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terça-feira, 16 de outubro de 2018

O génio de Ivan





Há um sentido para procurar o Kremlin quando chegamos a Moscovo.
Afinal de contas o castelo não é apenas um símbolo da nação, é a própria origem da Moscóvia, quando esta lutava para nascer e empurrava a horda dourada para Oriente.
E saímos cedo de Kievyscaia, um Sábado de manhã de um Sol que ainda não exalava calor, mas despejava luz nas pontes sobre o rio Mockba e refletia o vidro da cidade nova que se erguia a Ocidente, bem para lá das fronteiras, do círculo das sete irmãs, os orgulhos arquitetónicos de Estaline
Plantada a norte, emergia do horizonte a Casa Branca, um bloco de cimento pintado de branco que trocou a sua origem soviética pelo grito da desagregação do império.
E, à medida que decifrávamos os olhares fortuitos e os novos símbolos, percorríamos a história numa cronologia inversa ao longo da Arbat romântica de Pushkin, de casas quase térreas, cores suaves como as imagens ligeiramente saturadas que retemos na memória rural dos grandes clássicos da literatura russa dos séculos dezoito e dezanove.
E o centro da cidade é um território de conquista, um local de culto dos primeiros Tzars, de santificação dos mártires da guerra com os mongóis e marca definitivamente o início da expansão do reino da Moscóvia em direção a Leste e a Sul.
Por isso, o castelo das cinco igrejas, erigidas pela ortodoxia entre os séculos quinze e dezassete marcam o (primeiro) período orientalista do império russo, antes da chegada de Pedro, um homem do mar que não apreciava a continentalidade e que se considerava, acima de tudo, europeu e, por vezes, demasiado atraído por Roma.
Por isso, a fisionomia do centro de Moscovo é defensiva, ortodoxa e rodeada de muralhas e de suspeições.
Por isso, é ao Kremlin que a oligarquia sempre regressa quando se sente ameaçada pelo Ocidente e se recolhe entre as hordas conservadoras da igreja.
E, sem surpresa, com alguns séculos de interregno Petrino o seu último símbolo construído foi Palácio Estatal do Kremlin cujas formas quadradas e a abundância de vidro não permite disfarçar a sua origem no século vinte revolucionário e bolchevique.
Por isso, o Kremlin é a porta de entrada da Rússia nas suas ambições asiáticas e nas desconfianças europeias.
E, tal como parecem disso estar convencidos os novos historiadores da velha Rússia, o interior do Kremlin é tão pouco relevante para o presente como Ivan, o Terrível (afinal de contas apenas Ivan IV) e os seus demónios pessoais o foram, nos seus cinquenta anos de reinado, para os turbulentos anos do século que o sucedeu.
O Kremlin não é a Rússia, é provavelmente o local menos local de toda a cidade, quiçá de todo o país (mas também não tem de ser) mas antes a imagem que eles querem que nós tenhamos da sua realidade e um local de peregrinação para o imenso povo anseia respirar os vapores do império
Do outro lado das muralhas, na praça Vermelha, que deve o nome a uma analogia entre a palavra e um sinónimo de beleza e que, ao contrário do que parece, não usa a cor com qualquer conotação ideológica, passeiam milhares de estrangeiros, fascinados pelo mausoléu de Lenine e pelas imagens bélicas dos grandes desfiles militares.
Os verdadeiros moscovitas preferem espraiar-se pelos jardins exteriores de Alexandre, onde se homenageiam os heróis da resistência aos malogrados invasores ocidentais da estepe russa, Alexandre I o homem que derrotou Napoleão e os milhões de soldados desconhecidos que derrotaram Hitler.


No último dia de Verão, um mau presságio para todos aqueles que se sentem estrangeiros no castelo do Kremlin













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