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segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Pudor



Ontem desaguou uma baleia morta na costa da Parede.
Diziam as notícias que era uma baleia juvenil, que se tinha perdido da mãe.
Alguns asseveravam que tinha morrido de fome.
Magotes aglomeravam-se em segunda faixa na estrada marginal, atravessavam loucamente as quatro faixas de um trânsito intermitente, contornavam o vendaval de Domingo de manhã.
Um perigo, relatou-me um recém chegado apreciador do mar, à praia das Avencas, ali ao lado, só eu, o vento e o mar.
É já ali, assegurava.
Uma baleia morta?
Olhei para o mar e enchi-me de pudor!
Nunca tinha imaginado a minha praia como um cabo das tormentas ou um cemitério de mamíferos.
Eu teria preferido que a baleia juvenil cortasse o mar nas Avencas, paralela a terra e expelisse água salgada como um repuxo municipal, fizesse um qualquer ruído de baleia e tivesse furado as ondas até ao mar aberto


Mas não fez. E eu continuei a desafiar o mar com os olhos.
E não me mexi.
Por pudor.
Hoje visitei uma fábrica morta, tão morta como a baleia que, hoje, em direto do jornal das oito era uma massa em decomposição, triste de ver.
Como a fábrica, aliás, vazia de milhares de trabalhadores, desventrada pelo tempo e pela rapina do homem.
Sim, com letra pequena.
Por pudor, só guardei imagens de sinais de vida, dos objetos e sinais que a fizeram viver mais de cem anos.
Mais de cem anos é uma bela idade para qualquer mamífero!


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