Pesquisar neste blogue

domingo, 6 de janeiro de 2019

Envoltos em Utopias grandiosas





Em dia de tempestade nórdica, a capital czar revelou-se dentro de portas de forma absoluta, porque desconfio que não há subtilezas.
Os milhares de obras de arte das grandes escolas de pintura europeia, compradas (nem todas as potências europeias o conseguem garantir) pelo mundo inteiro refletem a necessidade de afirmação da Rússia como potência mundial.
Depois, certamente num plano secundário a admiração dos Romanov pelas pérolas da cultura europeia.
É no Hermitage que St. Petersburgo se pretende afirmar central e cosmopolita.
Mas em dia de tempestade nórdica, percorremos os rios que nascem da água do grande rio e afundamo-nos nos subúrbios sem tradição palaciana e imperial à procura da outra metade, onde renascem os templos da nova arte, antes que a chuva nos faça perder a consciência.
A aparente dificuldade de comunicação com os russos é provavelmente uma afirmação de diferença, de distanciamento em relação às origens da antiguidade clássica ocidental.
Ou não.
A espiritualidade desta nova arte, prolonga o fascínio pelas mitologias também elas helénicas, como no renascer da nação russa no século 17.
“Cristo e o deserto”
“Martinho e o pedinte”
“Druidas, jardins do amor”
“Adão e Eva, memórias da terra”
São os títulos dos quadros da primeira sala do quinto piso.


Mas também de revelações, que são surpreendentes, apenas para quem, como nós, desconhece a história deles.
“A consciência da inconsciência das multidões é a justificação para a existência de uma oligarquia de homens influentes que conduz as multidões nas questões de sobrevivência do estado”
Sempre foi assim desde o início da nação, enquanto império, ou com pretensões. Um estado autocrático que não se intromete na vida quotidiana
E no ERARTA a irreverência da arte contemporânea também se faz de mensagens que nos provocam arrepios de desconforto, a nós crentes da filosofia da antiguidade ocidental e que mesclam o construtivismo revolucionário do século 20 e as referências mitológicas para desconstruir as dicotomias clássicas da Crença e do Anticristo



Tal como a arte russa do século 19, as visões artísticas russas do século 21 são surpreendentes de modernidade e de entidade própria.
Quando aqui chegámos questionávamos como é possível conciliar a autocensura com a irreverência da arte de vanguarda. Afinal é!
Como também foi possível no reinado de Nicolau I, no século do iluminismo, das artes e da glasnost
Frequentemente, e com recurso a revelações tão inesperadas quanto familiares e de perceção óbvia, não fossem os russos um povo moldado pelo hiper-realismo.
E nós que adoramos perspetivas desconcertantes.
Como as de “Maria Madalena”, “Odisseia e as sirenes”, “Anjo no telescópio”, “Ivan, o terrível, a matar o seu filho” “O visitante Além-mar” ou “The appearance of god Veles in the forum of embryonic cosmos”, todas com uma ordem precisa e sem tradução.
Saímos do ERARTA às 10 da noite, cheios de visões misturadas de Ortodoxia religiosa e mitologias da antiguidade ocidental.
E de mais um jantar cosmopolita que parece não ter horas de fecho.
Cá fora, no subúrbio deserto, a chuva era apenas o reflexo das ruas nas luzes amarelas dos candeeiros públicos e um velho rondava a nossa espera e, entre o álcool e a falta de convicção, pedia dinheiro e evaporava-se nas nuvens que ainda persistiam no céu e na noite.

E, regressados às raízes do império, já longe das onze da noite, ninguém parecia interessado em voltar para casa.





Sem comentários:

Enviar um comentário