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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Riso em Shangai



Shangai, quatro horas da tarde e uma jovem portuguesa desfaz-se em gargalhadas, ela ri sozinha, de dentro dos seus simulados auriculares, lusitana isolada num mar de rostos asiáticos, fechados na sua própria concentração no largo escritório de espaço aberto, quarenta rostos que a olham na torre envidraçada da capital financeira do império chinês.
(Eu imagino a vista fabulosa sobre o movimentado porto de Shangai)
Lisboa, nove horas da manhã, e o humorista radiofónico faz rir a jovem lusitana em Shangai, com chalaças de teor oriental, destinatário tão preciso quanto Psy de nome, Gangnam Style em língua coreana, poemas que um português jura invocar realidades lusas, apesar dos biliões de visualizações no youtube.
(biliões que não rimam com Portugal)
E os vizinhos (colegas, concorrentes, amigos ou desconhecidos) levantam o sobrolho e não entendem este lusitano e estridente riso (sim, chinês não é coreano), e resta apenas a condescendência de quem não perde tempo em demoradas conjeturas.
Ela ri, sorri, recompõem-se e encolhe os ombros.
Ri sem tradução simultânea disponível e posta algures numa qualquer e transmissível rede social.
E eu rio, no trânsito de uma qualquer manhã infernal dos subúrbios da cidade, capital do país mais distante e periférico do mundo, na perspetiva chinesa;
Rio-me do humorista, da chalaça que, obviamente não entendo, porque o recordista coreano de visualizações do youtube é-me tão familiar quanto a sua língua natal, da portuguesa que ri em Shangai, da surpresa dos chineses, do locutor que orgulhosamente conta a história da lusitana que ri na China de uma piada sobre um coreano, contada por um português, da inconsequência de tudo isto (não parece que ninguém sequer lhe tenha perguntado porquê) e provavelmente também me rio – já agora, previno-me – da figura de tolo alienígena que não evito, cercado de trânsito e de vizinhos.
Enfim, rio-me de tudo e de nada.
Viral e contagioso!
Louco e subversivo, porque provoca a evasão, e evoca a recordação e a associação de lugares!
Lisboa, ontem cinco da tarde, meia-noite em Shangai.
Desespero, procurando Susana (parece-me que uma lusitana em Shangai só pode ser Susana, imagine-se lá porquê) neste final de tarde à beira Tejo.
Provavelmente perdeu-se propositadamente nos mercados noturnos de Shangai (não conheço Shangai, que fique bem claro, mas só podem haver mercados noturnos – imaginemos pois que se trata de Hong Kong, por aí há mercados noturnos, sim senhora) e, na noite fria da cidade come sopa de vegetais cozidos com pauzinhos de bambu, não se incomoda com os escorpiões no espeto, impressiona-se com a multidão de seres e de luzes que povoam a urbe em turnos precisos, os da noite e os de dia na grande fábrica do mundo onde só tu, Susana, se atreve a trocar os turnos e viver de dia e a noite!
Tu e eu, Susana – ou lá quem tu és – tu e eu sempre a rir!
Cada um sabe de si!
(Exposição do riso – Museu de Eletricidade, Lisboa)

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