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segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

WAY TO INDOCHINA #1 - A Espada Mágica

 


Conta a lenda que o Céu enviou ao imperador Le Loi uma espada mágica que ele usou para expulsar os chineses do Vietname.
No século quinze.
Depois da guerra, uma gigante tartaruga dourada agarrou na espada e desapareceu nas profundezas para devolver a espada aos divinos donos.
Ao longo das margens do lago da espada recuperada não há vestígios nem da lenda nem da revolta contra os chineses, porque afinal de contas deixou de haver opções para os regimes de partido único, mas de forte apetência pelo capital.
Não há vestígios da espada mágica na manhã precoce, mas os relvados que bordejam a água estão repletos de tartarugas ninjas, uma terceira idade que se agita em grupo antes do sol nascer.
Há um sentimento de urgência no ar abafado dos trópicos, mas, antes que a cidade acorde, sentimos Confúcio a pairar sobre Hoan Kiem.
E a ideia de que um funcionário do grande reino do meio, criou uma extensa lista de princípios de vida de uma forma tão metódica, como só um zeloso funcionário que privilegia a filosofia dos homens à fé nos deuses, poderia fazer, é-nos particularmente sedutora.
Enquanto eles meditam para recuperar as forças e enfrentar o grande dragão da realidade na metrópole, nós procuramos sistematizar e elencar os princípios do príncipe laico, chamado Confúcio.
Mas, subitamente a cidade acorda e o tráfego entope a nossa mobilidade, hesitamos sobre qual o melhor ângulo para enfrentar um rio de gente motorizada que escorre pelas avenidas em dia de chuvas de monção, apesar de estarmos na estação seca, mas a mobilidade deles revela uma notável capacidade de meditação do povo de Hanói, porque meditar é não pensar sobre o que os tolhe, o tempo suficiente para realizar as tarefas essenciais à sobrevivência na grande urbe e lidar, de forma infalível, com a nossa insegurança, primeiro receio, depois incapacidade e finalmente uma confiança de que, traçando uma diagonal tranquila, sem sobressaltos nem sustos, os habitantes motorizados da cidade nos manterão vivos e seguros, na travessia de uma entre as trinta e seis ruas do bairro, pelo menos. Sem interromperem o significado das suas vidas, nos mercados de rua, nas lojas especializadas, à beira do passeio ou no meio da rua, onde comer caracóis do mar é tão natural como vender roupas, quinquilharia diversa ou elogios fúnebres gravados em placas reluzentes, que vão iluminar as memórias dos ausentes, porque a honra aos antepassados convive muito bem com a realidade do povo vietnamita.
Sem que lhes seja necessário alterar o sentido da sua vida, Hanói acolhe-nos no seu seio, sem manifestações efusivas, desnecessárias porque distraem, mas apenas com um imperceptível acenar de cabeça, dentro do capacete e por detrás do lenço que lhes cobre a boca, porque se não cobrisse, juro que poderíamos ter surpreendido um discreto sorriso nos milhões de lábios que se atravessavam na nossa frente ou nos contornavam com uma confiança sem altivez de que nós, estrangeiros, não os iriamos desiludir.
Atravessámos por isso, sem medo, a Cầu Long Biên, em sentido contrário ao que seria esperado o trânsito circular na ponte do Eiffel, como se o socialismo tivesse trocado o sentido do trânsito na arquitetura do francês, para que nenhum símbolo do colonialismo pudesse permanecer imutável.
Mas afinal de contas, apenas trocaram o sentido do trânsito na ponte do Eiffel para evitar entroncamentos desnecessários e reduzir os acidentes, não há diferenças conceptuais, apenas uma adaptação prática aos novos tempos, não é apenas o regime que muda, mas aparentemente também a vida das pessoas.

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