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sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

WAY TO INDOCHINA #6 - Saigon Express

 

São nove da noite no escuro largo da estação ferroviária de Nhim Bimh, duas horas a sul de Hanói.
Uma multidão de sombras aguarda pelo expresso para Hue, o primeiro percurso de uma longa cauda de dragão que se estende desde Hanói até Saigão. 
Mas o resto da cidade revela-se alguns números acima do seu tamanho, as largas e longas avenidas estão fora de estação, eu experimento um café que ferve de baixo para cima, sozinho na esplanada e no calor da noite, ninguém fecha as lojas só porque é noite, as fachadas de luz que são também a sala de estar ou de jantar da casa deles, estão sempre ao dispor dos clientes do presente, mas olhando especialmente para o futuro, porque são a primeira geração de pequenos empreendedores em casas térreas, os filhos da abertura económica do regime, que aguardam ainda as multidões que irão chegar de Hanói, mas eles vão chegar com o crescimento económico porque a paixão pela natureza e o lazer ativo não é um exclusivo dos povos muito ricos.
E, em Nhim Bimh respira-se a água e montanha, incenso e arroz, liberdade, ar puro e uma visão de que, para haver futuro, basta haver muitas pessoas e muita vontade própria.
No parque de estacionamento da estação, as mulheres da Indochina repetem os movimentos do dragão numa aula de tai chi, indiferentes à importância que esta cauda de dragão tem para a afirmação de um país comprido como o Vietname,
E adormecemos na persistência dos solavancos , sem  estranheza pelos vizinhos de beliche, mas a noite já vai profunda, depois da emoção pela grande aventura, a certeza de que não havia lençóis lavados, mas as flores parecem sempre novas porque as plásticas acrescentam anos às naturezas mortas.
Acordámos ao som estridente do altifalante da carruagem uma voz feminina cheia de energia revolucionária que conta a história do local e os passos necessários para sair na próxima estação, num bilingue perfeito, os vietnamitas perceberam que o destino do velho lobo (ou dragão?)  passará diretamente da liga veterana para a inevitabilidade de se transformar num comboio histórico, tal é a distância e as mazelas de dinossauro que o separam do mundo moderno de banda larga, e das gerações emergentes que não privilegiam os tempos mortos nem a contemplação.  
É assim em todas as estações ao longo de mais de mil e quinhentos quilómetros, sempre de Norte para Sul mas a atualidade parece desmentir a morte precoce deste monstro de ferro, o comboio circula sempre cheio, cheio de gente que aproveita o tempo para descansar do mundo, da azáfama das cidades de partida e de chegada, sempre cercados de quilos e metros cúbicos de bagagem e uma intensa e colorida carga é a prova de vida que faltava para lhe assegurar a imortalidade..
Apesar de lento, longo, e muito remendado este dragão, filho adotado da revolução, trabalhou muito, muito rápido e sem meios, somente para existir.
Apesar do seu difícil envelhecimento
Construído pelos franceses, destruído pelos americanos, reconstruído pelos vietnamitas, desde cerca de 1900. Sempre a 60 quilómetros por hora.
E o amanhecer no expresso é energético, depois de cruzar um país inteiro de ruralidade, ocultado pela noite e pelas luzes esporádicas de estradas que passam a correr, acordamos com as tonalidades do delta, os sons da grande urbe do sul, outra vez milhões de pessoas a circular ou, simplesmente, a aguardar que o expresso lento chegue finalmente ao destino, sim porque a energia vem de fora, o trilho vai estremecendo com os solavancos da velhice, mas deitados nos beliches ou encostados nas cadeiras de conforto reduzido, os passageiros abstraem-se  , o monstro de ferro é um oásis de silêncio e quietude que avança decidido entre o acordar dos subúrbios, pontes, muita água, estradas cobertas de motorizadas sempre em crescendo, em disputa acesa com a intensidade dos raios de sol, sim, no sul da indochina o sol regressou, e foi a nova cor da agitação urbana que nos despertou do torpor do Expresso da Reunificação.
E 36 horas depois chegamos a Saigão, a nova residência que o pai supremo da nação nunca conheceu.
A estátua de Ho Chi Minh em frente à câmara municipal prova que a vida continua depois da morte



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