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sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Mujer si puedes tu con Deus hablar

 


A noite de Oaxaca é vibrante, não fosse a capital do turismo mexicano e o ícone para todos os visitantes do dia dos mortos.
E a atmosfera rodeia-se de uma cor e de um tipo de luz que parece não querer condizer com a proximidade da data. 
No El Negro, cozinham os especialistas em Tlayudas da cidade, uma espécie de pizza de tons e sabores mexicanos, a cerveja serve-se com sumo de limão, gelo e sal à volta do copo e o entertainer não se revela um especialista a cantar, por isso se intitula, por precaução, de comediante.
Na manhã seguinte procuramos a biodiversidade no jardim etnobotânico que parece estar em cambio administrativo, segundo o primeiro funcionário ou, de acordo com a segunda funcionaria, com falta de pessoal para fazer visitas guiadas.
Mas os visitantes de tez europeia. embrenham-se nos tons exóticos dos cactos longos e espinhosos, em elaboradas poses de Instagram com tripé e tudo.
O funcionário mexicano que falou dos câmbios administrativos encostou-se à sombra das paredes do convento, a escutar uma novela radiofónica mexicana no seu rádio a pilhas, vestido de preto, com chapéu de palha e trejeitos de vigilante, mete as mãos com pose de megafone e grita adelante por favor todos na direção de saída. Pelo menos, hoje no jardim de gestão federal, o nada é gratuito.
Mas a ideia, aliás não explicada por falta de verbas federais, de procurar recuperar espécies vegetais antigas e autóctones, num espaço aproveitado para o efeito no centro da cidade entre a igreja de São Domingos e o convento, agora museu da história regional, é de mérito indiscutível, pelo que decidimos não relevar a a atitude pouco cooperante da frente unida de trabalhadores.
Magnânimos, ou talvez receosos do poder do protesto que emana dos incluídos da revolução mexicana (uns mais do que outros)
O museu da história regional, fronteiro do jardim, estava em pleno funcionamento, bilheteiras e bengaleiro em funcionamento, vigilantes em todas as salas e uma longa série de espaços cronológicos que enfatizam a continuidade (ou a sobreposição) entre as civilizações pré-hispânicas e as culturas contemporâneas, numa narrativa oficial que procura promover a reconciliação entre todos os povos e culturas e alardear, com orgulho patriótico, a mesticidade da grande nação mexica.
Pelo menos esta é uma muito aceitável narrativa oficial, mas é um exercício sinuoso, especialmente porque a diversidade ainda é, no México, sinonimo de desigualdade (e todos os outros flagelos que decorrem da infiltração do crime organizado nas sociedades mais frágeis e mais isoladas)
É uma narrativa muito visual e não se poupa em detalhes quando se trata de mostrar os tesouros do século catorze encontrados por Codice Alfonso Caso  em 1932, os tesouros do túmulo 7 de Monte Alban ou os feitos do primeiro presidente reformista da nação mexicana, porque Benito Juarez é de Oaxaca e liderou a reforma liberal e uma batalha decisiva contra os invasores franceses.



Longe das retoricas (e, muito frequentemente, da proteção) do regime, estão os muitos milhares de artesãos ou outros pequenos empreendedores que se organizaram em cooperativas e, de facto, mudaram a sua vida - da agricultura para artesanato - e também as suas condições de vida.
"Não há nada mais desafiante no México do que ser mulher e indígena"
Pensava eu, enquanto tentava imaginar o que as artesãs, muitas mulheres, passarão todos os dias para ali chegar, aquela arena de combate pela sobrevivência que representa a rua mexicana.
Afinal de contas nem sempre os mais protegidos pela revolução.
“Estoy chica?” Sim, linda na banca de doces que ilumina o mercado.
Hoje, com a noite a cobrir as festas e os desfiles ininterruptos, que antecipam a festa oficial do dia dos mortos,  provámos três sabores de mescal, no bar terraço com vista para a praça de São Domingos, e para o longo espetáculo sobre os rituais e tradições da morte nas aldeias, e só nos ocorreu o poema de Carlos Oliveira " tepido mezcal / para inventar / a mezcaligrafia / gémea do som / ou da sombria / pauta musical / onde as notas florescem / em breves / compactas carolas / e hastes / que sobem, descem / esguiamente / os degraus /de um jardim" 
Como na exposição fotográfica de Jocelin Ortiz no centro da cidade, também são estes os rituais da vida e da morte.
No fecho do espetáculo da tradição local, a banda começou a tocar o hino de Oaxaca e, na plateia. toda a gente se levantou e cantou em uníssono.
E as mulheres tomaram conta da praça, da pátria e do profundo fervor federalista que parece varrer os estados mais remediados do país.




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