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domingo, 28 de janeiro de 2024

WAY TO INDOCHINA #4 - Pagode do único pilar


 Os símbolos de um estado presente são engolidos pela anarquia do espaço limitado e pela necessidade de viver. 
É assim no bairro antigo, o bairro das trinta e seis ruas, das mais do que trinta e seis ofícios, um ofício uma rua, uma rua um ofício. 
É assim na única perturbação da normalidade que é a linha de comboio que atravessa a cidade, sem que as pessoas se tenham mudado porque elas já lá viviam, antes de haver comboio.
( Hoje, no centro do corredor da morte, que é uma linha de comboio que atravessa a vida das pessoas, como se fosse uma rua sem passeio, deparamo-nos com os únicos sinais de autoridade em ação, polícias que vedavam o acesso ao local porque os turistas e os seus smartphones e os filmes no tik-tok e as mensagens no Instagram tinham destruído o ecossistema que anteriormente existia entre os comboios e os habitantes locais, em que cada um sabia perfeitamente quais eram os seus horários e prioridades. Por isso, o estado presente aqui, não conta)
É assim no resto da cidade.
As estrelas amarelas sobre fundo vermelho cintilam em todos os quarteirões da cidade nova, como os pórticos civilizacionais da nova ordem, mas o quotidiano é sobretudo movimento que absorve as cores e abre os poros da cidade que libertam as pessoas das mensagens de contexto difuso. 
Mas em redor do museu Ho Chi Min, a ordem é, finalmente, restaurada, soldados fardados com bonés desproporcionados, movimentos bruscos e um autoritarismo que se exerce sem hesitações em frente ao scanner porque, apesar de morto, não são toleradas ameaças ao chefe da nação e os miúdos da escola, que não partilham de qualquer teoria do isolacionismo, e nos acenam com a vontade de um direito exercido, que são cuidadosamente perfilados na escadaria frontal do museu, também ele construtivista e brutalista, porque os miúdos são os filhos da nação e não lhes é permitido esquecer. 
Mas parece me que os futuros filhos na nação vão entender melhor o pai na visão pop star que emana das galerias de arte contemporânea do que da inspiração dos guardas bolorentos do regime e dos diligentes mestres de escola. 
Independentemente da visão redundante dos olhares fardados e da lógica inquisitiva do olhar dos derradeiros guardiões do museu
No templo de um pilar, junto ao museu da vida e da histórias do grande líder, o buda estende os seus sete braços, procurando a quase perfeição no lugar que o rodeia, a eterna memória do pai da nação. 
Também o Buda aceitará certamente que a memória coletiva é importante e todos os países têm direito a sobreviver a um inimigo comum. 
Também o Buda aceitará sem reservas a fusão entre o religioso e o pagão, entre uma filosofia de vida e uma religião, entre o culto solene e as oferendas mundanas aos antepassados, entre o Confúcio e uma nova ordem moral
Lá fora, a urbe engole toda a retórica, na mesma caixa em que queima notas de mil duangs em honra aos antepassados, nas bermas dos passeios, cuidadosamente acomodadas entre os passos dos transeuntes e a insanidade da vida na cidade. 
Suja, desleixada e caótica, mas nunca miserável.





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