformou-se sem convicção e com ondas de auto comiseração:
- Presumo que lhe sou de alguma forma (e acaso) familiar, ou estamos apenas destinados a nos encontrar na esquina, entre duas linhas trocadas? – Era o melhor que conseguia responder
- Eu perscruto vestígios de desencanto na voz, demasiada melancolia e descrença, tudo tão excessivo que fere, tantos números acima da idade que vestes, provavelmente não mais de vinte e dois…
-…vinte e três!
- Uma voz demasiado quente para tanto azedume! – A voz insistia
- É o nevoeiro que não nos permite vislumbrar o luar, a luz esmorecida de uma liberdade sem rosto….
- Sem raízes e sem conforto!
- Eu diria que lês as cartas como profissão – Pedro esboçou um sorriso que julgava imperceptível, sinal apenas de mais um período consumido por entre vielas e retratos de um bairro adormecido.
- Afinal o nosso herói também sorri, não apenas ironia…
- É de surpresa! O que fazes por aí, do teu lado da linha?
- Procuro almas gémeas, não leio cartas, pressinto que és um ser fascinante de incertezas, um sonhador que canta baladas de uma nostalgia linda e insensata e que te moves de uma forma encantadoramente perdida por esta cidade em roupas que te afogam, sempre escuras e tão coçadas que até dói!
- Ah, afinal conhecemo-nos…
- Eu conheço-te – corrigiu a voz – Julgo conhecer-te por dentro da tua silhueta tão opaca, mas com tanto potencial!
As referências da voz indiciavam que o encontro era planeado, e que a sua ocasional, mas persistente carreira de trovador à hora, no pequeno bar da Rua das Silhuetas, tinha pelo menos uma seguidora que não se identificava por detrás dos focos, na escuridão dos vultos envoltos no fumo e nos vapores do álcool noctívago.
Agora tinha a certeza de se tratar da versão feminina do anjo de rosto humano e asas brancas que sobrevoava a urbe…sim Paris fêmea, Berlim macho e sim os anjos têm definitivamente sexo!
E Pedro não pôde deixar de sorrir novamente, corando de desconforto perante uma evidência a que ele incapaz de fugir: vestir-se não era decididamente o seu forte e raramente acertava com o número de roupa adequada aos seus fugazes 60 quilos de peso!
E a conversa criou raízes, sem tema mas com destinatários precisos, a voz não identificada, tudo sentidos e descoberta, vaga como se querem as leves e inconsequentes seduções, rostos que se construíam sem pressa, com súbitos avanços e longos recuos, onde apenas as referências e as identificações eram omissas, por cautela ou sem razão.
E Pedro perguntou-lhe se conhecia as Asas do Desejo de Wim Wenders e ela não lhe respondeu.
Os anjos têm sexo, mas não argumentam.
E já Paris renascia da noite num amanhecer incerto, frio e nebuloso, quando ambos experimentaram a despedida, tão evidente se tornara que este era apenas o primeiro episódio de uma novela sem datas precisas, impulso e decisão dela, submissão, interrogação e fascínio dele, até Pedro começava a acreditar que poderiam existir almas gémeas, como se as almas pudessem ter corpo, “intangíveis como a poeira, sólidas como as pedras da calçada”, risos incólumes pela distância dos olhares incómodos, vozes que se alongam e se protegem por detrás da malícia e da timidez, também elas se partilham, se encontram e se tropeçam.
- Paira sobre as minhas dúvidas uma inquietante sensação de intimidade, destinos cruzados, ou seria apenas um turbilhão de cheiros, imaginação e solidão mal resolvida?
- (risos da voz, juraria com estridência) Verás que somos mesmo almas gémeas “ dust to dust, tears and love forever in a battle field called heaven”. Bons sonhos!
 

 

As asas do desejo – Parte 1/5


 
Pedro atravessava agora a ombreira da porta na incerteza de se encontrar com a sua sombra, mais uma noite de ressaca de emoções mal curadas, mal amadas e desvanecidas no nevoeiro que imergia a cidade, todo o ano, todas as noites, sempre com alguma pena de si próprio!
O telefone, como que por instinto, tocou!
- Boa noite! – Quem seria a esta hora?
- Como estás? – Uma voz levemente trocista mas sem dúvida feminina – É mesmo contigo que quero falar. Mas dado que acabaste de chegar, é melhor sentares-te, eu espero!
Não, não podia ser o reflexo dos torpores do álcool barato, engolido entre duas baladas e uma competição quase obscena de olhares insinuantes, rostos envelhecidos de mulheres solitárias, transformadas em restos de uma revolução tardia, um jogo tão lúgubre quanto os trapos que as cobriam. Era assim a noite na cidade, no pequeno bar escondido entre ruelas e trepadeiras, pátios cercados de vedações e um portão que insistia em ranger, degraus esgotados pela erosão dos séculos, retorcidos como o corrimão de ferro que empurrava os sonhadores para as luzes e para o fumo, um balcão corrido até ao fundo, mesas cheias de gente e histórias que se contavam em voz de tambor, o acompanhamento sincopado das baladas do jogral, viola no colo e notas bem puxadas ao sentimento e à atmosfera que Pedro jurava em voz alta já ter visto num filme qualquer, com muitos anos, sempre num qualquer antes da guerra, Paris no seu auge, como uma premonição de euforia antes que o mundo se consuma numa carnificina qualquer!
A voz era uma assombração mesmo real pós meia-noite com timbre de Cristina, definitivamente não Maria, talvez Paula ou Isabel, mas bolas como é que se podia ter uma voz daquelas àquela hora, simultaneamente tão rouca e profundamente (profusamente?) límpida?
- Devo pressupor que é engano, ou foi um Anjo que regressou à terra? – Respondeu Pedro, arrependendo-se antes de acabar, com este som estridente que ele não tinha conseguido controlar (pluf, saiu!), tão pretensiosa e desastrada.
Mas a voz não se sentiu incomodada e riu sem pressas, longamente, deixando transparecer de uma forma clara de quem era a iniciativa e que ela já havia decidido os seus atuais e próximos passos e portanto tudo era permitido a esta jovem, não lhe competia a ele agradar!
- Como sabes que acabei de chegar?
- Sente-se o teu respirar ofegante de quem entrou a correr em casa!
Sem perceber qual o grau impreciso em que estava a ser gozado, Pedro decidiu enfim sentar-se (deixar-se cair) na cadeira de lona vermelha comprada num bazar de bairro, um estuário de quinquilharias no seu preferido refúgio magrebino de Sebastopol!
- Tem nome, a voz? – Atreveu-se, inquieto com esta intromissão na sua concha desconcertante, (e nos últimos tempos, também desinteressante) no seu exílio urbano, independente mas deprimente, apesar de já ter aprendido a viver os tristes, gelados e nublados fins-de-semana do Norte longínquo. E a intensidade do incómodo inicial era tão evidente que nem lhe ocorreu a ele que podia ser um interessante engate nem a ela lhe soou ao alarme da rejeição, uma espécie de sensação “ que tipo de gajo será este que nem curiosidade aparenta? Ou será que lhe cheira a mãe solteira de um filho problema assim só pelo som da voz…ou pelo cheiro! Bolas não há cheiros por telefone…julgo eu!”
- A voz tem obviamente nome…para quem merece! – O ataque frontal e impiedoso parecia-lhe a terapia de choque ideal para um empedernido e solitário macho, ainda sem história, sequer!
O aturdimento desconcertante em que Pedro tombara, deixara-o sem fôlego no preâmbulo de uma fábula intemporal, em que todos os animais se entendem numa espécie de esperanto da natureza, seja qual for a selva, o tempo ou a história!
- Como é possível uma voz cristalina e em português no centro deste mundo tão gaulês? – A sua súbita e idiota perceção do improvável não deixava de ser cómica, não fosse a hora absurdamente tardia e a falta de discernimento alcoólico que envolvia a sua mente – Pressuponho que não é o acaso…
- A teoria das probabilidades joga a meu e a teu favor. Somos muitos milhares de mentes exiladas…
- O exílio não é uma escolha, e vivemos numa década de escolhas múltiplas. Parece-me uma palavra levemente desajustada…ou demasiado sugestiva! Talvez seres emigrados seja mais real, porque já não existem causas assim tão nobres que justifiquem o exílio…
- …só quando não é um estado de desajustamento permanente, ou simplesmente um estado de espírito!
Pedro não entendia esta provocadora insolência, uma familiaridade tão óbvia que só podia ser um sonho, e por isso mesmo hesitou e remeteu-se a um silêncio defensivo e comprometedor.
- Acreditas mesmo que não existem causas suficientemente nobres, que justifiquem o exílio, mesmo que aparentemente voluntário? – A insistência da voz estimulou a imaginação de Pedro, que definitivamente não lhe apetecia expor o seu íntimo, tão tarde, tão noite, tão cedo e tão-somente a uma voz.
- Para mim tens voz de Cristina!
- Cristina seja!