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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O horóscopo Hindu



Horóscopos compatíveis são o primeiro momento, a seleção natural, para um casamento combinado
Um processo meticuloso que prossegue com o envio de fotografias e a marcação de entrevistas e que tem como objetivo maximizar compatibilidades e assegurar a felicidade racional e controlada.
Aceitando que a astrologia é a rainha das ciências, uma espécie de manto protetor contra os lapsos de escolha dos humanos.
Não parecia ser essa a preocupação do tratador ou condutor do elefante indiano – mais franzino e menos dotado que o irmão africano – que procurava arrastar os obesos ocidentais, encosta acima.
O tratador do elefante – cinquenta elefantes vezes cinco subidas por dia vezes duas pessoas, independentemente do seu peso – não era o dono do elefante, porque o patrão era dono de vinte e quatro elefantes mais vinte e quatro tratadores, tudo vezes cinco subidas vezes, pelo menos, uma largas centenas de rupias vezes os dias que o elefante e o tratador aguentarem.


Não é de todo a preocupação do agitado Berto que procurava captar a atenção dos transeuntes e fotografar os ocidentais bananas que se desequilibravam no dorso do elefante e fazia-os jurar que só o Berto tinha as fotografias acertadas, procurem o Berto e digam não aos outros todos, e que os perseguiu sem deixar rasto todo o dia por todo o local para lhes entregar um molho de imagens impressas em papel encardido por duzentas rupias em mais de dez poses aparvalhadas por minuto.
A vinte quilómetros de distância.
A astrologia é uma ciência dos nobres para os nobres, é um manto protetor que não permite a identificação de compatibilidades através da escada social.
Não é pois uma ciência igualitária.
Por isso o tratador de elefantes e o Berto, uma espécie de fotógrafo, impressora e realizador de portefólios neo românticos, não invocaram os astros para nos transportar ao palácio dos deuses.
E nessa manhã desfez-se a nossa fé humanista e ocidental do pequeno empreendedor como o motor do desenvolvimento do grande mercado interno.
Tal como em todos os negócios da India mais ou menos informal, há sempre uma multidão de membros informais de uma casta inferior que asseguram a prosperidade dos médios comerciantes, e o deleite de um serviço silencioso, eficiente e agradecido.
Na maior economia de mercado do mundo, o chão eleva-se sempre à altura do último ser humano da cadeia social.


Acima da poeira, vive a economia mais feroz e resiliente do mundo.
E enquanto me derretia com o arrojo das muralhas dos grandes senhores dos pequenos reinos e enquanto me contorcia com a necessidade de reconhecer, agora numa cadência mais do que diária, que nenhuma moeda tem apenas uma face, voltava a habituar-me às coisas como elas são.
A dinastia dos marajás de Jaipur mudara-se, no século dezoito, deste reino de montanhas cercadas por muralhas imperiais com nome de pedra preciosa e a mais de meio caminho entre o a terra e o céu, para a cidade no vale, apenas por causa do Sol, e da vontade empreendedora do mais brilhante dos reis da dinastia, um matemático, um cientista, um astrónomo, tudo na mesma pessoa.
E com o marajá mais inteligente de toda a dinastia nasceu Jaipur, uma cidade construída a régua e esquadro e um observatório do Sol e dos astros, plantado no esplendor da planície, nos portões do palácio da cidade.
Afinal de contas, por aqui ninguém se casa sem consultar os astros.



Apesar de, não ter a certeza que a matemática seja o mais relevante na vida dos terrenos.
Pelo menos abaixo da poeira.
Umas décadas mais tarde, outro membro da dinastia dos marajás, decidiu pintar toda a cidade de rosa, para a agradar aos ingleses, de visita nestas paragens.
Até o Observatório.
E enquanto o Berto corria encostas e vales, como o homem da maratona, para nos entregar uma dúzia de fotografias impressas em papel encardido, buscando em todos os cantos e buracos, porque desta busca dependiam as duzentas e cinquenta rupias de um dia de trabalho, eventualmente partilhado com alguns informadores, o homem da impressora, o dono da máquina e o fornecedor de tinteiros, o regente e pai do jovem marajá de dezasseis anos, proprietário dos palácios, agora luxuosos hotéis de charme, saía pela porta do palácio de jaqueta azul e lustrosa, de pose imperial e estatuto guerreiro e juntava-se ao povo no pátio do palácio cedido a museu nacional, uma sociedade proveitosa entre a moderna republica e a tradicional monarquia.
No outro extremo do pátio, à luz de um sol brilhante que inundava as arcadas, o museu nacional expunha os gigantescos jarros de prata que o marajá de Jaipur enchia de água sagrada do Ganges e transportara para Inglaterra numa das suas visitas oficiais, para seu consumo e sua bênção própria.


À saída, esperava-nos um fim feliz para o Berto e para os ocidentais que, no final de um dia de reis, só um molho de imagens impressas em papel encardido por duzentas rupias em mais de dez poses aparvalhadas por minuto, nos poderia deixar tão completos como os reis banhados em água prateada do Ganges.

Ou como os elefantes deleitados com uma banana com casca enrolada na sua tromba franzida e peluda – franzida se comparada com as dos seus irmãos africanos – e despejada na sua boca alegre e carinhosa.


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