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domingo, 18 de junho de 2017

Não me deixem dormir!


Shut up ýou jerk - Manuel Alves (Fundação Serralves - O olhar dos artistas)

Não quero dormir, vou abrir muito os olhos, não me vou deixar entorpecer pelas vozes que crescem no eco dos corredores, apertados mas frios, vozes profissionais mas também vozes sonâmbulas de quem acorda de uma anestesia agitada, de quem se agita por um diagnóstico reservado das entranhas, vozes que se diluem por detrás de cortinas que não nos protege das nossas vulnerabilidades e claro, vou pensar muito alto nas realidades terrenas
E se não adormecer, como irei acordar? – E foi o último pensamento terreno que conseguiu agarrar, deitado numa maca gasta de tanta logística e de alvura própria de locais de uma medicina preparada para as boas notícias, preso por fios, ligado a ecrãs que debitavam números.
Rastreio – classificam eles
Silêncio, como se tivesse medo dos sonhos e a última imagem que reteve antes da escuridão em que mergulhou, foi a do professor Hélio, o neurocientista que inventou a máquina de fotografar os sonhos, bebendo chá em casa da Moira, sob a copa florida de uma enorme laranjeira afirmando, entusiástico da sua descoberta, que sonhar é ensaiar a realidade no conforto da nossa cama (in A Sociedade dos sonhadores involuntários – José Eduardo Agualusa)
Ele procurou seguir o conselho do professor, “…devolver ao sonho a sua vocação prática”, mas apagou-se, sem sentir o esboroar das batas brancas ou a frase seguinte do homem do sono, agora vai dormir.
E o ecrã dos dois números mágicos apagou-se de imediato sem que se tivessem manifestado falhas de energia invocáveis ao sono profundo do paciente de rastreio.
E voltou a acender-se, cheio de imagens que a classe médica parecia incapaz de explicar, tão nítidas que se assemelhavam a uma revolta das entranhas.


Dias de escuro e de luz - Julião Sarmento (Fundação Serralves - O olhar dos artistas)

Shoreline - Bruno Pacheco ( Fundação Serralves - O olhar dos artistas) 

Sem Titulo - Helena Almeida (Fundação Serralves - O olhar dos artistas) 

O que eles lêem - Carla Filipe ( Fundação Serralves - O olhar do artista) 

Aprender a viver com o inimigo - Pedro Neves Marques (Museu Berardo) 

 Museu Berardo  ( A única imagem que ela recordaria mais tarde mas que, ainda hoje, se questiona se foi sonho ou se será realidade)

E o homem (ou seria uma mulher) que não queria dormir acordou das trevas num lapso de vazio (porque ele não queria dormir, não existe tempo de acordar) e, hoje, apenas se recorda de uma enfermaria a preto e branco, cercada de seres de bata branca – pareceu-lhe reconhecer o professor Hélio, mas já não tem a certeza – que se dividiam entre olhares curiosos e alguma inquietação nos sinais do ecrã mágico que insistiam em debitar dois números mágicos, 66 e 98, números brancos contra um fundo preto.


E em vez das cortinas brancas de uma realidade asséptica ela viu-se rodeada de uma tela quase transparente que lhe anunciava ter regressado ao mundo dos seres acordados.

Ser e Estar - Museu Berardo

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