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sexta-feira, 8 de março de 2024

Sem censura

 


No CSW, localizado no topo norte do parque Liezensky, respira se uma atmosfera reciclada, a reconstrução detalhada de ambientes passados com cheiros de tinta nova, como se o tempo não tivesse passado por aqui, afinal de contas é sempre mais reconfortante acreditar nos bons genes da arquitetura clássica que admitir que em Varsóvia, não ficou pedra sobre pedra das memórias da monarquia polaca.
Mas no U- jazdowski, o tempo e a arte são contemporâneos, um momento em que a europa central se liberta das grilhetas do construtivismo, as formas são minimalistas, os cacifos são de moeda a fingir, o bar serve sumos saudáveis e tartes vegetarianas, e até os vigilantes de sala parecem humanos, como que hipnotizados pela legião de crianças que se atrevem a contestar a interpretação dos mestres, diante das obras do inconformismo dos artistas que, nos anos oitenta do seculo passado iniciaram a nova revolução, ao lado dos sindicatos de Gdansk e da igreja católica de todo o país.
Nie ocenzurowano – polish independent art of the 1980s é, de acordo com o  catálogo, uma exposição que mostra um panorama alargado do fenómeno artístico através do qual os artistas se manifestaram de diversas formas a sua oposição e independência do regime comunista da República popular da Polônia e do seu aparato opressivo como forma de aniquilar as aspirações públicas de liberdade.
Daí a atmosfera nova Polónia que se aloja dentro das paredes do passado, um local onde a arte decide por ela mesmo o que quer ser e como quer parecer
Na Polónia todos os lugares têm um significado cronológico, antes de serem o que são. A Polônia monarquia de Cracóvia até 1549, a Polónia da nova capital monárquica em Varsóvia ao longo da rota real nas margens do Vístula, o primeiro desaparecimento enquanto país a partir de 1759 quando as alianças a norte não foram suficientes para resistir às alianças que, a partir daí, rasgariam incessantemente o pais de leste a oeste, a democracia  incipiente de 1918, minada pela incompetência estratégica travestida de laivos de nacionalismos e de ingenuidade dos novos intelectuais, cuja essência sempre viveu no exílio, o retorno ao inferno da extinção em 1939 e os mais de 40 anos de obscurantismo dialético até que, em 1990, a europa central evaporou o leste, num sopro vindo de oeste.
Mas, por aqui, nos corredores deste espaço percorremos um dos raros momentos em que a história não se enquadra em nenhum significado cronológico preciso, um dos raros momentos em que a disrupção criativa se sobrepôs ao pensamento dominante e desafiou o futuro.
E a ideia, tal como o guião, não podiam ser mais sedutores: desobediência, clandestinidade, diálogo com o publico, militância, reflexão da nossa condição espiritual, consciência politica e, sem cedências, a liberdade. Afinal de contas um filme revolucionário rodado nos anos oitenta do século passado, num espaço e num tempo em que as causas revolucionárias tinham sido extintas pela falta de memória dos infernos e pela perceção coletiva de um futuro de redenção e bem estar sem limites.
Talvez no incompleto espaço chamado Europa mas não no território dos novos europeus.
Na Polónia que aspirava de novo a ser um estado da Europa central e que queria rejeitar os ventos de leste dos descendentes dos velhos mongóis, e a nova revolução proclamava se em  pequenos espaços, através da produção de miniaturas da obras originais, escondidas em malas de cartão, expostas em pequenos espaços, de casa em casa, como uma nova afirmação do domínio da individualidade sobre o que, outrora, parecia ser o destino dos povos, a revolução construída para as massas, baseada no pensamento único.
Mas porque as revoluções não sobrevivem ao sussurro, e a liberdade criativa não pode ser reduzida a amostras nem encarcerada, logo os novos portadores da boa nova, ou da nova ordem espalharam as suas obras pela paredes dos claustros das igrejas, numa improvável aliança entre a igreja católica, o espírito libertário e o pensamento revolucionário, uma impossibilidade apenas possível na Polónia, que a história confirma que não é circunstancial, porque a tolerância e provavelmente a única forma de garantir a unidade de um povo que teima em querer existir.
Aliás uma tradição de séculos, que o diga Copérnico, quando no século catorze proclamou, em Cracóvia, a submissão da terra ao sol, e foi objeto da admiração geral, sorte diferente de Galileu, nascido no berço da igreja católica.
E na exposição dos novos artistas, proliferam as referencias simbológicas ao marxismo decadente em obras de protesto como a instalação de a “revolução somos nós “ou a pintura “dificuldade em respirar”, o realismo de uma contemporânea ambição de independência em “polacos construindo a sua bandeira nacional” e a persistente reflexão sobre a sua condição espiritual inspirada na iconografia cristã em  “o sinal da cruz” .
Sem surpresa, uma síntese da forma como se tem construído a nova Polónia, numa afirmação de uma entidade própria, nem sempre percebida pelos europeus do ocidente, por alguma razão, a Europa central não é leste nem oeste, mas quem disse que na Europa deve prevalecer o pensamento único, ou não deverá a diversidade ser a nossa forma de afirmação no mundo?




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