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domingo, 4 de setembro de 2011

Os fantasmas de Praga





Os fantasmas de Praga saem às ruas estreitas, sinuosas e desertas da velha cidade, todos os dias, sempre depois de anoitecer. É preciso vê-los, senti-los na predisposição de respirar os lugares, abrir os poros às lendas que sobrevoam os locais míticos (e amaldiçoados) da velha e pouco serena Boémia. 
O carrasco de serviço ao Reino frequenta a mesma taverna nos dias de execução – o grande circo do povo - junto da praça do mercado. O povo assim o suspeita: musculado, sempre a mesma cara todos os dias, apenas nos dias especiais. E bebe com a serenidade de dever cumprido, um dos poucos empregos pagos pela Coroa em pleno século XVII.
A cerveja une os vivos aos fantasmas, as vítimas, os carrascos e os espectadores.
O filho da bruxa falava com os fantasmas que pernoitavam junto à igreja e usava-os para extorquir dinheiro ao povo. Um dia decidiu intervir com o divino, com os fantasmas das freiras.
Correu mal, segundo rezam as (verdadeiras) lendas!
Perseguiram-no, arrancaram-lhe as roupas, a pele, a carne e depositaram os ossos junto dos fantasmas do exterior da igreja, que o odiavam. Foi um verdadeiro inferno de reduzida qualidade na sua vida eterna.
O assassino fantasma monge da jovem e bela prostituta (também fantasma) deambulam à volta do convento, entretanto asilo e agora Hospital, e conta – quem sabe – que continuam a discutir quem cometeu o pior dos pecados.
Emparedado só o rico comerciante espanhol que ousou pedir guarita numa noite de Inverno e tinha ouro, ouro que se perdeu com os tempos, nos fornos de uma padaria e na mulher do padeiro que morreu afogada no poço.
Confusas desgraças?
Bem-vindos às lendas de Praga em versão moderna. O Sol voltou e os habitantes da cidade expiam os fantasmas pelas ruas da urbe com a mesma alegria com que bebem cerveja.
E não os odeiam…bom, excepto o fantasma chamado comunismo: esse, fecharam-no no museu!
Hoje à noite, no regresso pela nocturna ponte de Carlos, havia sombras a pairar entre as estátuas, seres e cães – aqueles que morderam os testículos de S.Roque, enviados por Deus – os profetas checos olhavam-nos com olhares cépticos e sentia-se o reflexo de Kafka no rio Moldova.
Rainhas, marionetas e o Anjo da Morte regressam à ponte de pedra antes de a manhã despertar.
Passando de manhã, com o raiar do Sol, algumas das estátuas ainda tremem com o regresso fulminante das vagabundas almas nocturnas.

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