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domingo, 21 de dezembro de 2025

A caminho da selva

 


De Oaxaca a Tuxla Gutierrez são mais de quinhentos quilómetros através das montanhas do maciço central, com paragem em Tehuantepec, a cidade que dá o nome ao istmo e, ai, regressam as planícies, as palmeiras e o gado.
E a noite passou-se na estrada, mais de quinhentos quilómetros numa luta entre um primeiro motorista enfurecido e as curvas abaixo, curvas acima, e de manhã chegámos muito combalidos, dois motoristas depois, a Tuxla, a capital de um novo estado.
Chiapas é um mundo diferente de mais de vinte línguas, povos e culturas pré-hispânicas, um velho mundo de rituais e uma nova realidade de revolução zapatista, entrelaçadas por redes de crime organizado, que parecem querer monopolizar os sentimentos de pertença, de comunidade e até a cultura indígena dos povos remotos das montanhas.
Mas entre a primeira parte da viagem, a descida abrupta e em vómito do primeiro motorista até Tehuantepec e a pausa sonolenta dos outros motoristas ao longo das planícies em Juchitan e Ixtepec, pouco tempo nos sobrou na noite, senão para procurar sobreviver à sensação de fronteira e de vertigem.
Dizem as histórias escondidas pela noite que é no istmo que desaguam os pobres dos pobres, vindos dos países vizinhos, agachados pela lama, curvados nos comboios de mercadorias que atravessam o continente em direção ao el dorado que, para muitos, será só uma ilusão.
Mas por volta do istmo, tínhamos acabado de adormecer das tormentas e certamente que os vultos gastos e curvados que vislumbrámos através da janela do autocarro terão sido apenas sonhos de uma mente sugestionada, fantasmas na terra de ninguém.
De manhã, em Chiapa del Corso, vive uma comunidade indígena pautada pela indolência do vale e o clima mudou, instalou-se o calor e a humidade, e também no clima há uma nova fronteira no interior do México. 
E porque nem todas as historias que se contam de Chiapas são histórias, a presença policial e militar tornou-se mais persistente e, porque a realidade em  Chiapas não permite a construção de modelos de realidade absolutos, CERO corruption  era a frase preferida, escrita nas pontes dos viadutos que cruzavam as vias rápidas, nos muros brancos que se confundem com os placards de publicidade da era antiga (as que protegem os que vivem nas bermas das estradas e as vidas das pessoas que vivem nos bairros) ou nos vidros das pick ups da guarda nacional
E nós decidimos dedicar-nos a tarefas mais mundanas e apanhamos um barco a motor para o Canon del Sumidero onde só havia rio, selva, montanhas, crocodilos e montões de lixo acumulados no leito do rio.
Todas as viagens devem ter um momento ecológico, diria o J, e o vento fresco fez bem à minha noite de insónia e vómito.
Ao fim da tarde, voltámos a subir às terras altas, às noites frias, às comunidades indígenas de montanha, aos rostos remotos do isolamento, dos rituais singulares e, esporadicamente, da revolta zapatista.  



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