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segunda-feira, 9 de maio de 2016

(Não é) Exibicionismo (mesmo)


Entrámos na primeira sala e as paredes forram-se de sinais, luzes de uma intermitência global, como se fosse o universo em noite de verão, espelhado sobre o planisfério.
(Como se a terra nem sequer fosse redonda)
E as rotas que ligam os pontos, sucedem-se a uma velocidade de timelapse, no mesmo ritmo do contador digital: milhares de concertos, milhões de espectadores, não há tempo para desenhar circunferências neste mundo unido por cinquenta e três anos de fascínio mútuo.
(E eu que até que nunca fui um deslumbrado pela banda das pedras rolantes)
Na segunda sala somos cercados por um gigantesco vídeo Wall que transmite, com uma metódica cronologia de anarquia uma sucessão de vagas de música e movimento, e não há seres normais que consigam agarrar esta cronologia, isolar os momentos.
(Independentemente do gosto pessoal e das escolhas estéticas, cinquenta e três anos de momentos não permitem uma escolha minimalista e criteriosa).
E sucedem-se as salas que procuram equilibrar-se entre os momentos de exotismo e de excentricidade da banda e sinais subtis de uma marca que prometia intemporalidade.
(Sim, cinquenta e três anos é intemporalidade musical, mas também um farol da moderna civilização ocidental que se procura reinventar nos últimos setenta anos, com o objetivo de viver em paz – pelo menos entre si)
A réplica do apartamento sujo, anárquico (mas curiosamente clássico para a época de sofás de veludo pesado, papel de parede brilhante escuro, alcatifas sintéticas) e despojado, de uma época em que cantavam em bares e na rua
(Mas a marca de intemporalidade estava no piano de cauda e nas guitarras elétricas espalhadas pelo chão escuro, entre cinzeiros a abarrotar e pratos sujos de restos de comida)
As primeiras aparições, a revolução dos fatos, os objetos icónicos, a ascensão ao mediatismo, o exibicionismo pelo abismo, drogas, sexo e rock & rol, como se eles testassem escrupulosamente os limites da resistência e da luxúria, apóstolos do lado negra da existência.
(Rigor na forma como se cultivaram na rebeldia e exibicionismo, mas também como transformavam os estúdios de gravação em templos da criatividade, os momentos de criação em exercícios de perfeccionismo sem pressas, o design cuidadoso e de escola das capas dos álbuns, a origem e a preservação do logo, a perspicácia com que entendem que a exuberância dos palcos é crucial para acompanhar o crescimento das suas multidões de seguidores)
Lugares estudados, litografias de Andy Wahrol, a representação dos nossos lados loucos, sem preconceito e com desdém, a apologia de grupo como um espaço protegido de diversidade e de personalidades vincadas pela tolerância das suas próprias diferenças.
(E eu que até que nunca fui um deslumbrado pela banda das pedras rolantes, exceto quando oiço o Satisfaction)
Cinquenta anos é muito tempo (e, tal como eu, nasceram em 1963) mas nunca deixaram que a sua loucura os destruísse, apesar do aspeto decrépito do quarteto que continua a fascinar as miúdas de dezoito anos que (não aparentam) não se parecem recordar que, nos seus concertos, são afinal quatro avôs no palco a contar-lhes duas ou três dezenas de histórias.
Muito improvável pela diversidade de personalidades (o gigantismo de Mick, as hesitações de Keith), mas com um processo criativo minucioso – até nas imagens das jovens desnudadas nos corredores do avião em tour, algures em setenta, cobertas de cremes (diria natas) e copos de álcool quase destilado – que explica “vocês velhos (quer dizer, pais) eram muito mais rebeldes que nós…”
Para a maioria (dos agora respeitáveis velhinhos, que apenas se emocionam nestes breves momentos) não serviu grande coisa
(Continuam a viver como os mestres de forma / retórica ou morreram de overdoses de droga estragada)
Mas, para eles, pedras rolantes, fez toda a diferença (justificou toda a diferença)
No fim do dia, a sua razão de existência é a música.
E eles (Sir Mick, yes Sir) representam o triunfo da essência sobre a forma

Que bela moral da história isto dava!


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