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sábado, 20 de outubro de 2018

A ponte do amor



Junto à ponte do amor, a noiva hesita, deverá esperar pelo noivo e subir para a ponte com o noivo pelo braço ou deverá subir para a ponte sozinha, porque a sorte e o amor são estados de busca e não de espera, conseguem-se com dois, mas não sobrevivem a relações de domínio, exigem construção e iniciativa
Ou espera por ele?
A noiva é branca, tão branca que retira o realce ao vestido, tão branca como uma louça de porcelana que permanece hirta e que devolve os reflexos de luz sempre que muda de ângulo, sempre que desvia o pescoço e lança os olhos para o horizonte, um olhar que hesita entre o predador e a presa , uma timidez de camponesa que pressente que, entre ela e o noivo, há uma urbe imensa que lhes pode alterar as perspetivas.
Ao seu lado, a acompanhante, de olhar vivo e nariz que se mantém ereto, como se farejasse a vida e as sensações de forma ininterrupta, veste-se de ganga coçada e de rasgões premeditados, , uma pele que aspira vida pelos poros e que realça o branco da sua blusa larga e a agilidade dos seus movimentos
Ela controla os movimentos circundantes, a ansiedade da jovem noiva, os pensamentos do noivo, a inclinação do Sol e emana uma auréola de cosmopolitismo eslavo que ordena à noiva, com olhares furtivos, mas decididos, que espere, é verdade que a tradição exige que o noivo espere por ela, mas todos os descuidos podem ser perdoados e são os imprevistos que justificam a proliferação da iniciativa privada, de uma nova juventude que concebe o seu estilo de vida próprio, com base na resiliência, na iniciativa e na capacidade de aproveitar as oportunidades que os sentimentos, as necessidades e as inseguranças dos outros, criam.
As bases do capitalismo, portanto
E, afinal de contas, manter algumas superstições não comprometem o rumo da modernidade e mesmo o futuro precisa de rituais para florescer
 A noiva que vive o ritual de uma vida na ponte do amor da grande cidade, da grande capital e que hesita sobre a melhor forma de trepar para a ponte dos cadeados do amor e a jovem consultora que sabe que os cadeados estão presos nas árvores e não nas pontes e que as árvores são artificiais porque não há arvores a nascer nas pontes, mas não tem dúvidas que o efeito nas memórias não se faz necessariamente da genuinidade dos elementos mas do efeito retardado que eles provocam nas memórias e no reconhecimento social.
E, diante a naturalidade de uma geração sem passado, e de outra que procura assimilar os múltiplos passados que moldaram os seus olhares perplexos de hoje, as mudanças constroem-se à sombra dos heróis da Revolução, dos símbolos da resistência e dos ícones do grande império.
Que, resolvidos os equívocos ideológicos, ninguém parece contestar.




Os passeios de Sábado ao longo do rio Mockba são uma manifestação das famílias que se pretendem reconfortar com o regresso ao direito à individualidade e a um quotidiano desprovido de momentos épicos, um bem tão precioso que parece justificar a abstinência de uma consciência política.
E uma forma de se procurar reconciliar as gerações, as perspetivas e as expetativas, independentemente da diferença dos olhares, das roupas que vestem e da resiliência que denotam.
Independentemente da inevitabilidade de haver vencedores e vencidos e do facto de apenas o indelével percurso da vida e da morte poder resolver as memórias em carne viva dos filhos do império.




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