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sexta-feira, 10 de junho de 2016

Milhões de letras

Em cada um dos recantos de exposição, bastam uns segundos de alheamento para nos entranharmos nos universos ficcionais que se alinham nas prateleiras improvisadas das caravanas de cultura que percorrem o parque.
Cada momento que conquistamos à multidão, apenas nós e os livros, é uma memória nova, construída por bolsas de silêncio e de recolhimento, que nos cercam da matéria e nos isolam em imaginárias bolas de sabão em argumentos inesperados, personagens esquecidos, feitos heróicos, dogmas recontados, dramas lembrados.
Que despertam as dúvidas sobre a cronologia dos factos e nos permitem desenhar os nossos próprios enredos


A nossa cultura é desenhada por sombras e detalhes, palavras e alinhamentos, símbolos, números e planos recortados



imagens, autores, palavras, milhares de palavras, milhões de letras, citações e títulos sugestivos




Basta que nos deixem esquecer a multidão de gente ruidosa que sobe e desce a alameda num ruidoso auto de fé, enfrentando os cheiros a pipocas e os sons metálicos que anunciam uma comunhão popular entre os centenas de autores consagrados que partilham a sua criatividade na contracapa dos livros autografados e impressionam com a sua dimensão de seres humanos à sombra de um chapéu de sol, numa esplanada que serve livros....
Basta deixarem-nos a sós uns poucos segundos, sem ninguém entre nós e aquela história que desponta da prateleira improvisada...



e logo criaremos bibliotecas de novos universos ficcionais ...
E nem a pobre da animadora que berrava para as crianças distraídas uma assustadora história de crianças e gesticulava, e as crianças continuavam distraídas e só os pais sorriam porque era alta e as tranças espetadas lhe davam uma graça especial, e as crianças continuavam distraídas e ela que falava e gesticulava sempre mais alto até uma criança ameaçar chorar...
voltei-me para as histórias que se lançavam das prateleiras e procurei recuperar o recolhimento das palavras escritas, não sem um breve período de desorientação e imagens desfocadas
Enrosquei-me nas milhões de letras que se moviam em fila na banca, como milhares de formigas que constroem os seus próprios caminhos e que resistiam teimosamente aos ventos de norte que desciam o parque, apaguei as imagens supérfluas e dediquei o resto da tarde a construir novos universos ficcionais com os milhões de letras que nos envolvem.
É que a cultura é mesmo uma coisa séria!

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