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terça-feira, 30 de dezembro de 2025

A Máscara de Calakmul

 


A nossa manhã é, como sempre, precoce, e vamos acordando com a cidade, com os locais, como se, todos os dias repetíssemos o ritual de iniciação à imersão local, seguindo as passadas de quem vai trabalhar ou às compras ou apenas perder-se na cidade em que toda a vida viveram.
Um calor húmido dos trópicos debruçado sobre o golfo do México entorpece a nossa vontade, mas o ritmo também baixou, os ruídos são mais lentos, as cores tornam-se mais diluídas tipo mate, e os sons tornam-se mais abafados.
As igrejas recebem os fiéis, quase sempre mulheres idosas que se recolhem sob a proteção do seu santo, mas naquela igreja particular na esquina da rua 57 - sim, em Campeche, as ruas têm números - as mulheres estão todas de joelhos viradas para o altar e uma delas reza em voz alta, e as outras seguem-na, e a igreja é delas, em relação direta com o criador, sem intermediários, e aqui os sons saem nítidos e transparentes nesta missa rezada sem padre.
Junto à muralha sul, há um pequeno museu com vestígios das cidades maia, retirados dos inúmeros locais arqueológicos que rodeiam Campeche, e este local de culto maia, obrigatório para jovens estudantes, é também um dos empregos seguros em que o estado assume função social para um rácio generoso de vigilantes por cada vestígio arqueológico encontrado.
Entre a muralha e o mar, o tempo e os homens foram aterrando marés ao longo dos séculos e construíram múltiplos equipamentos sociais, instalações de organismos públicos e uma generosa avenida marginal.
Fora da muralha ficaram os menos afortunados, os que fazem fila à porta do  banco do bien estar ou a mulher em cadeira de rodas e chapéu de sol que cantava na esquina da rua 55, cantava para sobreviver.
E o mar de Campeche é sujo e baço, daqueles lugares que o mundo parece ter escolhido para despejar todo o seu lixo.
No mercado da cidade vendem-se bananas a 20 pesos a dúzia, revistas e jogos de azar, legumes e outras frutas, carne e flores, sandes de leitão ao almoço, e a agitação que se vive nos apertados corredores do mercado parece indiferente à humidade que sufoca apenas quem não vem aqui para comprar.
E no mercado de Campeche tudo é negociável.
Menos a Máscara de Camakmul, cuidadosamente escoltada por zelosos funcionários, dentro das muralhas do museu local.



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