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sábado, 13 de dezembro de 2025

Dios nunca muere

 


O mercado 20 de novembro está ligado à data de início da revolução mexicana de 1910, apenas por convicção de um grupo de cidadãos que decidiu eliminar o nome original de mercado industria para castigar o petulante ditador Porfírio Dias e restaurar a modernidade neste espaço de cultura e gastronomia Oaxaquena, construído nos finais do século dezanove para albergar os comerciantes da praça de armas, as tradições de uma região inteira e as histórias das vidas de cada dos seus comerciantes.
Não há mercados iguais, nem diferentes,  mas em Oaxaca os rostos deles são mais sorridentes,  como se os locatários quisessem assumir a sua herança de ponte cultural entre os locais e os visitantes, dando um cunho quase pessoal a cada um dos corredores,  o corredor do fumo onde os transeuntes são engolidos por dezenas de grelhadores de mistas de carne a grelhar a céu fechado ( uma espécie de céu aberto, mas dentro de um recinto fechado) ou o corredor do chocolate onde podes comer ou beber chocolate solo ou acompanhado e nesse corredor não faltam cheiros, mas delicados, profundos e muito seletivos, o corredor do pão, o corredor do queijo e, claro, o corredor do mescal, com sal e limão ou apenas forte, para melhor apreciar o sabor.
Um mercado que transborda os espaços confinados e se estende, quarteirão a quarteirão, cidade acima, primeiro especiarias e ingredientes, depois têxteis e cerâmicas e, quando chegamos às redondezas da calle Macedónio Alcala, o artesanato e arte pura nas galerias da cidade.
Mas no México não há direito ao presente sem uma herança histórica substancial - ou, em ausência absoluta de, pelo menos, uma linha no compêndio de história nacional - pelo menos três milagres devidamente comprovados, três atos heroicos pós-independência ou uma personalidade consensual nascida entre portas.
E em Oaxaca nasceu e lutou Benito Juárez contra os franceses e em Oaxaca situa-se uma das mais antigas cidades do período pré-hispânico, muito antes dos períodos áureos das civilizações maia e azteca, fundada ao que consta em quinhentos anos antes da nova era (uma versão envergonhada do nascimento de cristo) e suficientemente resiliente para durar mil e trezentos anos para depois ser abandonada pelos mesmos não motivos totalmente claros - mas todas as hipóteses conduzem nos à loucura humana - como a generalidade dos centros populacionais mesoamericanas do período pré-clássico e clássico que durou até ao seculo nove: finalmente, conhecemos Monte Alban


Na fila do autocarro ( que não era bem um autocarro, era mais um daqueles decanos coletivos que, pela sua excessiva idade mas falta de rendimentos suficientes foi emprestado a uma transportadora de garagem para uma pré-reforma esforçada antes do merecido descanso final) a velhinha, que era um posto avançado dos transportaciones turísticas Mitla, porque encaminhava os clientes desde a porta da garagem, por mais de três metros, até a uma bilheteira, que era afinal uma mesa de madeira com um bloco de bilhetes em cima, que obrigava os clientes a sentar-se nas poucas cadeiras espalhadas pelo resto da garagem que a organização deixava livre, e afastava os outros do meio do passeio para que não impedissem a passagem e, finalmente, conduziu-nos a todos pelo meio da rua, do tráfego intenso, dos vendedores ambulantes para um lado nenhum geográfico onde o cambaleante com rodas iria chocalhar até  se deter uns minutos depois num lugar que só ela sabia ser o adequado, a velhinha (isso mesmo) abanava as mãos e repetia, sem emoção, "tenham calma porque vão visitar um sítio arqueológico" e havia qualquer coisa de espiritual e místico neste anuncio.
E tinha razão!
Foi um local habitado durante mais de mil e trezentos anos por uma sucessão de povos, e os seus terraços, barragens, canais, pirâmides e montanhas artificiais, foram escavados na montanha e são os símbolos de uma topografia sagrada.
Num dos muros ainda visíveis no complexo, estão esculpidas as estatuas dos dançantes, inicialmente associadas a eventuais rituais e danças mas, após análise mais detalhada, foram identificadas como sendo imagens de governantes e dirigentes de povos  vizinhos, primeiro capturados, depois mutilados e por fim mortos em sacrifício para ofertas de sangue aos deuses, após o regresso de batalhas, eram afinal escravos em posições de sofrimento. 
Nada no mundo antigo pode, afinal, ser explicado à luz dos olhos de hoje
Ao meu lado, no coletivo, uma senhora com dois gémeos, ele Filipe ela talvez Marinela, nasceram com um minuto de diferença, talvez ele mais tarde porque ela tem um ar de desafio de quem não se deixa dominar.
Ele sentou se entre os dois bancos e adormeceu 
E eu também 
Amigos de ombrinho, sem termos trocado mais de que uns olhares.
E sonhamos os dois com as personagens e os desfiles que estavam a chegar para o dia dos mortos!



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