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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Arequipa – a cidade branca e de todas as cores


Arequipa, cidade branca, altitude que tempera o líbido (dispacio e dormir solo) e desperta a alucinogénia coca que enlouquece o homem branco.
Sim, aterrámos numa réplica e árida Andaluzia, temperada por uma mestiçagem de sabor chilli.
Versão Tex Mex em Sudamérica!
No Monastério de Santa Catalina, mal se sentem os ecos distantes de um retiro de meninas casadoiras e folionas de boas famílias que entravam no convento com as suas criadas, promoviam festas sociais e saiam diretamente do convento para a capela.
Neste paraíso de silêncios, pátios e ruas andaluzes onde o branco da Espanha sulista foi retocado pelas cores quentes e indígenas, azul electro e laranja velho, os vestígios dessa existência mundana confundem-se, misturam-se com uma austeridade latente na atmosfera, renascida nos séculos seguintes, por ordem do vaticano e mão severa da madre superiora.
Apenas as cores ficaram, afirmando a dualidade andina, uma fé que se reconstrói nas cores e nos símbolos próprios da antiguidade local e genuína.
E as sombras, contrastes salientes de um equador próximo, que apenas se deitam ao fim da tarde, cansados da verticalidade diurna que quase fura os chapéus de abas mais distraídos.
Afastamo-nos da guia estridente e ganhamos o privilégio de seguirmos sós (e o nosso silêncio) pelos meus recantos de meditação pagã…
Solidão entre as cores e as sombras

Também Arequipa reflete pois uma dupla personalidade, reflexo de uma fundação a dois tempos: inca e espanhola.
O resultado é absolutamente alucinante: nas fachadas esculpidas da igreja da companhia de jesus, pende o Santiago matador de mouros, sacerdotes incas, macacos, sereias desnudadas com asas de anjos e frutos tropicais em jeito de friso sensorial.
No púlpito da catedral pende um diabo tipo satã, simbolizando as trevas, mas agora sempre presente nas cerimónias, como o único satanás residente num templo católico!
Saindo para a praça de armas, de manhã com o sol refletido nos brancos vulcões do horizonte, ou ao fim da tarde, quando a vida própria andina se apodera das fontes, dos pombos e da vista larga, das arcadas e das janelas, agora ofuscadas pelo sol rasante, apoderamo-nos da vida terrena e chegamos a aceitar que o símbolo do mal pode ser purificado pela fé, tal como jesus e os anjos devem ser cuidadosamente vestidos pelas lãs de alpaca porque a igreja é lugar frio e eles precisam de estar confortáveis.
Vontade do povo!
Vontade inabalável de evangelizar nativos que não conheciam a escrita, ou apenas selvagem criatividade induzida pela folha de coca?

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Pachacamac – Os templos de areia



Na praia emergem os templos, o deserto e o mar, à beira de Lima, dos povoados que a cercam e da pan-americana.
O mais poderoso, influente e temido oráculo dos Andes, capaz de fazer tremer a terra…
Dizem as crónicas dos estudiosos do passado Inca.
Muito antes dos Incas, este é o solo sagrado que trespassou civilizações e as moldou!
Uma rede cerimonial – tudo neste povo evocava redes, comunicações capilares de crenças e deuses com forte representação humana – é preciso corporizar as crenças – redes de estradas que também ligavam importantes centros de peregrinação.
Com os Incas…
Redes de mitos com sentido prático: Pachacamac era também um importante entreposto, porque era preciso armazenar e distribuir os donativos que chegavam de zonas tão distantes, organização económica com senso mítico.
Um dos mais importantes centros de peregrinação do seu tempo e que reflete o modo especial como os Incas se flexibilizavam na forma de incorporar os povos conquistados
O Templo do Sol, erigido ao lado do Oráculo de Pachacamac, pré Inca, tão poderoso segundo crença Inca que o Imperador permitiu que, a par do templo de adoração ao Sol, continuasse este altar a exercer as suas funções…
Era também uma forma engenhosa de, através de uma corporação de deuses /de um pacto espiritual se promovesse a união dos povos
Flexibilidade na forma de governar os povos conquistados e os seus deuses
Uma lição de História…
As crenças religiosas dos Incas, baseiam-se na adoração do Sol Inti, e da sua irmã Lua Quila, num sentido tão literal do termo e do senso que tinham, como representação terrena, o Imperador e a sua incestuosa rainha Qoya
Bem, uma interpretação contemporânea!
Ouvida em excertos entrecortados pelo vento e pela tempestade de areia…
A mulher principal do Imperador servia de manifestação humana da Lua, irmã e mulher do Sol, mestre sobre o mar e os ventos, rainhas e princesas e é a raínha do céu.
Como um Deus tutelar (de outras crenças, de outros Deuses) Indi servia como os antepassados do Imperador atual e como símbolo para o Estado Inca em expansão
Eram os rituais que dominavam os grandes destinos- imperadores, exércitos e batalhas – e as alianças entre líderes Incas e locais cimentavam-se na consulta aos oráculos e – na esperança – na comunhão de profecias… que não tinham margem para o erro – sendo erro uma qualquer premonição de desgraça do imperador vigente
Os Incas veneravam paqarinas, elementos da natureza nos quais acreditavam que os seus antepassados tinham emergido (pedras, rios, grutas) … e foi desta forma que criaram a lenda da mítica origem do primeiro imperador
Aqqlawasi, as mulheres escolhidas, que desempenhavam um papel crucial nas alianças entre os líderes incas e os locais.
Para o bárbaro e sanguinário Hernando Pizarro tratavam-se das mulheres do Diabo.
Sem o esforço da Sandra, que se preocupava com a nossa capacidade de assimilar, numa concentrada aula teórica com reduzido material de demonstração, o essencial da cultura das civilizações pré hispânicas, teria sido difícil imaginar que, por debaixo de tanto pó e areia, se escondia tanta História dos povos indígenas.
Erosão dos invasores e do tempo, num manto de areia branca à beira do mar!



terça-feira, 23 de outubro de 2012

Lima - A cidade das brumas



Lima é a cidade dos Viracochas e, quem sabe, uma afirmação de modernidade de um país. Deuses que viriam do mar…e vieram
Lima é a cidade dos reis brancos, barbudos e malcheirosos que desconfiavam da mística Cuzco, demasiado grandiosa e sobrenatural
Portanto, incontrolável
No credo en brujas, pero que los hay, los hay
Nove milhões de almas que se acotovelam nos bairros populares em gigantescos mercados grossistas
Cidade das brumas, fenómenos meteorológicos que lançam capacete sobre a cidade, que devia ser tropical, mas não é, pelo menos mais de seis meses por ano!
É bizarro, o equador tão perto e os caprichos das correntes marítimas, e o pacífico oceano que se empurra de encontro aos Andes transformam, esta amálgama de metrópoles tão latinas e tão sul americanas numa distinta urbe, tão britânica quanto a neblina permite, qual chapéus de coco que estranhamente povoam as ruas poeirentas dos mercados de rua e que se equilibram, quais trapezistas entre o infernal burburinho desta cidade, sem caírem sequer!
A vingança nativa (incas e os seus incógnitos ascendentes) serviu-se retardada e definitiva.
Oitenta por cento do povo é mestiço!
Sol e Lua, oposto e complemento em três estágios de vida: ave, puma e serpente
Cidade das crenças que, em dia de procissão da Nossa Senhora das Dores, se revela de uma profunda religiosidade que leva multidões às ruas, magotes que se deslocam a pé dos bairros pobres, distantes e inacabados para um centro que, se encolhe porque estranha, no seu abandono e despovoamento crescentes, o movimento e a alegria dos crentes, pobres mas crentes!
Não estamos habituados a ver tanta fé em povos que (foram, de forma musculada convencidos a mudar de..)mudaram de Deuses há menos de quinhentos anos, de tez inca, mestiça ou índia.
É uma nota disfuncional na paisagem, mas que é perfeitamente coerente com todas as notas invulgares que povoam a cidade.
Nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma!
Símbolos religiosos, impregnados nos mantos cristãos, através da mãe natureza
Não há barbudos e malcheirosos espanhóis a atravessar as húmidas brumas de uma manhã tão cinzenta, mas tão colorida porque a cor é aqui, e em todo o país, o Perú intenso!
Mas a Praça de Armas é uma afirmação do poder espanhol que resiste teimosamente à desertificação do centro da cidade, uma auréola de edifícios coloniais gastos pelo tempo, pelas revoluções e pela ascensão do poder revolucionário subversivo e clandestino
Em seu redor, expande-se uma cidade caótica, cuja inexistência de infraestruturas empurra milhares de carros, motos e combies (pequenos autocarros independentes) para uma dança de desfecho sempre incerto, em que a prioridade é concedida a quem for o último a parar. Sem ofensas, como se as buzinas apenas prestassem honras ao mais destemido dos guerreiros do trânsito.

Saindo da Praça de Armas em direção ao mar e a sul, percebe-se que coexistem nesta larga extensão de casas quase térreas, vários destinos de um mesmo povo.
As grandes migrações dos anos noventa, a pobreza extrema dos sem raízes, aqueles que já foram integrados dentro dos limites da cidade e os que se espraiam pela pan-americana à espera de entrar;
Os bairros de classe média, com quintais vedados, e um espaço de garagem ao ar livre onde param os automóveis de família, gastos mas dignos;
A frente Pacífico com bairros a tocar o glamour e com uma gastronomia de fama e eleição, espraiam-se os soprados pela riqueza e pelo crescimento económico de seis por cento ao ano, abençoados pelo poder e pela pátria
Mas não se chegam ao mar: as arribas de Miraflores espreitam o mar mas deixam a marginal, lá em baixo, para os surfistas e para quem quiser, numa espécie de zona livre porque afinal o mar (porque não há sol) quando nasce é para todos.