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quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

WAY TO INDOCHINA #17 -Long ride ahead


 No país profundo, a distância não se mede em quilómetros, mas também não se mede em horas, tudo depende. Quem sabe, nunca se quis comprometer, apenas um lacónico vai demorar.
Catorze horas e meia depois de sair de Thakhek ainda não tínhamos chegado a Vang Vieng, excedendo sempre as últimas expetativas dos dispositivos de satélite, porque não se adivinha o pedaço de estrada que se vai evaporar, um caos que se confunde com o caos da beira da estrada, a única certeza é que há, todos os anos, monções e que o alcatrão é, tendencialmente, insuficiente e de fraca qualidade.
Um contratempo para quem, como todos os que não o conhecem, imagina o Laos um santuário paradisíaco de meditação. 
Mas caos rima com Laos.
Atravessar o Laos de Sul para Norte é um longo purgatório , primeiro nas ilhas do Mekong, depois ao longo das planícies de tédio, subindo ao planalto de Bolaven e depois regressando a uma altitude zero onde a margem oriental do rio se confunde com fim da linha, e a faixa estreita de pó que o separa do Vietname não tem margens, esporadicamente uma fina tira de alcatrão que agrupa a vida das pessoas e da sua ruralidade em torno de uma ideia e das suas necessidades comuns, na fragilidade das suas vidas que se desfocam sempre que os restos de pavimento nos permitem avançar velozes, mas que nos permitem fixar o nosso olhar na agitação das bermas, quase como se pudéssemos viver a vida deles, nem que seja por um instante, quando desaparece a estrada e nós marcamos passo entre solavancos e buracos, sem margem que nos permita desenhar uma referência.
Até chegar a Vang Vieng, ao norte das montanhas e do turismo emergente, quando a realidade de um país de pescadores dá lugar a um longo rol de utopias cartesianas de Estado, comboios rápidos e barragens, exportadores de energias limpas ou, segundo alguns entusiasmos dirigentes, a nova bateria da Ásia.
E a Norte, quando as distâncias são mais rápidas e as visões da fragilidade humana são meras sombras entre a vertigem da velocidade e a escuridão dos túneis, ficamos mais próximos de uma visão romântica do país dos monges, da meditação e dos elefantes
Mas, catorze horas depois, a vertigem do caos sobrepunha-se ao poder da mente.  
À porta do 120 Club a música Lao jorrava num entusiasmo que não era proporcional ao glamour do local. Em Thoulakom, a cidade que parece nunca dormir, como Nova York.
Fomos transportados para aquela beira da estrada, da qual julgávamos ser apenas espetadores, a comer arroz frito em mesas com vista para a estrada, cobertas de toalha de plástico aos quadrados. A luz fria da noite cerrada do restaurante e final de dia contrastava com a outra margem, a cor quente dos clubes noturnos, longe das grandes cidades, uma afirmação de quanto maior a ruralidade e o isolamento, mais alto se ouve o remix Laos. 
Horas antes, na aldeia de Tha Bak, uma serpente jazia morta de boca aberta e sorriso rasgado, a aldeia de montanha parecia adormecida apesar da hora da manhã tardia, a mulher bomba era a única disponível para saltar para o barco construído com restos de bombas americanas que metiam água pelas juntas mas duravam as águas lamacentas rio acima até que as águas se separavam lamacenta na direção do longínquo mar, verdes subindo as montanhas
Como que vigiando a serpente liquidada, a dona do mercado das águas e dos legumes, carregava no som Laos remix, e a ponte metálica, que podia ser a do rio Kwai, estremecia com o eco do som que saia do velho barracão vazio para a aldeia vazia e para a curva da estrada de esporádicos transeuntes que se aventuravam na ponte, algumas motos, menos automóveis e um autocarro mochileiro que vinha de Vientiane e dirigia se a Ho Chi Min, certamente dezenas de horas a perder de vista, montanhas acima. 
E a mulher bomba, tão sorridente como desdentada, acelerava rio acima com a destreza de um veterano. 
Se ela me fosse capaz de entender até talvez lhe perguntasse onde estava ela quando os americanos bombardearam o Laos e como é que ela se protegia dos milhares de bombas que não chegaram a explodir.
Mas ela sorria sempre, há uma expressão de inevitabilidade condescendente em todos os sorrisos laosianos.
Independentemente da etnia de que são oriundas.




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