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domingo, 7 de dezembro de 2025

O lugar onde todos somos aztecas

 


Bem-vindos a Puebla, o lugar onde todos somos aztecas 
Acordamos no sopé do vulcão com os ruídos dos motores dos coletivos que se desfazem, a partir das cinco e meia da manhã na rua, do lado da lá (ou seria a partir de dentro?) do nosso quarto.
No México, as cidades escondem-se da noite, enclausuram-se nas portadas metálicas, será medo, precaução ou é mesmo assim? mas acordam muito cedo e, quando acordam, abrem as portadas da vida e despejam toda a cor e o ruído que acumularam durante a noite.
A noite é, pois, a bateria do México. 
 E, do outro lado do passeio do nosso quarto do hotel rincon poblano vivem os heróis da lucha libre poblena, sim, a arena de Puebla é mais modesta que a da capital, mas está forrada de caras mascaradas e recheada de entusiasmo, golpes de magia e caras felizes.
Tudo no mesmo quarteirão, por isso quando Puebla acorda, acordamos todos.
Mas na igreja de São Domingos reina a paz, porque a porta estava apenas entreaberta e a rua não ousou entrar.
E na igreja São Domingos, o silêncio está forrado a ouro, uma capela inteira imersa em barroco, uma extravagância daqueles que construíram uma Puebla de grelha urbana renascentista e a colocaram estrategicamente na rota entre a capital e o porto de Vera Cruz, numa prova dourada de que havia na nova Espanha uma vontade própria, distinta da Coroa.
Conta-se que a mãe de São Domingos, quando estava grávida, sonhou que tinha no seu ventre, um cão que transportava uma tocha na coleira, iluminando o caminho debaixo das suas patas e atribuiu este sonho a uma premonição do futuro do seu filho. O cão simboliza a fidelidade e a tocha, a luz que dará ao mundo, e desta forma decidiu dar-lhe o nome do santo ao homem que fundou a ordem dominicana em Puebla, uma tradução literal de os cães do senhor.
A construção da capela forrada a ouro será certamente uma outra lenda, ao que consta, cheia de símbolos indígenas e referencias aos cultos pré-hispânicos, porque a maioria dos artesãos contratados eram indígenas.
Os vulcões de Puebla deitam fumo e as igrejas disputam a riqueza e o ouro
Cá fora, agora que a rua nos invadiu de novo, um velhinho de fato sem mácula e cruz ao peito cantava, apoiado na sua modesta coluna, músicas de amor e sofrimento, procurando manter a compostura em cada nota, mesmo quando se apercebe que nem os seus graves fazem tilintar moedas no seu chapéu coçado se tanto chão.
A rua do México pode ser dura, porque é grande a competição por agradar!
Mas, na face da maioria dos intérpretes (tal como na maioria dos vendedores de sonhos ou de produtos banais) há uma expressão de otimismo caloroso de quem acredita que todos, a seu tempo, irão conhecer a boa ventura.
Como o homem da casa que matou o animal, que enfrentou e matou uma gigantesca serpente que tinha invadido a cidade e comido o filho de um habitante rico e influente da cidade. 
O pai do infeliz ofereceu-lhe metade da sua fortuna o que lhe permitiu construir uma mansão de três pisos, símbolo máximo de mudança de sorte e a cidade deu-lhe o reconhecimento dando-lhe o nome oficial de a casa que matou o animal.
É só uma lenda, mas pode ser verdade no imaginário de quem precisa de acreditar.
Ou simplesmente a velha lojista do mercado de artesanato que beijou as notas de pesos e benzeu-se logo de seguida, com os olhos pregados no céu, agradecendo quem sabe se a primeira venda do dia, se não termos pedido desconto na compra do vestido com bordados de flores ou se apenas por estar viva e de boa saúde.
Mas Puebla vive na rua e almoçar cemitas no mercado central é uma sandwich de pão fresco saloio, cheia de tudo o que possa pedir mais uma dúzia de molhos e ingredientes, é cheirar oa cheiros intensos das especiarias, das ervas, dos fritos e dos fumos, é escutar os pratos sobre as mesas e os pregões dos vendedores de carne e frutas e encandear-nos com as gigantes figuras dos super-heróis repletos de doces no seu interior para desventrar nas festas de aniversário das crianças.
Sempre o mesmo quarteto da realidade deles: os cheiros, as cores, os sabores e o ruido.


Em Puebla, o centro do estado, mas também na capital do planalto que se rodeia de aldeias históricas, onde impera o triunfo do barroco espanhol sobre a tradição e a cultura mesoamericana, como a catedral de barroco intenso construída em cima da mais volumosa pirâmide pré-hispânica do mundo na aldeia de San Andres Cholula ou a igreja de San Francisco, a única perola arquitetónica da aldeia indígena de Chaletec.
E, no resto da tarde, deambulámos pelas aldeias e pelas preciosidades arquitetónicas do planalto, encostados no conforto dos Uber de Puebla, uma experiência diferente da capital porque, a sul da grande metrópole, os condutores preferem o som dos clássicos românticos anglo-saxónicos dos anos oitenta, Billy Joel ou Whitney Houston com o mesmo nível de som com que trauteámos, a norte, as relíquias musicais de Victor Fernandez e José Luís, como se, à medida que nos embrenhamos nas profundezas da história do méxico, fosse inevitável o triunfo de uma certa modernidade sobre a inevitabilidade da tradição e das raízes.
Sempre o México e as suas construções em múltiplas camadas e interpretações alternativas. 
Acabamos a noite no bar El idolo do México, um espaço acanhado com prateleiras de álcool engarrafado ate tocar o teto, por detrás do longo balcão de onde saem tequilas e margaritas entre outras preciosidades e a toda a hora, orgulho mexicano da banda de musica ao vivo e nós outra a vez a brindar com estranhos e a cantar e a dançar "Antes muerta que sencilla "
O México não acaba !





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