Mas cedo percebeu que BA
era uma cidade da boémia decadente, tão sedutora quanto falida, e não era por
ali que L. podia viver do seu trabalho
Tal surpreendente
constatação não o impediu de vaguear semanas a fio pelos mercados de S.Telmo ou
pelos bares de Palemo, de se embrenhar em peregrinações pejadas de atos de fé
nos Santuários da cultura e paixão.
Acompanhado
de E. um orgulhoso cicerone de Borges e de uma legião bem representativa da
nova inteligência porteña, vasculhou todos os lugares do autor e captou o seu
espírito mais denso e profundo no café Tortoni, Rua de Mayo, 875, referência de
intelectuais e artistas, teimosamente posicionado no eixo do poder, como a
barricada da irreverência incontida e permanente á ousadia imperial dos
governantes.
Rua de Mayo,
entre a Plaza de Mayo e a dos Congressos. Borges e Gardel: duas extremidades do
quadrado estético de referência do passado recente de um povo jovem. Tortoni,
antiga tertúlia, hoje espaço de culto.
L. sentiu-se
rapidamente preso a este povo, tão jovem mas com uma História tão intensa, tão
cheia de contradições e tão familiar na sua profundidade intelectual e na sua
inabilidade para gerir as coisas práticas, sempre à beira do abismo e tão
juvenis quanto emocionalmente instáveis, quando se entregam em desespero a um
pai ou uma mãe do povo, dê por onde der!
Na Plaza de
Mayo, a fronteira entre a boémia S.Telmo e as avenidas imperiais, e o obelisco
que se impõem como uma bandeira de pedra entre o palácio do Presidente e a
praça do Congresso, símbolos do poder e (quiçá) do nacionalismo aceso, L.
sentiu-se no âmago das encruzilhadas históricas deste povo jovem.
Para E. e os
seus entusiastas amigos – e agora amigos de L. - a Casa Rosada, ao fundo,
representava o farol do (fascínio pelo) poder, da força messiânica dos líderes
do povo (descamisados, pobres e infelizes), dos militares absolutistas e opressores
com sonhos imperiais que repõem uma ordem instalada (?), uma sucessão
alucinante de extremos, que se intercalam periodicamente com os reinados de
famílias com mística popular e o fascínio pelas mulheres de personalidade forte
que se tornam poderosas e idolatradas.
“O clã
Peron, os militares e as mulheres são os protagonistas da História da casa
rosada, do farol da Plaza de Mayo e de um país” – repetia L. entre um gole de
café gelado com sabor a rum – “Sangue, suor e lágrimas” – realçava E.
E L. já imaginava
Eva discursando ao povo na janela da casa rosada.
“Mas a Plaza
de Mayo é também o palco dos equívocos, os absurdos, os contrassensos e as
encruzilhadas do nacionalismo excessivo”
“A
mistificação das mães de Maio no auge da ditadura militar, que exibiam os
sinais dos filhos desaparecidos opositores de um regime, que não tolerava
protagonismos populares ou cento e cinquenta mil pessoas que aplaudiram a
invasão das Malvinas, em pleno período de declínio da ditadura militar de
Vilela “ – continuava E.
L. percebia
cada vez melhor a nossa raiz latina comum; Manipulação, revolta, nacionalismo,
mistificação e a voz do povo, tudo numa só Plaza e num só século.
L. concedeu a si
próprio estas indulgências de turista – ele preferia ser reconhecido como
viajante, ou explorador da natureza humana - como sendo parte integrante do seu
processo de aculturação a uma nova vida num novo hemisfério.
Mas, latitudes
diferentes e a mesma língua levantaram voo, semanas depois, para Santiago, São
Paulo, Bogotá e Lima, o quadrado da sua nova vida de exilado económico e
sentimental
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