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domingo, 1 de abril de 2012

A cidade Guggenheim




E subitamente, o reino do fantástico e do exuberante!
O Sol poente de fim de tarde provoca a incandescência na onda metálica, e a aranha abençoa a ilha imaginária, as esferas prateadas que se afundam nos lagos exteriores e a multidão que se fotografa em redor desta cidade de um modernismo tão soberbo quanto arrojado.
(Não necessariamente pela arte em si mas pelo símbolo que ela representa)
As placas de titânio são (serão?) as escamas de um peixe absolutamente estilizado, que irrompe de dentro do rio como uma baleia (sim, eu sei que não é um peixe!) e se eleva para além das pontes que unem as margens, mas têm uma personalidade de réptil (esguia e escorregadia, lânguida e perigosa), que rivaliza com o monstro metálico do Loch Ness.
E com o pôr-do-Sol, a cobertura do palácio da arte moderna apagou-se suavemente / a obra de arte da arquitetura contemporânea / a obra da arquitetura da arte contemporânea / não suporta luz artificial e indireta nas noites de luar em Bilbao.
Porque é desprestigiante e anula o encanto do despertar matinal /Sol Nascente, agora subitamente iluminado de tons prata chumbo!
Ou será porque na manhã primaveril, em hora de pequeno-almoço tardio, a vista quase aérea do terraço do vanguardista Domine debruça-se sobre o Guggenheim, tão próximo (debruçada que desfoca) dos telhados (o peixe não tem telhados mas sim escamas, talvez ondas) que a perspetiva da cor se dilui num cinzento envergonhado (o peixe quer mergulhar nas águas do rio, mas o vale é tão estreito que não permite que o rio engula esta obra de um outro mundo).
Para quem deambula pelos espaços abertos do interior desta catedral de modernidade, esta é uma estonteante alegoria aos sentidos, porque entramos noutra dimensão (os espaços abertos abrem-nos a mente para além do que julgamos possível) e chegamos, a espaços, a rever-nos com uma nitidez surpreendente na história contemporânea em peças que, noutro contexto, se tornariam opacas, inexpressivas e sem valor documental.
Independentemente da amplitude da nossa compreensão pelo abstrato, o museu é um desfile da história recente, primeiro espanhola e depois europeia, dispersa (sim, o termo é dispersa) pelos espaços gigantescos sobre o qual qualquer um vai pairar – goste-se, entenda-se, ou nem uma coisa nem outra!
A arte espanhola do século vinte é marcada pelo sofrimento e pelas almas rasgadas, feridas expostas em quadros que usam materiais pobres, industriais que se dilaceram, no sentido figurado e no sentido tão real, que juraria que a serapilheira tinha sangue.
São obras que choram as bizarrias egocêntricas da violenta e sangrenta política espanhola num país fechado e paternalista, um passado que começa a ser longínquo mas que permanece no referencial (vivo como se de um aviso se tratasse) consciência colectiva de um povo (ou de um conjunto de povos).
Sim, é possível sentir tudo isto num museu, talvez demasiado influenciado pela exposição de material fotográfico da guerra civil espanhola – a mala mexicana – tão detalhada, tão reportagem, tão Capa, exposta na véspera na única sala cheia de visitantes do museu de Belas Artes.
De espanhóis, daí a certeza de que existe uma consciência colectiva em estado latente, provavelmente sem feridas impossíveis de sarar.
Não, não vi carne viva, senti curiosidade e vontade de manter viva a recordação.
Definitivamente o século XX espanhol (ibérico) foi uma península periférica da (consciência da) Europa em construção
Qual jangada de pedra!
Enquanto isto, os autores europeus lançavam-se (embrenhavam-se) em universos experimentalistas absolutamente provocadores, procurando novas (cósmicas) fronteiras que escandalizariam as gerações contemporâneas e deixam-nos hoje, e ainda, perplexos!





Absolutamente fora de qualquer área de conforto, a cidade Guggenheim é definitivamente a desculpa ideal para visitar Bilbao!

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