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sexta-feira, 1 de março de 2024

WAY TO INDOCHINA #18 - Sakura


Em Vang Vieng há um comboio expresso que fura a paisagem de Vienciana em direção à Muang Xai, pela China dentro.
A pelicula intermitente que sobrevive à escuridão dos túneis parece retirada do mesmo filme, o país rural e desordenado, intencionalmente protegido do nosso olhar pelas barreiras de som que circundam a linha, apenas a planície coberta por uma nova camada de montanhas que floresce na direção a norte. 
Sim, dezenas de horas de estrada depois, há montanhas de cortar a respiração e rios com rápidos, pontes de madeira e uma atmosfera de nevoeiros baixos e margens verdejantes.
Um Laos que nos recorda a nossa visão de um santuário paradisíaco de meditação. 
Mas, em Vang Vieng, sobrevivem também as memórias das loucas e mortais trips dos aborrecidos ocidentais, como em Goa, como em tantos outros refúgios da loucura (do bom ou do mau) selvagem, mergulhos para o rio em época seca, julgando estar na estação das monções, descida dos rápidos em câmaras de ar de camião, “pull your butt up when you find a rock emerging”, substâncias sem estado definido nas loucas noites do Sakura, o antigo melhor bar da Ásia. 
Uma vítima famosa, filho de primeiro ministro de pais rico e doador, convenceu o partido de que a alienação do povo não devia passar as fronteiras e o Sakura passou a fechar às onze, as substâncias pesadas são agora caricatos balões pretos de nitrato que anunciam ter o efeito de uma trip tão instantânea que passa logo e as profissionais do amor distribuem carícias no braço direito de quem passa, sem que ninguém lhes peça e algumas (menos) adolescentes borbulhentas pulam em cima das colunas porque leram no Instagram que prolonga o efeito do balão e que se pode ser selvagem desde que se pareça.
Mas os duros cavaleiros do asfalto, esses desapareceram, vivos ou mortos, provavelmente aguardando o renascimento de um novo micro estado da anarquia total, sem ideologia e sem limites.
Mas mantém se os vestígios do que já foi e, como o renascimento da natureza verde e selvagem após violento incêndio, os jovens monges envoltos pelas suas vestes laranjas, lançam-se à água pendurados nas cordas abandonadas ao longo da margem, as câmaras de ar de camião sobrevivem enquanto houver correntes no rio, agora como um respeitável desporto aventura com adrenalina aceitável e os bares da margem mantêm-se agora silenciosos e respeitadores da nova moral restabelecida, acabaram-se os bêbados nas margens e nas rodas de camião, rio abaixo. 
Aqui, há turistas, agora abundantemente chineses, barulhentos e até um pouco infantis, quando deixados a navegar sozinhos no rio dos rápidos e uma beleza exótica que pode ser explorada pelo ar, dentro de água, ou a pedalar em cima de uma bicicleta oleada, ao longo de uma estrada bem asfaltada que percorre os arrozais alinhados, desemboca em piscinas de aguas quentes e pintadas de um azul pérola e despede-se do pôr-do-sol através do olhar dos miúdos que jogam à bola nos pátios verdes da escola primária.
Sim, a beleza favorece as probabilidades de sucesso, de um futuro melhor, mesmo que não seja muito inclusivo, admiti-lo.
Chegámos ,noite dentro, do sul, amassados pela estrada e pela vida intensa do Laos rural e abandonado que luta pela sobrevivência. 
Partimos de manhã cedo para norte de comboio rápido, cem quilómetros em quarenta cinco minutos de uma realidade asséptica, sem grande vista para o mundo real, afinal há quem tenha visão na cúpula. 
Tal como os grandes projetos que o partido e os financiadores do Norte têm para o país.
Pode ser, mas em Vang Vieng, nem se ouvem os silêncios da meditação, nem se sentem as fragilidades da vida humana.
Pode ser o futuro, mas não é a mesma coisa! 
Excentricidades à parte!



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