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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Alt (e) amente – A essência do poder local


Domingo à tarde no estabelecimento da Dona Manuela e não havia mais turistas.
Só envelhecidos residentes em volta das mesas de pedra, cercados de prateleiras pejadas de artesanato de loiça e cerâmica pintada, chaminés que não deitam fumo porque, mesmo na serra, as leis são para cumprir.
Discute-se a idade dos velhos e as eleições para a Junta
"Nascida em Alte, residente em Alte"
- Mentirosa
"Ela não é de Alte é de Santa Margarida"
Ainda não chegou lá e já está a mentir!
O meu filho é o terceiro da outra lista (portanto a D. Manuela é parte interessada) e ela é uma mentirosa.
- Eu cá acho que ela não é mentirosa – Aquele bigode enxovalhado e mergulhado numa mini discordava com a patroa do estabelecimento
- O pai dela é um intrujão e um mal-educado. Ele teve cá a fazer uma obra e esticou-se no orçamento. O meu marido chamou-lhe a atenção e ele atirou os instrumentos para o chão e disse:
- Então façam vocês!
Está a ver?
- Mas a filha não é o pai – resistia o velho
- A mãe é outra que tal. Veio para a terra e abriu um estabelecimento igual ao meu (Ah!) e desde que o abriu, vão sete anos, nunca mais voltou a cá entrar, nem para tomar um café. Sim, porque o estabelecimento dela não tem café! Como se eu lhe tivesse feito algum mal.
- Mas a filha não é a mãe.
- É igual, porque também ela nunca mais cá entrou!
E o velho desistiu, suspirou baixinho e virou-se para o visitante.
Mas a D. Manuela não deixou.
Acha bem que ela minta assim ainda antes de sentar lá o rabo, senhor visitante?
Pois, mentir não é bom…
Tás a ver? Ela é mentirosa e ainda não foi eleita.
O meu filho sim, é de confiança. Ele não quis ser o número um…
Finalmente a Manuela afastou-se, dobrada por um troco difícil.
-És de cá? (Como se fosse possível ser de lá e ele – e o seu bafo alcoólico ressequido – não me reconhecerem) - perguntou o curioso autóctone 
Lisboa? Os meus irmãos vivem lá; em Odivelas e em Sto. António de Cavaleiros. São taxistas e têm um táxi deles. Eles estão bem, só eu é que estou na merda!
Distraído com a mini e com as suas memórias, aproveitei para me retirar desta ameaçadora contenda, para mim, tão incompreensível quanto a diferença entre viver em Alte ou em Santa Margarida.
Onde quer que ela seja!
Ali, à saída da porta, do outro lado da rua, jazia a pequena casa de arquitectura do Estado Novo, com as suas letras brilhantes, de tão polidas, a aguardar que aqueles dois, e mais algumas dezenas escolham o próximo inquilino.
Junta de Freguesia de Alte, os amigos do filho da dona do estabelecimento, ou a maldita emigrante de uma terra qualquer?

Esta deve ser a essência do poder local!

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