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terça-feira, 25 de abril de 2017

Huber’s – Essen & Trinken



Há lugares assim. Discretos como Audrey Hepburn
Sim, havia um retrato de Hepburn na parede.
Provavelmente a homenagem do homem atrás do bar à morena que servia às mesas.
Mais tarde, algumas semanas depois, desfizeram-se as dúvidas, era o espelho da mulher que servia às mesas, imaginada pelo marido de barba grisalha que se movia silencioso entre a cozinha, o bar e a máquina registadora.
Lugares que se vão entranhando à medida que o puto vai saltando de lugar, ele e a sua máquina de jogos, à medida que a mesa do lado – e as outras - se vão enchendo de francesas de idade média alta que se acotovelam entre pequenas tijelas de sopa e canapés e que falam alto e francês entre elas e um alemão sussurrado para a morena que serve às mesas e sorri, em todas as línguas.
E o espaço de esquina na Rennveg 11 vai absorvendo a chuva copiosa que grassa na rua do elétrico, secando os cabelos revoltos e as roupas fustigadas pela água que anunciava neve para os próximos dias.
Há lugares assim, que só reconhecem a genialidade depois de dias de digestão tão suave quanto a música que absorve o ruído intrusivo das mulheres que não param de entrar e sair, empurrando o puto para o balcão, hoje que ele estava introspetivo, a semana passada jogava à bola por detrás do balcão, de certeza com as mesmas cores de amarelo e preto com que enfrentava hoje, a máquina de jogos.
Semanas depois as dúvidas eram desfeitas. Ele tinha nome mas nós não descobrimos, oito anos bem medidos e era filho do casal, do barman e cozinheiro de barba grisalha e da distinta morena que servia às mesas e que, aos olhos do marido, parecia uma estrela dos anos dourados do cinema americano.
Não me lembro bem o que comi, mas era bom, ainda se sente o sabor cuidado de uma cozinha que não deslumbra mas entranha, das torres gémeas que espumavam cerveja forte, e que serviam de moldura ao nu esbelto em fundo de verdes, resguardado atrás da porta de entrada de frente para a cara sorridente da atriz.


E hoje apostaria ter ouvido bossa nova.
Com seria capaz de jurar que o cozinheiro, barman e marido era afinal também pintor e a morena que servia às mesas era a mulher, sorria em todas as línguas e era modelo.
Lá fora, o 71 corria sobre os carris molhados e furava, muito esporadicamente, as nuvens escuras de uma planície que não se poupa ao inverno, hesitando entre a imponência barroca do palácio de Belvedere e o construtivismo soviético do monumento aos soldados mortos na grande guerra.
Ambos donos do restaurante, uma certeza adquirida pela curiosidade de quem renasceu naquele dia de inverno de ossos encharcados, com o Sol anunciado das quatro da tarde.
Há interiores assim, mesmo na Viena imperial.

Lugares onde os seus habitantes se aconchegam do passado altivo e da fria pedra trabalhada pela história. 

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