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segunda-feira, 2 de abril de 2018

Tempestade na ilha dos museus





Os ventos de leste percorrem as arcadas neoclássicas dos museus imperiais.
E está frio, muito frio, tão cortante como as vozes das espanholas que nos martelam os ouvidos, não há frio que lhes seque a voz.
Enquanto elas se empurram, nos empurram, com um coro de vozes sem intermitência nem pudor, e nos tocam, nos apalpam, naquela agitação de tudo querer contar umas às outras, evitando a chuva e o vento, esquecendo-se que existe uma fila, ignorando a vizinhança ibérica ou outra qualquer, não há obviamente nada de sexual no calor dos seus corpos ou almas, a rapariga eslava que nos antecede na fila, descontente com as aproximações involuntárias da alma ibérica, ou por choque em cadeia ou por osmose, encolhia os ombros, lamentava ao (muito mais idoso, e por isso provavelmente grato), parceiro e trocava de lugar sempre que a ola a perseguia.
Havia, ao longo desta fila que se entornava (sim porque chovia, sim porque havia uma fila à chuva e outra à sombra de uma arcada que soprava todo o frio que se esquivara da chuva, sim porque avançava às vagas ou solavancos) um caleidoscópio das divergências comportamentais da Europa do Atlântico aos Urais.
Como as espanholas, que transformaram o primeiro lugar da fila à chuva no último da fila à sombra, provocando estridentes compressões na península
Ou a eslava a quem o contacto físico gerava repulsa e o velho lobo da Silésia que a protegia.
Ou os italianos indiferentes.
Quase tantos mundos quanto os impérios de Pérgamon, o museu montagem da elite da arqueologia alemã da mudança de século XIX para XX.
Por estes dias mantém a ala sul fechada para restauro, imaginemos nós o império grego e o magnífico altar de Pergamón encerrado para obras, não há aproveitamentos políticos ou sinais de um novo poder às periferias idealistas e despesistas enquanto expõem o Império Romano, a Babilónia e doze séculos de mundo islâmico, povos que sempre apresentaram uma consistência territorial e uma noção de Estado, bastante mais condizente com a reputação germânica.


E com a ala sul fechada para obras de restauro (ao que consta até 2019, para depois fecharem a ala norte para restauro das restantes civilizações e construírem uma quarta ala que permitirá uma visita aos quatro impérios e civilizações de uma forma ordenada, coerente e sequencial) perde-se a possibilidade de evitar as filas de europeus que não procuram, nas diferenças das civilizações da antiguidade, o fio condutor da civilização ocidental, pelo menos de uma forma tentativa.
Basta olhar à volta e observar as reações da europa a vinte e sete ao contacto físico.
Palavras de museu (a primeira metade do parágrafo) inquietação do autor em toda a restante.
O desconforto da fúria renovadora desta nova Alemanha, que mantém a ilha (e o resto da cidade) em estado de um estaleiro quase histórico, que não permite entradas rápidas a portadores de bilhete, exceto com pré-marcação (quase virtual) nos postos de turismo da cidade, e que mantém toda a cidade num estado de sítio, apenas incomoda os forasteiros, porque parece tão devidamente planeado como uma inevitabilidade de quem considera que tem tempo e que não pretende recolher os guindastes enquanto Berlin não for a capital perfeita da Europa.
E se foi destruída em dois anos, adiada durante mais dezoito e trancada ainda mais vinte oito, existe a ideia de que, todo o tempo do mundo, se justifica, para transformar Berlin na cidade imperial perfeita.


E a forma como se pretende adicionar uma quarta ala – mesmo que tal signifique que só teremos um museu completo lá para 2022 – é quase uma declaração de que não chega recuperar a história, mas é sempre necessário acrescentar presente, mesmo que este – à luz dos valores e da estética herdada da Antiguidade Clássica que povoa o Pérgamon e inspirou o lado ocidental da civilização europeia – nem sempre nos pareça muito adequado e coerente.
E os alemães respondem-nos com audácia, atrevimento e disrupção e com um orçamento de obras públicas colossal.
Provavelmente confortados com tão dispares predisposições ao contacto físico que demonstra a nova circunferência continental, a Alemanha permite que Berlin – de forma quase autodeterminada - estenda as suas intermináveis avenidas a leste com emprego e solidariedade ocidental e umas vagas origens históricas comuns, como os dois braços estendidos aos extremos, em torno de uma nova alma europeia.
Considerando a reação eslava à euforia ibérica, até é capaz de fazer sentido que Berlim continue em obras nos próximos vinte anos.
As opiniões dividem-se entre o meu Eu interior e exterior, o meu Eu racional e sensorial e uma certa precaução que a História recente aconselha.
À saída do Pérgamon, a única certeza que tínhamos adquirido, era a de que todos os grandes impérios do passado se tinham, de uma forma ou de outra, desmoronado.



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