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domingo, 29 de outubro de 2017

Bobo




Boulangerie é a chave do bairro étnico de Saint Mitchel.
A rue D é um beco sujo e malcheiroso, impregnado no bairro de imigrantes, fachadas encardidas e interiores renovados, cem metros quadrados a quatrocentos mil euros “no mínimo”, assegurava a nosso cicerone, uma rua de caves suspeitas, uma escada de cheiros intensos e portas blindadas de duplo trinco e um interior de lacados pretos e vermelhos, tecnologia iMac e televisão de ecrã plano, uma arca de vinhos a uma temperatura milimétrica de dezassete graus, fotografias de crianças e mulheres felizes pelas escadas acima até às aguas furtadas, quartos de criança plantados de vestidos cor de rosa.
A arca estava cheia e uma garrafa vazia de uma colheita de 1971, ocupava uma esquina previligiada no countoir das recordações
Quarenta e seis anos portanto, um homem com estudos de direito, pelos livros que forravam as estantes do seu cantinho iMac, de preferências anglo saxónicas pelos canais predefinidos do satélite, pelos bilhetes de espetáculos musicais no West End, pendurados nas traseiras da porta da casa de banho simples, do andar inferior.
Um homem de família e de rendimentos, “plutôt diplomée” que aproveita as oportunidades culturais, que venera a cohabitação com as populações de imigrantes e que os venera como os seus pais veneravam o proletariado.
Entrega-nos o seu mundo ao fim-de-semana, muito mais como afirmação de despojamento material do pelos cento e cinquenta euros que lhe pagamos, através da muito demaocrática plataforma de partilha deste novo mundo sem fronteiras que venera, a internet ou as viagens aos confins da diversidade.
S. o amigo de infância do nosso cicerone, encolhe os ombros quando insistimos numa clarificação do estereotipo.
“É preciso saber comer ostras com as mãos e beber vinho branco de penalti no marché de Capucins, salpicados de limão e etnias, e também dançar com os candelabros nas feiras de antiguidades da rue de Notre Dame”
Insistem em partilhar a sua visão cosmopolita, não dispensam um fim de semana no Atelier, entre vanguardas do cinema europeu “hors grand circuit”, decoram-se de barbas bem cuidadas, abraçam causas ambientais mas não dispensam o centro histórico das cidades.
“ils sont tout à fait, des personnalités complexes”
E ele encolhe os ombros, outra vez.
Afinal de contas, os bobos amam o desconcertante e desdenham do seu próprio sucesso, que preferem exibir em cima das suas bicicletas vintage do que em automóveis de luxo.
O nosso senhorio de fim-de-semana era decididamente um bourgeois bohéme que, por impossibilidade de horários, nos deixou a sua chave de casa na boulangerie de la place M. devidamente acondicionada num saco de papel reciclado que certamente ainda iria transportar muito pão.
No Domingo à tarde, sentia-me muito feliz por ter descoberto uma nova espécie de Homo Sapiens gaulês.
E também um pouco embriagado de ostras, vinho branco, maigret de canard, beef tartar, buzios e outros patés, tudo emborcado de penalti, não fosse o avião regressar sem nós.



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