Pesquisar neste blogue

quarta-feira, 4 de abril de 2018

State Affair





Subir à cúpula do Bundestag é um assunto de estado.
Reichtag por Norman Foster é uma marca do modernismo alemão após reunificação.
Nunca o parlamento alemão tinha suportado uma cúpula com tanto vidro.
Nem quando o Kaiser Guilherme I a construiu em vidro e aço.
Nem com a renúncia do Kaiser e a proclamação da República, no final da primeira guerra, época genocida para os grandes impérios da Europa Central.
Nem quando Hitler alegadamente lhe pegou fogo para incriminar os adversários políticos e apoderar-se de dois terços do parlamento, com quarenta e três por cento dos votos.
Nem depois a sua destruição pelo Exército Vermelho, nem quando o decidiram reconstruir após a guerra, nem quando uma multidão de berlinenses se reuniu à volta, no bloqueio de 1948 e o presidente da câmara clamou para que “Vós, povos do mundo, socorram esta cidade”
Nunca o Reichtag tinha suportado uma cúpula com tanto vidro, mesmo quando Christo a cobriu de tela em 1995.
E, porque nada em Berlin, pode ser olhado (sequer) sem as devidas associações e os carregados simbolismos, a nova cúpula de vidro do novo parlamento alemão (o que são afinal dezanove anos na intensa história de Berlim?) é um mundo de possibilidades de interpretações simbólicas.
Símbolo da transparência dos poderes parlamentares, o redondo da agregação de uma nação, uma circunferência que marca (ambiciona) uma nova geometria de centralidade na Alemanha europeia, a libertação da democracia alemã da tutela das grandes potências vencedoras da última grande guerra.


Do alto da cúpula desenhada por um americano, estende-se aos seus pés, a embaixada americana na zona de ninguém, entre muros, apoiada no imperial arco de Brandemburgo, a russa uns metros depois no início Unter den Linden e a inglesa na mais modesta e lateral traseira do luxuoso Adlon.
Todos aos pés do centralismo unificado do Reichtag.
Por todas estas interpretações infundadas e simbolismos possíveis, subir à cúpula do Bundestag (uma forma de retirarmos o peso histórico) é um assunto de Estado.
Pode até ser gratuito, mas tudo tem um preço, exceto a segurança nacional.
Exige prévia marcação gratuita, mas igualmente prévia revelação de identidade para escrutínio da polícia, a oportunidade de descobrir um slot disponível em vida útil compatível, uma grande vontade que nos leve a descobrir uma opção executiva e organizada a vinte e dois euros com um chá incluído e direito a repetir (o chá), ou então…em momento de irrefletido desvario de subir aos céus nas asas do desejo (óbvia associação a Wim Wenders, eu sei)  , e ao preço de uma viagem low-cost até Berlim, a reserva de uma mesa para almoço ou jantar no resplandecente Kaffer, com direito a todas as subidas e descidas à cúpula que o corpo aguentar, tendo em conta que, o arrojo e o modernismo assim o exige, as subidas e as descidas se fazem por rampas diferentes.


Sempre com prévia revelação de identidade, com comprovação documental da mesma nuns barracões pré-fabricados plantados no lamaçal da fachada principal,(que obscurecem a grandeza da mensagem que, sobre as arcadas, nos assegura que ali vive o povo alemão), o acompanhamento muito atento até à porta principal, com portas duplas que se abrem alternadamente e a entrada num elevador apinhado, guardado por um zeloso guardião da subida ao topo, que reserva para ele próprio a única cadeira que sobe e desce dia inteiro, de manhã até à meia-noite.
E, finalmente, a cúpula.
No absoluto centro da nova e da velha cidade (e quarenta e quatro anos de baldio entre as duas referências anteriores) com as pérolas aos nossos pés, a pretensiosa Potsdam Platz, o gigantesco e despido TierGarten, o sólido Arco de Brandemburgo, a reverente Catedral, a espaventosa Torre de Televisão e as centenas de guindastes que parecem pendurar a urbe, muito para além do tempo esperado.
Tudo, símbolos da História e da alucinação que foi, e é, esta cidade.
Do topo, só a coluna da Vitória, empurrada do Reichtag para o fundo da rua 17 de Junho, por um pequeno homem de bigode a quem a estátua importunava a vista, parece dialogar com a nossa visão em plano de igualdade (ou serão os anjos que a sobrevoam?)



Quanto á cozinha do Kaffer é demasiado científica, uma culinária vista como um processo químico com uma fascinação pelo orientalismo gastronómico, de sabores orientais exóticos, empratados em ingredientes alemães.
Falta-me a alquimia do improviso e dos sabores mediterrânicos, e parece-me que este fascínio súbito pelas tendências orientais (da pintura modernista do Hamburger Banhof à culinária do Kaffer ou da comida de rua que empesta o ar das ruas de Mitte) é uma vingança fria e cruel dos derrotados da reunificação porque, até olhando cá de cima, se conclui que o glamour se transferiu quase todo para Oriente.
Em vésperas de uma manhã de neve, repleta de uma neblina romântica e vista cá de cima, Berlim já não sobrevive da história, antes transformou-se na capital do Leste.
(Mais uma associação abusiva e impertinente)



Sem comentários:

Enviar um comentário