Segundo o poeta Octávio Paz, a relação entre os Aztecas e os Espanhóis não é simplesmente uma relação de oposição: O poder espanhol substitui o azteca e, desta forma continua-o. E da mesma forma o México independente, explicita e implicitamente prolonga a tradição azteca-castelhana, centralista e autoritária.
E, por isso mesmo, Cortez decide construir a capital do império colonial dominando as ruínas da capital indígena por ele destruída, apesar desta ilha não ser o local mais adequado para construir uma futura metrópole, sobre um lago salgado.
E ninguém mais questionou a decisão política de Cortez.
Hoje no Zócalo, os manifestantes marcham ( todos os dias acontece algo no Zócalo) sobre a calçada que se afunda lentamente, junto as fachadas que se inclinam sem remédio, sejam eles símbolos do poder passado ou presente; as ruinas da recentemente desenterrada pirâmide do sol, a catedral metropolitana e o palácio do governo e sobre o mais recente monumento os 43 estudantes desaparecidos em 2014, quando se dirigiam para uma manifestação na cidade do México, num autocarro por eles sequestrado.
Calcula- se que tenham sequestrado o veículo errado.
E todas as tragédias e as misérias do México parecem desembocar todos os dias no Zócalo.
Por isso mesmo, a bandeira permanece sempre no centro da praça e, nos dias mais ventosos, esta forma de pátria agiganta-se, para dar sombra a todos os que correm para o centro para sentir o grito de Dolores.
Outras vezes, quando se liberta a serpente, simplesmente para os assombrar
Nas redondezas e a norte da praça, Lagunilla é um mercado ao ar livre.
Ou antes, é um bairro que se transforma em mercado, todas as manhãs.
Coabita com o poder centralista que emana do centro histórico, mas combate-o todas as manhãs em que os feirantes montam as tendas no meio da rua, ou presas nas fachadas da cidade que se afunda porque, enquanto não nos afundamos é preciso viver, e os mestiços têm uma visão do México mais pragmática do que as elites e, frequentemente, tão mais liberal quanto subversiva.
Em Lagunilla, paredes meias com a pátria intocável, eles vivem demasiado atarefados para se deixarem assombrar.
Mas bastam trinta minutos de um metro que respira melhor do que a superfície poderia antever, para chegarmos aos bairros do sul e a Coyoacan e descobrimos afinal que nem toda a cidade é esmagadora.
No bairro de Coyoacan, os transeuntes passeiam os cães nas ruas circundadas por casas térreas com quintais que se escondem nas arvores que invadem todos os espaços livres, respira-se introspeção nos pátios tranquilos das livrarias e dos centros culturais e, até os vendedores de rua, parecem oriundos de uma qualquer aldeia perdida nos cumes nevados que podiam envolver a cidade.
E em Coyoacan viveu Frida Khalo, o culto da irreverência e sacrifício, e o mundo imaginário que ela via "e se eu pudesse dar-te uma coisa na vida, eu gostaria de te dar a capacidade de te ver, a ti mesmo, através dos meus olhos"
E, apesar de apenas a trinta minutos do centro histórico, este bairro parece respirar uma descontração tropical que atravessa os restaurantes abertos, os jardins com lagos no seu centro e as estatuas dos coiotes que não assustam nem os animais de estimação nem os visitantes de Coyoacan.
E o dia esvai-se sem pressas, ao ritmo de um gelado que se derrete numa tarde amena de outono, entre mercados e as memórias dos locais de Frida e Diego, almoços que demoram ao ritmo de um peixe que assa em forno brando e de explosões de cores nas paredes desta aldeia plantada no meio da metrópole, um banho de azul profundo que se entorna, em cada esquina, sobre os muros cor-de-rosa que espelham os sonhos mais doces da cidade.
E depois de conhecida a intimidade de Frida, espalhada pela casa dos pais dela e pelo retiro do casal, até o temperamento de Diego parece excessivo aos olhos de uma ilustre visitante da cidade que questiona a grandiloquência de Diego, “para ele nada pode ser menos que épico, prefiro a aventura tão íntima e solitária de Frida”, nada mais do que uma opinião, bem entendido.
No parque central do bairro, a luz do fim de tarde desvanece-se nos sons dos esqueletos vivos que anunciam uma peça de teatro gratuita, dos pregões dos vendedores, dezenas de histórias iguais às da velhinha que vendia palitos para bolos, mas que só tinha feito cento e vinte pesos no dia inteiro e ela que insistia que tinha de levar algo para casa, ela que fazia os palitos, o filho que os pintava e ela que os trazia de uma aldeia a mais de quarenta quilómetros.
E nós compramos-lhe palitos para bolos para alimentar uma família grande na noite de Natal, e triplicamos a sua receita do dia, mesmo assim pouco mais de vinte euros.
Também há vidas amargas no lado doce da cidade, gente que, se pudesse, não se ofereceria para tais sacrifícios humanos.
Ao anoitecer na mesma praça central de Coyoacan, onde tudo acontece a qualquer hora, celebra-se uma cerimónia do culto dos deuses e rituais de purificação pré-hispânicos, que curam todos os sofrimentos do dia e perdoam todos os séculos de pecado dos barbudos, quiçá os deuses da ira.
E o que seria de mim sem o absurdo e o fugaz?
Frida e as suas borboletas, claro!


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