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terça-feira, 19 de junho de 2012

Lviv Express II – Sobrevoando a Europa


É quase angustiante preparar uma viagem non-stop ida e volta aos confins dos Cárpatos, porque não nos acostumamos à ideia de que vamos atravessar para aí um quarto do mundo (julgo que mais, se eliminarmos os mares não povoados, debaixo de uma linha circunferencial que abrace o globo) e voltar, sem levar roupa ou mala, no mesmo dia (entendido como um período sequencial e sem intervalos com uma validade máxima de 24 horas, seja noite seja dia, 24 horas ponto!)
Uma digestão tão rápida de uma refeição tão opulenta que nem dois comprimidos para o estômago aconchegaria a dor.
E depois não há espaço de erro na meteorologia, que talvez fosse mais previsível se não desconfiasse dos efeitos secundários e das influências aleatórias do lançamento dos mísseis ucranianos anti chuva
Material fora de prazo do antigo arsenal de guerra fria?
Um livro, escolhido sem critério nas prateleiras solitárias da nova grande distribuição cultural, pareceu-me uma forma adequada e muito conveniente de (me) preparar (para) a aterragem para além dos Cárpatos, uma espécie de transportador que prepara a nossa personalidade para um choque qualquer, um purgatório intemporal, indolor, com retorno garantido e programado.
Bufo e Spallanzani pareceu-me um bom título, Chicago anos 30, Império Soviético em decomposição anos 90 (sim um pouco atrasado, eu sei, talvez não)
É que, quando viajamos de uma forma desesperadamente veloz, Europa acima, devemos acautelar os nossos viciados espíritos na ocidentalidade europeia, a única (hermética e asséptica) Europa a que nossa geração foi habituada.
Com o estilhaçar do número de países e nacionalidades renascidas, alargou-se a amplitude aceitável do espaço europeu e aumentou a dificuldade de encontrar um mínimo múltiplo comum para uma tão (utópica) desejável união política.
Com influência decisiva no nível de vida, nas variantes linguísticas do triângulo alemão, inglês, francês, no sentido de humor, no estado das estradas e nos índices de poluição dos autocarros urbanos, no custo (e no gosto) de uma cerveja e na distância focal dos olhares autóctones.
Amplitude a crescer, amplitude máxima na Ucrânia, antes da mãe (intransponível) Rússia e nos antípodas da república islâmica, a caminho do Sol Nascente.
Um romance com sangue, sexo e violência parece-me (repentinamente a 10 mil metros de altitude) uma metáfora demasiado extravagante para uma Europa desprotegida que não estamos habituados a reconhecer.
Tudo tende a ser novo (para nós, e velho para eles) a Leste do Paraíso e dos Cárpatos…Acho eu!
E fechei o livro, dez páginas depois de o abrir, e adormeci
A visão (sem direito a sonho, sequer) à saída do avião foi gloriosa, quase avassaladora; no fundo da escadaria recebiam-nos uns meninos grandes, louros e sem barba, com um boné azul e desproporcional, de estrela na testa e uma pala verdadeiramente kitsch e, na borda do passeio, a antiga (e única até há um mês atrás) aerogare, um brinco neoclássico da esplendorosa arquitetura soviética, brilhava de convencimento próprio (e alguém me dizia que os tetos do interior eram imperdíveis) e deixou-me em êxtase total!


É que eu tenho um fraquinho por ícones!

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