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domingo, 14 de setembro de 2014

( Parte 2) Bem-vindo ao mundo louco do baixo custo – O embarque

… Ou o que faz um Homem para tentar poupar os remanescentes cem euros!


Ah! Ainda bem que medimos as malas porque na porta de embarque estão uns apetrechos medidores de malas, para garantir que a lei se cumpre.
Mas os apetrechos vivem numa solidão profunda, apesar dos esforços do segurança em regime de trabalho temporário insistir em pontapeá-los distraidamente – um temporário não pode ser ostensivo nem autoritário – para os meio dos pés dos transeuntes que, aos saltinhos e olhando distraidamente para os tetos de zinco do terminal dois, congeminavam conversas que os mantivessem ocupados e pretensamente distraídos.
E ninguém tenta lá enfiar as malas e centenas de jovens e mais velhos contornam o apetrecho com caixotes que parecem montanhas.
Atravessámos a pista a pé (já se passeia a pé no aeroporto de Lisboa) ultrapassámos umas velhas tão corcundas quanto as malas que as puxavam e saltámos para a traseira do laranja sem pudor, porque aqui os lugares são marcado mas as malas não.
Ops. Chegámos mesmo a tempo de enfiar as nossas modelos viajantes no último cantinho disponível
Devíamos ter percebido que mais importante do que medir as malas é correr lesto e chegar primeiro.
Mas não percebemos!
Depois vem a inglesinha rechonchuda – como todas as insulares aliás – enfiada numa farda demasiado apertada e colorida, e as faces da pequena começam a corar, de embaraço, de desconforto, ira, tudo isto numa sequência de tom que quase destruía a reputação da fleuma britânica.
As miúdas stressam mesmo nesta fase de arrumações, de tal forma que já não me lembro se o salva vidas que exibiram ao alto, tão em simultâneo com a discussão em tons de ameaça e absoluta necessidade de não perder o lugar no corredor aéreo, era para nós ou para ela!
E partimos nos laranjas. Os laranjas são bons. Furam as nuvens sempre numa linha direita que empena de solavancos, em estado de hipnose diante dos apelos de consumo que exalam do banco da frente, perto, muito perto do nariz, porque em baixo as pernas encolhem-se e em cima a vista desfoca-se, de tão próximo, do apelo laranja ao consumo.
Uma sandes de aspeto que sabemos de antemão que não é real, até porque a cerveja, por detrás de um impossível copo de vidro – estamos no avião, certo? – jorrava partículas de gelo e uma espuma, tão perfeita que só podia ser mesmo, fotografia.
Os laranjas são bons: onze libras de perfeita ilusão.
Sabemos que o sabor da sandes ia ser deslavada, que o copo vai ser de plástico e a cerveja vai estar quente!
O melhor era mesmo um sumo de tomate. São só onze horas da manhã, o sumo de tomate disfarça melhor os equívocos de temperatura.
Nós temos a certeza que é mentira!
Mas aquele solavanco permanente e sincopado, o cartaz laranja a saltitar à frente dos meus olhos e a caravana laranja que se aproximava e as libras a tilintar destruiu a minha resistência à hipnose aeroespacial.
E no meio daquele ar imenso que é o céu azul em cima, os nimbos em baixo e a carcaça laranja a latejar, sucumbimos à ilusão.
A cerveja estava quente, a sandes tinha um sabor a molho inglês, o copo era de plástico, mas nós sorrimos com o desconto de uma libra por sermos dois!
E ainda não tínhamos abandonado a jangada de pedra e a poupança tornava-se perigosamente vã: estávamos a uns míseros oitenta e cinco euros de uma viagem normal.
Mas os laranjas confiavam no marketing e as rechonchudas já estavam mais felizes, pelo que, sobre o golfo da biscaia deixámos de as ver, a elas inglesas, rechonchudas e laranjas e às tentações de perdermos a nossa honra e de nos perdoarmos pela nossa teimosia.
Verde, vacas, hangares e pistas vazias foi o que vislumbrámos no regresso a terra, o que, sem GPS poderia significar a França do Norte, a Escócia do Sul, ou qualquer outro prado da Europa chuvosa.
Mas aterrámos na ilha, na verdade um pedaço inóspito de terra firme, em que o hangar principal aparentava origens mais nobres que o terminal de passageiros, uma térreo e plebeia barraca de zinco, tão cinzenta que se confundia com o céu, tão térreo quanto o porão das bagagens, talvez por isso mesmo Luton fosse tão térreo, talvez assim os passageiros não se atrevessem a trazer bagagem.
Uma hora e meia depois, vinte euros mais tarde, um autocarro com volante à direita uma revisor italiano, cinco minutos de viagem e mais uma gare no meio de nada, saídas da plataforma para os prados verdes, quinze minutos de espera e um comboio pontual, mais quarenta e cinco minutos de verde até imergirmos nos túneis da urbe, inconfundíveis vestígios da fuligem industrial, agora preservada como memória coletiva, e tivemos finalmente a certeza que tínhamos aterrado do lado certo do canal.
Às duas e meia sentíamos finalmente a babilónia do mundo a pulsar, entre a modernidade ostensiva do Shard e o classicismo enternecedor da Torre de Londres

A sessenta e cinco euros de distância de um viajante conformado.


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