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sábado, 23 de julho de 2016

7 (in the) border (of the) line


“Uptown or Downtown?” – Perguntou-me a miúda americana de ténis amarelos, enrolada em distração e headphones
Diante de nós, quatro linhas de metro, duas encostadas às plataformas e outras duas no meio do escuro, escondidas por colunas e com um óbvio significado para qualquer estrangeiro informado: expressway
Uma tem o sinal redondo, o outro retangular
A miúda, que abanava o rabo-de-cavalo ao ritmo de uns auscultadores com vida própria, não fazia a ideia do que eu estava a pensar ou do significado de expressway, sequer!
Atrás de nós a rua, apenas separada da plataforma por uma porta giratória metálica, que servia de entrada e saída e um átrio com o tamanho de uma casa de banho, onde predominavam os azulejos de tom amarelo e um rosto encardido de pouco lavado porque, afinal de contas, o metro de NY tem uma reputação cinematográfica a defender.
Se a ruiva que vestia calções neste final de manhã de asfalto incandescente, quisesse apanhar o 7, eu responderia East, East to Flushing Meadows, e acrescentaria com a minha voz do género cavernoso:
Queens!
Mas ela não queria apanhar o 7, pelo que eu lhe respondi sabiamente “uptown” e acrescentei, sem que ela me tivesse perguntado, com um riso assustador:
Bronx!
A miúda continuou a abanar a cabeça e terá pensado “louco estrangeiro” apesar de nós acharmos, por defeito, que miúdas americanas de ténis amarelos, cabelos ruivos, calções e rabo-de-cavalo com headphones na cabeça, tem alguma tendência para não pensar
Mas chegados a Times Square 42nd ela continuou no fresco da carruagem, destino “uptown, wherever it would take her” e nós embarcámos no 7.
Antes que construam os muros ao longo da fronteira.
E a Sarah, a minha amiga imaginária (esta não era a miúda ruiva, era adulta, morena e de porte atlético invejável, “do you see what I mean?”) acompanhava-me, sempre em passo de corrida, ao longo dos corredores intermináveis da Times Square 42nd, e explicava-me, num inglês pausado (não fosse eu não entender, afinal de contas um louco estrangeiro e a Sarah era de NY) que uma viagem no 7 requere o uso de todos os (masculinos) cinco sentidos, porque se trata de um monumento à diversidade de NY que precisa de ser tocado, saboreado, ouvido, visto e cheirado e procurava impressionar-me com números, grandes números, uma americana maneira de querer esmagar um qualquer pequeno europeu, “cento e dez línguas diferentes são faladas ao longo do 7”
Não sem antes me puxar levemente o braço e obrigar-me a olhar para o mural de Roy Liechestein, pintado na nível mezzanine da estação 42 “ 53- foot-long Times Square Mural”, não fosse ela de NY, sempre pronta a impressionar com uns belos (e para mim indecifráveis) números.
Mal descolámos a leste, para os céus de Queens, Sarah largou-me sem se despedir e discutia agora, de forma entusiástica, com a nova-iorquina Hillary, em missão de desimpedimento de fronteiras, que esta linha era, sem dúvida, a de maior diversidade étnica do mundo, tendo ambas decidido, em conjunto e sem perguntar nada aos interessados, designar o 7 como o “international express”, passando a fazer parte da rede “National Heritage Trail” que, entre muitos outros caminhos, inclui as rotas dos pioneiros colonizadores em direção ao oeste selvagem, capturando desta forma o verdadeiro espírito americano.
Hillary, acabada de entrar na nossa carruagem, na cidade fronteiriça de 21st Street (lógica e numeração de Queens)
Não cheguei a Flushing Meadows, faltou-me o tempo e, afinal de contas, já tinha perdido o jeito de comer com pauzinhos.
Não cheguei a Corona Park, faltou-me o tempo e o Mets também não jogava hoje.



Mas mergulhei no rio do leste e renasci das profundezas da cidade em linhas elevadas, tendo como cenário de fundo, bem à minha esquerda Manhattan skyline, envolvido pelos restos do industrial subúrbio de Queens, e pousei para a fotografia em Queensboro- Plaza
Eu, um monte de miúdos fardados de um vermelho berrante, escada do metro acima, todos em fila indiana e com um número na camisola, e uma imensidão de vozes, dialetos, e estruturas faciais, tão grande quanto o olhar de espanto de todos eles a perguntar-nos, com os olhos, “afinal de contas o que é que se festeja por aqui?”


O resto é o costume: até à 45, a reincarnação da arte moderna que transborda da grande maçã em museus, galerias, instalações e no local de “warm up” para as noites de Sábado na cidade, a casa de Louis Amstrong para norte, eslavos um pouco mais para leste, uma imensidão de comunidades hispânicas em Corona e, ao longo da linha italianos, filipinos, coreanos, indianos e  chineses.
E, segundo dizem, lá para os lados de La Guardia, também há portugueses.
Mas ainda não foi desta que lá chegámos
O regresso à rua foi menos entusiasmante.
As portas giratórias metálicas da estação elevada, estavam mais amachucadas que o costume, o ar encardido da estação parecia ter recuado aos anos oitenta do louco taxista de Niro, os mendigos começavam a acordar por volta da uma da tarde e havia mais transeuntes nas esquinas do que no resto da rua enquanto os camiões TIR atravessavam as avenidas desertas com um profundo desprezo pela cidade.
No único bar que servia hambúrgueres com espessura inferior à regulamentar, o empregado servia de calções, mas isso não beneficiava a tatuagem que preenchia a perna esquerda entre o joelho e o tornozelo, as pequenas eram todas para o forte (que saudades que eu já tinha da Sarah de Manhattan) cabelo com espessuras variáveis entre a testa e a nuca e uma bela tatuagem, sempre e em todas, ocupando as suas respetivas omoplatas direitas, a música que fazia jorrar a cerveja dos barris e as cartas de menu eram capas de álbuns do Cat Stevens.
Cá fora, o taxista parava na esquina deserta e não arrancava no stop, espiando o nosso fascínio pelos cartazes de parede, e não arrancava mesmo, de cabeça à banda e olhos vidrados nos loucos estrangeiros e, junto à entrada do metro da 21st, em Queensboro Bridge, tivemos uma breve visão das esquinas da balada de Hill Street.
Não sem antes respirar, uma última vez, o ar quente da fronteira do sul, e reparar que, dali até ao rio, está a nascer uma nova fúria de construção de torres de vidro, sinal precoce de que a fauna estará, brevemente, em debandada para leste.
Procurámos a linha F e a seta que apontava para Manhattan / Brooklyn West e mergulhámos outra vez no East River, behind the border line.
Mas mal a porta do F se abriu, logo a fauna reinante se levantou, e concedeu dois lugares de primeira às senhoras estrangeiras de pele branca e tez vagamente celta que, sem demonstrarem qualquer surpresa, se sentaram sem agradecimento sequer.

Afinal de contas éramos bem-vindos na fronteira oriental da Gotham City





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