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terça-feira, 3 de julho de 2012

Feira do Amor Cigano


Cheira intensamente a farturas e coiratos que assam ao vento, numa brisa que percorre o vale e atiça as cinzas.
Este é o ambiente da feira, popular mas urbana, um retorno à charanga e ao fado que desafina na rusticidade que se entranha nos tempos modernos e a desvanece.
Salomão enlouquece com a dialética faduncho que exala do coreto, ziguezagueia entre um povo derretido pelas origens, ignora os roufenhos anúncios que exalam dos megafones saudosistas, intemporais de tão velhos
“Vulcanizadora Trovão, Oculista Caixinhas, uma caixa de óculos que relampeja nas noites de tempestade”
e procura desesperadamente a Deusa do Amor cigano, entre a barraca dos matraquilhos e as estacas da barraca dos sapatos e o carrossel do dragão – sim e o cheiro a farturas e o sabor a coiratos –
Amores vagamente clandestinos!
Salomão, como Sandosh ou Faisal apaixonou-se por uma intocável, uma nómada irreversível que apregoa por toalhões sem origem nem destino, a cavalo de uma Transit de 1978, num despudor confuso entre a sensualidade agressiva e os objetivos (a sobrevivência) de venda.
É uma paixão de acne e de Verão, seduziu-o a voz quase grosseira, o turbante que enfeitava os adereços prateados que lhe faziam brilhar os generosos peitos e, quem sabe especialmente, os olhos penetrantes e pretos, perfurantes como o céu estrelado, tão profundos como uma teia envelhecida…e o Salomão, Sandosh ou Faisal sentia-se um inseto insignificante e impotente.
Já não se lembrava do quando!
Mas não podia ter sido há muito tempo; a feira instalara arraiais há apenas três dias!
Ou terá sido noutro local, noutra festa e noutro Santo?
Ele corria avenida abaixo, vielas acima, praça à volta, atrás de um boato, de uma sensação (de um anúncio enrolado pelo gramofone pendurado entre as árvores)
“O arraial levantara amarras, as carrinhas e as tendas, a feira partira antes do tempo para outo lugar”
E ele que amava uma intocável, acto consumado, tal como Sandosh, já se sentia declarado morto, pelo amor proibido ou por estar em risco de o perder.
Porque ela fugira ou porque os zelosos funcionários municipais não podem tolerar a um munícipe, um amor nómada.
Impossível de recensear, amor de feira, fartura ou coirato, deve ser efémero!
Sem escolha, morto de amor e saudade ou administrativamente inexistente.
Mas a intocável partira mesmo e o Faisal, o Sandosh ou o Salomão – ato consumado na clandestinidade da família (dela) e do burocrata (dele) – apercebeu-se, no desamparado e desolado terreiro da feira, que não lhe conhecia o nome e tinha ficado preso na linha do tempo
Raça, crença ou religião.
Apenas uma poeira esbranquiçada se erguia em redemoinho, impulsionada por uma brisa impertinente que percorria o vale, iluminando o horizonte escuro de uma noite subitamente sem estrelas.
São as festas de Pedro, aqui ou em qualquer lugar


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